Cultura

Senador comenta sua participação na novela O Rei do Gado

Quando o autor Benedito Rui Barbosa e o diretor Luiz Fernando de Carvalho me convidaram para participar do velório do senador Roberto Caxias, resolvi aceitar o convite por ter a convicção de que a novela O Rei do Gado constituiu-se num trabalho sério, que apresentou muitos aspectos da realidade atual brasileira. Não continha qualquer ofensa ao Congresso Nacional, muito menos falta ao decoro parlamentar. Foi esta também a avaliação de meus companheiros do PT e de outros partidos no Senado bem como de centenas de pessoas que dos mais diversos lugares enviaram seus cumprimentos.

Em especial, o papel desempenhado pelo senador Caxias colocou em evidência e levou a milhões de lares brasileiros a discussão em torno de um tema crucial: a questão da terra. O senador foi aos acampamentos e assentamentos dialogar com os trabalhadores sem-terra. Ouviu as razões das ocupações de áreas improdutivas e outras ações para alertar as autoridades sobre os anseios de quem ainda está longe de ter direitos plenos à cidadania. Reconheceu a estrutura fundiária tão desigual e injusta em que os 2,8% maiores proprietários detêm 56,7% da área dos imóveis rurais do país.

Fui convidado para participar de obra de ficção fazendo o meu próprio papel na vida real, assim como a senadora Benedita da Silva. Uma semana depois, li que, o presidente Bill Clinton representou a si próprio em cena do filme A Child Wish, na rede CBS, no qual aparece recebendo uma criança com doença terminal na Casa Branca.

Disse-me Luiz Fernando de Carvalho que os jornalistas-atores me fariam três perguntas que poderiam ser respondidas, ou não, de forma espontânea. Colocaram no ar a íntegra de minhas respostas sobre como via o papel do senador para a causa do Movimento Sem-Terra, quais os marcos principais de sua vida e o significado de suas últimas palavras pedindo que o problema no campo fosse solucionado de maneira pacífica.

Certamente aquele personagem contribuiu para que mais pessoas compreendessem a necessidade de se realizar com maior urgência a reforma agrária no Brasil. Mais senadores e deputados deveriam seguir o seu exemplo. Com todas as suas limitações como ser humano, e ainda que o senador Caxias tenha se contentado com a modesta tributação da terra contida na nova legislação do ITR e outras medidas que considero insuficientes, avaliei que tenha dignificado o seu mandato.

A ação do personagem poderia ter sido em muito ampliada. Quisera ver o senador Caxias conclamando o presidente Fernando Henrique Cardoso a seguir as recomendações de Alexis Tocqueville em A Democracia na América, quando afirma que um chefe de Estado não deveria estar utilizando em seu próprio usufruto, para conquistar o direito de reeleição, toda força do governo. Seria melhor seguir também o exemplo de Nelson Mandela, presidente da África do Sul ao anunciar, em outubro último, que, ainda que a nova Constituição daquele país permita o direito de reeleição, por uma vez, havia decidido concluir o seu mandato em 1999, não se candidatando mais. Mandela observou a alguns de seus amigos que preferia concluir seu governo com o povo querendo muito que ele continuasse na Presidência, pois tinha observado o desgaste daqueles que tudo faziam para permanecer indefinidamente no poder.

Gostaria de ter visto o senador Caxias afirmar com veemência que a Nação estaria avançando muito mais se o presidente Fernando Henrique Cardoso estivesse dedicando à criação de instrumentos de política econômica que contribuam para a erradicação da pobreza, à reforma agrária e à criação de novos assentamentos, a extraordinária energia e atenção que destinou para convencer os parlamentares a votarem a emenda que concede o direito de se recandidatar à Presidência da República.

Eduardo Suplicy é senador pelo PT-SP.