Cultura

Americano, conheci o país, por acaso, aos 17 anos, em 1976 através de um intercâmbio colegial

A minha história com a esquerda brasileira, embora sem nenhuma importância, não deixa de ser engraçada. Americano, conheci o país, por acaso, aos 17 anos, em 1976 através de um intercâmbio colegial. Um pouco antes de vir para cá, cultivava com afinco o que restava da contracultura californiana. Surfava, só comia verduras, buscava o amor livre sempre que possível, editava um jornalzinho udigrudi, ouvia rock, me recusava a jurar fidelidade à bandeira, enfim, aquelas coisas todas.

Fazia parte da cultura juvenil pós-hippie do fim dos 70 tentar sair dos reacionários e quadrados Estados Unidos da América. "Ter uma outra experiência", como se dizia, conhecer um outro país. O que busquei através de um intercâmbio do colégio público onde estudava. Acabei sendo escolhido para representar a escola lá fora, e como era um aluno militante, pedi para ser mandado ao hemisfério Sul - os burgueses todos iam à Europa. Caí em Dourados, Mato Grosso, atualmente Mato Grosso do Sul.

Bem, vocês podem imaginar, havia pouco espaço para a militância contracultural na Dourados de 76 mas, mesmo assim, acabei achando aquilo tudo interessante. Não sabia explicar claramente a minha queda pela cultura mato-grossense, mas havia, lá, um quê inexistente mesmo na Califórnia daquela época.

Voltei em seguida aos EUA e, como qualquer esquerdista que se prezasse, fui fazer faculdade em Berkeley, palco das lutas da década anterior, como aluno de estudos latino-americanos, uma mistura de ciência política com literatura e, história da região. O grande guru intelectual de todos os meus professores era Fernando Henrique Cardoso. Fui obrigado a ler, de frente para trás, e de trás para frente, a sua Teoria da Dependência na América Latina. O que fiz com gosto, diga-se de passagem, coisa de progressista, ou mesmo esquerdista, no ambiente universitário norte-americano no fim dos 70. Ao estudar o livro do atual presidente, eu tinha, a certeza de estar contribuindo, mesmo que modestamente, para o fim das ditaduras na América Latina. No terceiro ano da faculdade, 1979, fui fazer outro intercâmbio, na Universidade de São Paulo.

Cheguei cabeludo no Brasil, mais uma vez, e um tanto quanto metido, achando que entendia basicamente tudo da situação - coisas de um jovem brasilianista em formação. Fui recebido pelo professor americano Carlos Bakota, atual ataché cultural do consulado dos EUA em São Paulo. Na minha primeira noite na cidade, ele me levou para roubar cartazes de banca da revista Playboy na avenida Paulista. É que a publicação promovia um concurso de bumbum: "nada mais brasileiro", explicava Carlos a um garoto anglo-saxônico - eu - já um tanto quanto assustado com a abertura cultural brasileira.

Semanas depois, fui fazer o curso de teoria da dependência, da Heloísa Fernandes, filha do Florestan, nas Ciências Sociais. Onde aprendi que Fernando Henrique, a quem eu havia dedicado tantas horas de leitura, não passava de um grande reacionário. Acabei meio desnorteado, como se pode imaginar. Sem falar dos alunos da universidade que me evitavam como uma praga. Gringo cabeludo nas Ciências Sociais da USP naqueles tempos, da ditadura ainda, boa coisa não podia ser, vim a saber, anos depois: no mínimo um agente da CIA. Era, uma situação dura para o meu lado. Tudo que eu havia aprendido fora descartado, ou nunca levado tão a sério pelos intelectuais no Brasil, era quase impossível fazer amizades, o amor livre, então, nem pensar.

Estou carregando um pouco nas tintas da impressora do meu computador. Na verdade, acabei sendo adotado pelo professor José Carlos Sebe Bom Meihy, do Departamento de História, que me explicou a USP e me ensinou tudo que sei de marxismo. Voltei para a Califórnia ainda mais militante - e estudioso - do que nunca, munido de conhecimentos teóricos pouco divulgados nos EUA. Fazia, até, um certo sucesso com as alunas de Berkeley já que sabia discursar sobre gente como Gramsci, Althusser e Foucault.

Mas logo depois tudo isso viria abaixo, perdendo o seu sentido existencial no dia-a-dia. Tenho uma tendência a apostar no cavalo teórico errado. Hoje, estranhamente, sinto dificuldades até para achar o hipódromo.

Matthew Shirts é jornalista