Internacional

As mudanças em curso na África Central são muito profundas e não foram objeto de qualquer atenção no Brasil. O futuro permanece aberto na região mas há uma possibilidade de se colocar um paradeiro no morticínio e acabar com os regimes títeres das metrópoles europeias.

A derrubada da ditadura Mobutu no Zaire – que agora volta a se chamar Congo – constitui a maior derrota do imperialismo francês na África desde a independência da Argélia em 1963. Ela decorre do comportamento criminoso do governo francês no continente, sustentando nas últimas décadas um grande número de ditaduras odiosas, e mais diretamente, de sua responsabilidade central no genocídio em Ruanda em 1994. A conquista de Kinshasa pela coalizão encabeçada por Laurent Désiré-Kabila é o momento decisivo de um enorme realinhamento político no continente, no qual as vozes de vários governos da região, identificados com um certo “africanismo”, passaram a ter um peso muito maior. A importante redução do papel da França é também acompanhada de diversas iniciativas de ocupação de espaço pelos Estados Unidos.

O marco inicial desta mudança foi o estabelecimento do governo Mandela na África do Sul e o fim do regime do apartheid. Isso provocou uma importante alteração da correlação de forças políticas na África austral e incidiu fortemente sobre a situação em Angola e principalmente em Moçambique e na Namíbia. O decisivo do processo atual, todavia, foi a crise na região dos Grandes Lagos e a derrocada do regime neocolonial em Ruanda, que repercutiu diretamente sobre o Zaire.

A luta da Frente Patriótica Ruandesa (FPR), dirigida por Paul Kagame e composta principalmente por tutsis, contra a ditadura Habyarimana em Ruanda intensificou-se em 1990, quando a Frente desencadeou uma ampla ofensiva e o regime se manteve apenas graças à intervenção de tropas francesas. A FPR teve o apoio decidido do governo de Yoweri Musevini, presidente de Uganda, originário da esquerda progressista e laica, que estava sendo pressionado pelos governos conservadores ligados à França (principalmente Mobutu no Zaire e Habyarimana em Ruanda), e atacado do norte também pelo regime fundamentalista islâmico do Sudão. Como “solução final do problema tutsi” em Ruanda, o clã do general Habyarimana preparou minuciosamente o genocídio não apenas dos tutsis mas de todos os “inimigos internos”, isto é, também da oposição hutu moderada, finalmente deflagrado em abril de 1994. O massacre não impediu a retomada da luta pela FPR e sua vitória. Mas o antigo regime ainda teve condições de promover o êxodo para a Tanzânia e principalmente para o leste do Zaire, de 2 milhões de hutus, enquadrados por 70 mil membros do antigo governo, das milícias extremistas e pelos remanescentes das forças armadas ruandesas.

A guerra civil ruandesa espalhou-se por toda a região, atingindo seu ápice em 1996. No vizinho Burundi, que já vivia um quadro de guerra civil larvar, o exército, predominantemente tutsi e temeroso da propagação para o país da política de extermínio praticada pelos hutus, derrubou o instável governo civil em julho de 1996. No Zaire, onde a luta se propagou com mais força, as populações tutsis e de outras etnias, alvo de uma perseguição implacável pelos hutus recém-chegados e ignoradas pelo regime Mobutu, se organizaram e formaram em novembro de 1996, a Aliança das Forças Democráticas para a Libertação do Congo, contando com o apoio da Frente Patriótica Ruandesa e dos exércitos de Uganda e Burundi. Foi esta ampla aliança contra Mobutu e o regime neocolonial ligado à França, que derrotou as forças do antigo governo Habyarimana no leste do Zaire. Controlando a região, a AFDL catalisou a crise do Estado zairense, conquistou passo a passo as diversas províncias do país e derrubou Mobutu depois de oito meses de lutas.

Estas complexas mudanças políticas expressam processos cujas raízes recuam ao período colonial e à formação dos regimes neocoloniais nos anos 60. Não sou especialista na região e não pretendo oferecer uma análise original do que se passou. Mas parece evidente, para quem acompanha a imprensa internacional, que as mudanças em curso são muito profundas e não foram objeto de qualquer atenção no Brasil. Quero aqui, portanto, somente chamar a atenção para algumas transformações que têm conseqüências profundas na política internacional. Baseio-me para isso, em grande medida, nas análises da jornalista belga Colette Braeckman, profunda conhecedora da região, correspondente do Le Monde Diplomatique e autora dos livros Le Dinosaure: le Zaire de Mobutu (1992), Rwanda: histoire dd’un génocide (1994) e Terreur africaine (1996), todos da editora Fayard.

A onda de choque do genocídio em Ruanda

O genocídio de centenas de milhares de tutsis e opositores hutus em Ruanda (os analistas falam em até um milhão de mortos, mas provavelmente o número jamais será conhecido), pelo clã do presidente Habyarimana em 1994, foi um processo muito traumático mesmo para um continente sacudido por sucessivas tragédias. O deslocamento dos países africanos de seu lugar anterior no mercado mundial, as crises ecológicas, a manutenção de regimes neocoloniais cada vez mais excludentes e a crise dos mecanismos redistributivos destes regimes provocaram fomes massivas, êxodos e guerras civis em quase todo o continente. Mas nada disso se aproxima do que representou o extermínio minuciosamente planejado e sistemático dos supostos inimigos do regime em Ruanda, um dos maiores genocídios do século XX. Isso foi articulado e executado sob a tutela direta dos franceses, por um regime cujo ditador e sua família tinham laços estreitos com o presidente François Mitterrand e com seu filho, Jean-Christophe Mitterrand, um dos responsáveis pela política africana do Elysée. O governo socialista francês teve um papel decisivo no genocídio de 1994.

Ruanda e Burundi são dois países da fértil região dos grandes lagos. Aí, no século XIX, os tutsis – povo dedicado à pecuária – se impuseram sobre a população de agricultores majoritariamente hutu. A região foi depois dominada pelos belgas. Em 1961, Ruanda tornou-se independente depois de uma guerra civil que impôs a supremacia dos hutus e forçou boa parte dos tutsis a se exilarem (situação diferente de Burundi, onde os tutsis mantiveram seu predomínio). Os belgas (e depois seus sucessores franceses) apoiaram os hutus de Ruanda, temendo a influência do movimento antiimperialista de Patrice Lumumba sobre a elite tutsi e depois seus descendentes no exílio, tachados de esquerdistas. Como afirma Braeckman, “a independência do país se construiria sobre esta noção de inimigo interno, sobre a consciência de uma ameaça permanente pesando sobre as pobres conquistas dos camponeses hutus”. Em 1973, o Movimento Nacional Revolucionário para o Desenvolvimento, de Juvénal Habyarimana, chegou ao poder, exercendo uma ditadura cada vez mais cruenta e promovendo sucessivos “pogroms” dos tutsis.

A Frente Patriótica Ruandesa (FPR) invadiu o país a partir de Uganda, em 1990, tentando impor o retorno dos refugiados. O governo de Habyarimana recusou-lhe qualquer participação no poder. E recorreu às forças militares da França e do Zaire para reprimir a FPR. O exército de Ruanda passou de 5 mil para 40 mil efetivos, sob a proteção de tropas francesas e a direção de seus instrutores. Por outro lado, formou-se uma pressão internacional pela democratização do país e pelo multipartidarismo. Uma oposição hutu se desenvolveu contra o monopólio do poder pela família do general-presidente Habyarimana e sua “etnocracia hutu contestada”, e grupos de defesa dos direitos humanos e uma imprensa independente passaram a atuar. Enquanto isso, cresceram os massacres de opositores (mais de 15 mil pessoas foram assassinadas por esquadrões da morte) e o genocídio começou a ser preparado. Em 1993 – quando um acordo foi imposto ao regime pela pressão internacional – listas de opositores a serem eliminados foram elaboradas, armas foram massivamente distribuídas e a “Rádio Livre Mil Colinas” começou a exortar a população a massacrar os inimigos internos. Em todo este período a França reforçou sua colaboração militar com o regime.

Em dezembro de 1993 tropas da ONU (da Bélgica e de Bangladesh) chegaram ao país para respaldar um governo de coalizão com a oposição moderada (mas sem a participação da FPR) e as tropas francesas deixaram o país. Estes contingentes assistiram impotentes à expansão e armamento das milícias e ao acirramento das perseguições de opositores (reais e supostos) pelas Forças Armadas Ruandesas e as milícias hutus interahamwe (que significa “aqueles que matam juntos”).

Em 4 de abril de 1994, o avião em que viajavam o presidente Habyarimana e o presidente do Burundi foi derrubado por foguetes antiaéreos (suspeita-se que a mando de setores ainda mais fanáticos do regime). Sua morte serviu de sinal para colocar em movimento a “máquina de matar” já azeitada. Começando pelo assassinato da primeira-ministra Agathe Uwilingyimana e de dez soldados belgas da ONU que a protegiam, as mortes se estenderam por todo o país. A Rádio das Mil Colinas emitia as palavras de ordem: “cortem os pés das crianças para que elas andem toda sua vida sobre os joelhos”; “matem as meninas para que não existam futuras gerações”, “as valas comuns ainda não estão cheias”. O massacre sistemático prosseguiu por três meses. Para se ter uma dimensão do que representou, lembremos que se tivesse ocorrido no Brasil, o total de mortos representaria cerca de 20 milhões de pessoas, fora os mutilados e o trauma sobre toda a população.

A FPR retomou a luta e avançou rapidamente. À medida que ganhava terreno, o regime promovia o deslocamento da população, matando muitos dos que não seguiam suas ordens. Os assassinos, 70 mil quadros políticos e militares ligados ao clã Habyiarimana, se misturavam à horda de 2 milhões de pessoas que se deslocava para as fronteiras. Eles saqueavam o país e difundiam o temor de que a FPR vingaria as atrocidades cometidas pelas forças armadas e pelas milícias interahamwe.

Gigantescos campos de refugiados foram formados na Tanzânia e principalmente nas regiões do Zaire na fronteira com Ruanda, nas margens do lago Kivu (as províncias Kivu-Norte e Kivu-Sul), funcionando como uma barreira humana para a proteção dos responsáveis pelos massacres e para a organização da sua luta contra o novo governo da FPR. A guerra civil ruandesa continuou, agora no Zaire.

O apodrecimento do regime Mobutu

O Zaire é um dos maiores e potencialmente mais ricos países da África, com 35 milhões de habitantes espalhados por 2,2 milhões de km2. Embora 80% da população se dedique à agricultura de subsistência, na província de Shaba (antiga Katanga) situa-se uma das maiores concentrações de riquezas minerais do mundo. Densas florestas equatoriais separam a capital, Kinshasa, próxima da costa, das ricas províncias do leste e do sul do país.

Mobutu governava o Zaire como ditador há mais de trinta anos. Estreitamente ligado aos interesses belgas e franceses, mesclou seu autoritarismo com uma retórica nacionalista que procurava esvaziar o discurso do lumumbismo que marcou toda a região nos anos 60. Enfrentou seguidas revoltas e movimentos separatistas regionais.

Depois do massacre, em 1990, de um protesto estudantil em Lubumbashi, Mobutu teve de iniciar uma abertura que pretendia fosse “lenta, gradual e controlada”. Uma Assembléia Nacional se reuniu entre agosto de 1991 e dezembro de 1992. Nela, emergiu uma liderança nacional expressiva, sempre candidata a primeiro-ministro, Étienne Tshisekedi, com o qual Paris esperava jogar a carta da substituição de Mobutu. Por sete anos, dois governos disputavam a legitimidade aos olhos da população e dos governos metropolitanos, um avalizado por Mobutu e outro em torno de Tshisekedi.

Mas Mobutu operava habilmente sobre as contradições deste processo e mantinha sua posição imperial, formando um Estado dentro do Estado. Enquanto o orçamento do governo "soberano" do primeiro-ministro Kengo Wa Dondo foi, em 1994, de pouco menos de 300 milhões de dólares, a "dotação presidencial" foi, no mesmo ano, de 372 milhões de dólares.

A crise do Estado aprofundou. As receitas públicas caíram de 1,176 bilhões de dólares em 1980, para 253 milhões em 1993! As despesas passaram de 930 milhões em 1989 para 1,330 bilhões em 1992 e 1,008 bilhões em 1993; a inflação em 1993 foi de 8828% e em 1994 de 6030%. O sucateamento do Estado atingiu todos os aspectos, da infra-estrutura de transportes aos serviços sociais. Em Kinshasa, com 3 milhões de habitantes, a esperança média de vida oscila entre 40 e 45 anos. Há mesmo províncias que emitiram sua própria moeda.

O colapso do Estado zairense e a crise em Kivu

Mobutu era a peça-chave nas estruturas de dominação neocolonial da França (e da Bélgica, como parceiro subordinado) na África. Como a metrópole, ele sustentou o genocídio dos tutsis em Ruanda, promovido por aquele que ele considerava seu amigo pessoal, o presidente Habyarimana. Foram soldados de sua guarda presidencial que combateram a FPR em 1990, ao lado dos franceses.

O leste do Zaire, onde se instalaram os hutus, tradicionalmente foi um baluarte das forças de oposição ao seu governo. Principalmente em Kivu-Sul, as ex-forças armadas de Ruanda e as milícias interahamwe passaram a perseguir os tutsis banyarwandas – denominação coletiva dos tutsis e hutus que há duzentos anos vieram de Ruanda para esta região – e povos autóctones como os hunde e nyanga, com os mesmos métodos de genocídio praticados em Ruanda. Isso foi feito com o apoio de elementos do exército de Mobutu. A região transformou-se, também, em uma base para a luta armada contra o novo governo do Burundi.

Os dirigentes do antigo regime de Ruanda tentaram, a partir da gigantesca massa humana amontoada nos acampamentos à beira do lago Kivu, criar uma hutuland, como uma base para um contra-ataque ao novo governo ruandês. A ajuda humanitária européia e norte-americana dirigida aos refugiados acabou, neste quadro, servindo para reforçar o enquadramento dos campos de refugiados hutus pelos antigos governantes de Ruanda.

As autoridades européias, sob a batuta francesa, passaram dois anos pressionando o novo governo de Kigali a negociar com o regime anterior, argumentando que ele representaria a população hutu, afirmação rejeitada pelas lideranças hutus moderadas. O governo da Frente Patriótica Ruandesa iniciou, em 1995 e 1996, a reconstrução do país apaziguando os conflitos étnicos – o novo presidente e o novo primeiro-ministro são hutus. Estabeleceu também um novo sistema judiciário, acompanhado por observadores internacionais, para punir os responsáveis pelo genocídio. Mas a guerra prosseguiu contra os executores do genocídio instalados principalmente no Zaire. Aí, os massacres de tutsis banyarwandas, cidadãos zairenses abandonados por seu governo, provocou uma ampla mobilização dos tutsis do Zaire, em Ruanda e no Burundi, apoiados por outros grupos étnicos da região de Kivu também atacados pelas milícias interahamwe.

A Aliança das Forças Democráticas para a Libertação do Congo-Zaire (AFDL) foi formalmente estabelecida em 18 de outubro de 1996, no auge do conflito nos grandes lagos, abarcando o Partido Revolucionário do Povo, de Kabila; a Aliança Democrática dos Povos, de Déogratias Bugera, um tutsi de Kivu; o Movimento Revolucionário para a Libertação do Zaire, de Masavu Ningaba, um bashi, uma das principais etnias de Kivu-Sul; e o Conselho Regional de Resistência pela Democracia, de Kisasse Ngandu. Kabila não tinha, então, tropas mas tinha atrás de si uma longa história de oposição ao mobutismo, originaria do combate travado nos anos 60 pelos seguidores de Patrice Lumumba.

A guerra que eclodiu em Kivu-Sul em outubro de 1996 expôs todas as contradições que vinham minando o Estado zairense depois de décadas de ditadura de Mobutu e corrupção generalizada. E catalisou uma vasta coalizão de forças políticas e principalmente militares em toda a região.

Num primeiro momento, ainda em 1996, o confronto opôs as milícias hutus aos tutsis e os grupos da Aliança apoiados por tropas dos exércitos de Uganda, Ruanda e Burundi. Foram estas forças que tomaram Goma e Bukavu. A França tentou articular, sob a cobertura de uma operação de “ajuda humanitária”, um apoio às forças do regime Habyarimana que controlavam os campos de refugiados, mas antes que esta iniciativa se efetivasse, elas foram rapidamente derrotadas e tiveram que fugir para o interior do Zaire. Cerca de 700 mil refugiados hutus, que estavam nos campos de refugiados mas não tinham compromissos com o antigo regime, decidiram voltar a Ruanda tão logo ficaram livres dos milicianos que os ameaçavam. Percorreram o caminho de volta sem retaliações por parte das forças da FPR. Deixava de existir o pretexto da intervenção “humanitária” na região – que beneficiaria somente os dirigentes do genocídio ruandês. Cerca de 150 mil hutus, ligados ao antigo regime, continuaram a combater as forças da AFDL, mas já em retirada junto com as tropas de Mobutu. Neste ponto, o envolvimento direto dos exércitos de outros países nos combates reduziu-se significativamente e a luta passou a ser travada entre forças zairenses. O leste do Zaire tornou-se, em dezembro de 1996, uma região libertada, sob o domínio da AFDL.

A queda de Mobutu

Todos os analistas têm enfatizado como aspecto central da vitória militar da Aliança a desagregação do Estado zairense, cujo funcionamento cotidiano estava totalmente minado pela corrupção e apropriado pelas diferentes clientelas ligadas ao regime. O país tinha se transformado em uma somatória de regiões relativamente independentes.

Do ponto de vista militar, o exército de Mobutu não se encontrava em melhor situação que o restante do aparelho de Estado. Mal pago, com os salários atrasados há meses, sem combustível para os aviões, ele fugiu sem lutar em quase todas as ocasiões e se dedicou mais a saquear as cidades que abandonava. Nas vezes em que lutou foi fragorosamente derrotado. Apenas as tropas presidenciais, que não se envolveram nos combates no leste do país, tinham condições plenas de combate.

Em sua marcha pelo Zaire, consolidando o controle do leste e do sul do país antes de se dirigir para a capital, as forças da Aliança catalisavam a revolta contra Mobutu e seu regime e as aspirações democráticas do país.

Os Estados Unidos e os grupos capitalistas na África do Sul (que cobiçam particularmente as minas da província de Shaba) souberam desmontar as iniciativas francesas de socorro a Mobutu e se posicionar na nova situação. Kabila rapidamente assinou com eles os acordos para manter em funcionamento o setor mineiro. Os Estados Unidos e a África do Sul preparam-se, assim, para jogar um papel importante no próximo período, no Congo e no conjunto da região. Mas a Aliança de Kabila não pode ser considerada, segundo as informações disponíveis, um joguete dos Estados Unidos conforme tem afirmado a imprensa francesa.

O futuro

Neste período, o conjunto das forças de esquerda na região foram alterando suas perspectivas. A ideologia predominante entre estes setores é hoje a de um africanismo pragmático associado a um projeto de desenvolvimento de corte mais social. Os governos progressistas da região sofrem, de outro lado, a pressão do FMI-BM e dos Estados Unidos.

Na guerra contra o clã Habyarimana e contra Mobutu, dois episódios pesam contra aqueles que agora governam o Congo. De um lado, há denúncias de que tropas da AFDL teriam massacrado grupos ligados ao antigo regime ruandês que se internaram nas florestas do Zaire. De outro, André Kisasse Ngandu foi assassinado numa emboscada em janeiro de 1997. Os lumumbistas acusam Kabila de ser o responsável pela eliminação de seu principal rival na liderança da AFDL, aquele que aparecia como um “zairense autêntico” contra Kabila, que tem sua imagem muito vinculada aos governos de Uganda e Ruanda.

A dinâmica política e social do Congo é, porém, o grande desafio colocado para o governo de Kabila. O Congo de hoje não é o mesmo país dos anos 60. A sociedade congolesa conheceu, na década de 90, uma relativa democratização, principalmente na capital e nas grandes cidades. E as principais forças que dirigem hoje o país, a começar por Kabila, não participaram desta luta democrática contra Mobutu, cuja principal expressão é Tshisekedi. Nela, formulou-se, sob inspiração das comunidades cristãs, um projeto nacional e não-étnico para o Congo, que não pode ser ignorado por qualquer governo progressista. De outro lado, as tensões regionais continuam existindo e se manifestam por exemplo na oposição latente entre katanguenses, que se apresentam como os “filhos do país”, e os tutsis, qualificados como estrangeiros (mesmo quando são congoleses).

Kabila terá, para estabilizar o Congo, que ampliar sua base de sustentação. Há planos de convocação de uma Assembléia Constituinte para junho de 1998. O futuro permanece aberto, mas o Congo-Zaire e a região como um todo têm agora uma chance de superar os morticínios que tinham suas raízes na manutenção de regimes títeres das metrópoles européias e iniciar a luta pelo desenvolvimento econômico e social de seus povos.

José Corrêa Leite é editor do jornal Em Tempo.