Cultura

Entrevista com Eduardo Suplicy sobre a novela O Rei do Gado

T&D - Qual sua avaliação sobre a novela O Rei do Gado?
Suplicy - A novela teve o mérito de tratar com muita sensibilidade e conhecimento dos fatos - alta qualidade em termos de conteúdo, ótimo desempenho dos atores e da direção - um tema de grande importância da atualidade brasileira: a grande injustiça da estrutura agrária no país. A novela soube reconhecer a importância do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra-, em que pesem algumas críticas que o próprio autor Benedito Rui Barbosa revelou ter sobre algumas das ações, dos símbolos e mesmo dos temas levantados pelo MST. Expressas essas críticas na voz de alguns dos personagens, o fato concreto é que a novela contribuiu para granjear o apoio da opinião pública à causa principal pela qual luta o MST, ou seja, a realização da reforma agrária de forma muito mais urgente do que quer realizar o governo.

T&D - Como o senhor vê o tratamento dado ao Parlamento na novela?
Suplicy - Em muitos momentos, as situações mostradas pela novela refletem a realidade do Parlamento. Não são raras as vezes em que temas importantes como os da injustiça e da violência vigentes no campo são tratados no Senado com apenas alguns senadores em plenário. Portanto, o episódio em que o senador Caxias fez um pronunciamento emocionado sobre a necessidade de realização da reforma agrária no Brasil, com poucos senadores lhe dando atenção mas causando emoção na grande maioria dos telespectadores, não constitui fato anormal. Quando alguns senadores protestaram em Brasília, dei total razão ao que havia sido mostrado na novela, uma vez que por diversas ocasiões presenciei situações semelhantes no Parlamento.

T&D - O senador Eduardo Suplicy se viu no senador Caxias, ou melhor, o personagem de Carlos Verezza era o senador Suplicy?
Suplicy - O senador Caxias é um personagem de ficção que reuniu elementos e características, qualidades e defeitos, semelhantes às de diversos senadores da vida real, tanto de hoje quanto do passado. Portanto, o senador Caxias não era o senador Suplicy e muito menos sua mulher era a Marta. Felizmente aqui no Senado há muitos senadores que são extremamente dedicados e que realizam um trabalho sério em defesa do interesse público. Foi um exagero do autor Benedito Rui Barbosa estampar que o senador Caxias era o único a realizar um trabalho em favor de maior justiça no campo.

T&D- Qual foi seu relacionamento o autor Benedito Rui Barbosa, durante o período de transmissão da novela?
Suplicy - Há pouco mais de um ano, Marta e eu fomos ao teatro assistir uma peça encenada por Antônio Fagundes em São Paulo. Ao final, conversamos longamente e ele nos contou que seria o ator de O Rei do Gado. Como pouco tempo antes tínhamos estado no Pontal do Paranapanema e conversado muito com o professor Bernardo Mançano, um pesquisador e conhecedor da luta pela terra na região, sugerimos que Fagundes entrasse em contato com Bernardo, que teria enorme contribuição a dar a ele e ao Benedito. Quando surgiu na novela aquela cena do plenário vazio houve um grande debate no Senado. Fiz então um pronunciamento dizendo que muitas vezes era isso mesmo que acontecia e telefonei para o Benedito a fim de transmitir-lhe o meu apoio. Esse foi o primeiro contato que tivemos, no qual conversamos longamente. Ocorreu também outra situação em que senadores começaram a criticar muito o MST, acusando-o de violento. Desta vez, fiz pronunciamento informando que os coordenadores tinham artigos em que afirmavam a natureza pacífica do movimento. Propus que fizéssemos no Senado um grande debate envolvendo, ministros, MST e senadores. Esse debate foi marcado para 19 de novembro. Pouco antes, telefonei para o Benedito para informá-lo sobre o debate e recomendar que acompanhasse, pela TV Senado. Na ocasião, aceitei o convite para Marta e eu irmos ao seu sítio em Sorocaba (SP). Nessa visita nos conhecemos melhor. E em janeiro deste ano, recebi um telefonema da produção da Globo convidando-me para participar do enterro do senador Caxias. Esses foram os meus contatos com o autor de O Rei do Gado.