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A Telebrás está na pauta de privatizações do governo federal nesse ano. Trabalhadores apresentam alternativa

Ao longo dos últimos anos uma nova regulamentação para as telecomunicações vem sendo adotada no Brasil. A principal justificativa política para sua implantação é a mudança de configuração do setor em todo o mundo. Os trabalhadores em telecomunicações, representados pela Fittel (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações), aceitaram o debate. Para tanto, decidiram trabalhar com os argumentos em voga, verdadeiros ou não: a tecnologia e a reorganização do capital internacional tornaram inviáveis os monopólios de prestação de serviços no setor; para se manter tecnologicamente atualizado e vendendo serviços a preços acessíveis, o setor deve estar exposto à concorrência.

Entretanto, os trabalhadores em telecomunicações têm uma forma própria de pensar o ingresso do Brasil neste novo cenário de mais uma revolução industrial, a da sociedade da informação. O único tipo de inserção internacional que nos interessa é a que assegure ao país uma posição de independência e, principalmente, que antes de ser uma atividade econômica rentável e um setor tecnológico de ponta, a área de telecomunicações seja encarada como infra-estrutura básica para o desenvolvimento nacional, tanto como elemento ativador da economia quanto como instrumento de democratização do acesso à informação.

É nesse sentido que os trabalhadores vêm apresentando um conjunto de proposições para o setor, que vai desde a elaboração de um projeto de lei e emendas apresentadas por deputados da oposição até a discussão com a sociedade organizada de um projeto alternativo ao do governo, denominado Brasil Telecom. O entendimento geral é de que a organização dos serviços de telecomunicações é tão vital ao país que deve ser negociada com toda a sociedade brasileira e que sua discussão não fique restrita apenas ao Poder Legislativo ou à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), caracterizados pela submissão ao Executivo que, de resto, reedita práticas autoritárias e dificulta o aprofundamento do debate sobre o tema.

Nos poucos espaços em que ocorre o debate sobre a reorganização do setor no Brasil, tem-se como referência a crescente internacionalização do setor de telecomunicações. O conhecimento dos acontecimentos e tendências verificados nos diversos países e em suas empresas de telecomunicações serve como instrumento para compreendermos o que acontece no contexto nacional. Seguindo a tendência neoliberal, que acena para a privatização de empresas estatais que atuam em setores estratégicos da economia, o governo brasileiro vem insistindo, desde 1995, na direção de fragmentar e privatizar todo o Sistema Telebrás (STB). Em meados do ano passado, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, permitindo a fixação, por parte do Ministério das Comunicações, de um cronograma de privatização do STB, anunciada para meados deste ano.

A Lei Geral de Telecomunicações está marcada por uma série de incoerências e, em alguns pontos, é contraditória em relação à Constituição. A LGT é composta por 216 artigos divididos em quatro livros: princípios fundamentais; órgão regulador e políticas setoriais; organização dos serviços de telecomunicações; reestruturação e desestatização das empresas federais de telecomunicações. O primeiro livro deixa ao Estado apenas a função de organizar e regular o setor. O segundo trata da criação do órgão regulador do setor (Anatel), de maneira que este seja totalmente controlado pelo Poder Executivo. Em sua terceira parte, a lei versa sobre a universalização dos serviços, mas não força a iniciativa privada do setor a cumprir obrigações que garantam realmente o acesso da população à informação e aos serviços de telecomunicações de uma maneira geral, principalmente em áreas não lucrativas (regiões com baixa concentração populacional e distantes). Nessas regiões, segundo a Lei, os recursos necessários viriam do orçamento público (atualmente, para a universalização não é utilizado dinheiro do Tesouro Nacional, pois o Sistema Telebrás tem fonte de receitas próprias). Finalmente, no livro 4 é permitida ao governo a completa privatização da Telebrás, possibilitando ainda a fragmentação do sistema antes da venda.

Experiências internacionais

Em todo o mundo, a organização do setor de telecomunicações é diferenciada. Nos Estados Unidos, por exemplo, o modelo é caracterizado pela existência de grandes operadoras privadas (como a AT&T). Já em países europeus, como Alemanha, França e Espanha, seus governos optaram, primeiramente, por manter a participação acionária nas empresas, que se constituíram em operadoras nacionais públicas únicas. O mesmo modelo europeu foi adotado no Japão e nos “tigres asiáticos”.

O governo FHC assumiu a prática de privatização do setor de telecomunicações brasileiro seguindo o modelo norte-americano (divisão e privatização total do setor), sendo que, mesmo nos EUA, já existe uma tendência a grandes fusões e incorporações, caminhando para uma reconcentração do setor em poucas megaempresas.

A atual política internacional para o setor de telecomunicações está, em parte, voltada para a colocação em prática de um amplo acordo da Organização Mundial do Comércio, determinando que os 69 países que controlam cerca de 95% do comércio mundial de telecomunicações abram seus mercados à concorrência. No entanto, parte das quinze nações da União Européia ainda mantém suas operadoras nacionais fortalecidas e reguladas. França, Itália e Alemanha, por exemplo, abriram seus mercados sem abrir mão de suas operadoras nacionais, mantendo-as como agentes do desenvolvimento industrial e social.

Algo parecido ocorre nos Estados Unidos, onde o órgão regulador do setor, a Comissão Federal das Comunicações (FCC), concedeu às empresas estrangeiras maior acesso ao mercado americano, mas na prática vem vetando a entrada de novos concorrentes, o que está sendo bastante criticado pela Comunidade Européia. Acontece que no setor de telecomunicações há um acirrado jogo de interesses, no qual o objetivo é viabilizar a poucos provedores o domínio do mercado mundial, oligopolizando cada vez mais o setor. Empresas pequenas e fracas não terão espaço.

A Alemanha quebrou o monopólio da Deustche Telekom AG em 1995, mas desenvolveu anteriormente toda uma política de fortalecimento de sua operadora nacional para enfrentar a concorrência em igualdade de condições, resguardando os interesses nacionais. A Telefonica de España, em uma nítida estratégia do governo espanhol, passou a adquirir participação em empresas de outros países, como Porto Rico, Venezuela, Colômbia, Peru, Chile e Argentina. No Brasil, adquiriu os 35% das ações da CRT (Companhia Riograndense de Telecomunicações), colocados à venda pelo governo gaúcho. A França adota a mesma política para o setor, fazendo a France Telecom internacionalmente competitiva (com o Estado detendo o controle acionário). Na América Latina, a empresa de telecomunicações estatal francesa atua nos mercados argentino e mexicano.

Quando é dito que vários países desenvolvidos já abriram seu mercado de telecomunicações à concorrência e que alguns deles até privatizaram suas telefônicas, é fundamental que seja explicitado que isso ocorreu após o completo atendimento da demanda social por serviços de telecomunicações. Além disso, os países não abriram mão de sua operadora nacional. Mesmo nos casos em que são privadas, exige-se que elas arquem com obrigações de cunho social por meio de legislações e de forte fiscalização por parte dos órgãos reguladores.

As telecomunicações no Brasil

A Telebrás foi criada em 1972. Antes existiam mais de mil empresas privadas de telecomunicações operando. Um serviço precário, sem padronização, em que uma empresa não conseguia falar com a outra. O sistema foi estatizado e saímos de menos de 1 milhão de acessos telefônicos para chegarmos, ao final de 1997, com 19 milhões de terminais fixos instalados. Iniciamos os serviços de telefonia celular em 1994 e já chegamos a 4 milhões, mais do que existe na França (que tem a France Telecom, a quinta maior operadora mundial).

Crescemos em cima de uma mudança tecnológica: temos mais de 70% da rede de telecomunicações digitalizada, ao contrário de muitos países industrializados (onde não chega a 30% da rede instalada). Desenvolvemos uma rede de telecomunicações que atende todos os municípios brasileiros e mais de 22.800 localidades. Costuma-se dizer, “onde tem Brasil, tem Telebrás!!”. Não importou se o município iria gerar receita ou não. As telecomunicações teriam de ser oferecidas em todos os locais onde houvesse um agrupamento de brasileiros. Ao lado de outros direitos de cidadania, como o da saúde, da educação, do transporte, o direito de acesso aos meios de informação.

Isso só foi possível com um sistema integrado, fazendo o subsídio cruzado: os serviços lucrativos (telefonia celular, grandes centros urbanos, comunicações de dados e outros serviços agregados) subsidiavam os deficitários. Assim, todos os municípios brasileiros foram atendidos, sendo que 95% deles não geravam receitas suficientes para pagar o serviço disponibilizado.

Todo este fabuloso crescimento foi realizado com recursos próprios. Em nenhum momento a Telebrás teve aporte de dinheiro do Estado. Ao adquirir uma linha telefônica, o usuário comprava ações da empresa e tinha o serviço telefônico disponibilizado. Um serviço que era quase gratuito (em 1994 pagava-se uma mensalidade de R$ 0,61 por até 90 ligações).

Teria sido possível crescer ainda mais. Durante toda a década de 80 o Sistema Telebrás foi um dos setores mais atingidos com políticas governamentais. De suas receitas, os sucessivos governos “desviaram” recursos para aplicar em outras áreas. Além disso, para controlar a inflação, as tarifas ficaram irrisórias (a mais baixa do mundo). Tarifou-se os serviços de telecomunicações em 35%, o maior do mundo. Mesmo com todo esse ataque, a Telebrás nunca deixou de crescer, de cumprir seu papel social e de dar lucros.

Em 1997, a Telebrás teve uma receita operacional superior a R$ 20 bilhões e um lucro de R$ 4,3 bilhões. Investiu com recursos próprios R$ 7 bilhões e contribuiu para os cofres do governo com mais de R$ 2 bilhões. Nos quatro últimos anos, a Telebrás investiu mais que o PIB do Uruguai. É a maior empresa brasileira e atua em um setor que só cresce e inova. Mundialmente, está entre as dezenove maiores operadoras.

As operações de telecomunicações realizadas pelas empresas do Sistema Telebrás também geraram em nosso país um parque industrial respeitável. Mais de 30% da planta digital do sistema usa tecnologia brasileira, desencadeando um ciclo produtivo de milhares de empregos. Como o setor é altamente tecnológico, os empregos gerados são nobres e todos os países industrializados buscam atrair trabalhadores brasileiros. O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás – CPqD –, único centro de pesquisas em telecomunicações do hemisfério sul do planeta e um dos seis centros de excelência do setor no mundo, transferiu para a indústria mais de cem produtos, alcançou 246 patentes (onze no exterior) e trabalhou em parceria com mais de noventa empresas.

Entre os produtos mais populares estão o cartão telefônico indutivo (único no mundo), a central telefônica de grande porte digital Trópico-RA e a fibra ótica. Esses equipamentos estão sendo produzidos por indústrias, gerando uma economia de milhões de reais por ano para o país. A Telebrás fechou um acordo com o governo chinês, fazendo uma joint-venture com uma empresa daquele país para produzir o cartão telefônico na China. A Furukawa, uma multinacional japonesa líder em produção de cabos elétricos, produz a fibra ótica para o mundo com tecnologia brasileira, sob licença da Telebrás.

A proposta dos trabalhadores

Diante da crescente demanda por mais e melhores serviços de telecomunicações e a fim de fomentar o desenvolvimento tecnológico e industrial do setor, torna-se necessário reestruturar o Sistema Telebrás. Diante da tendência internacional de reorganização do setor, mas como alternativa ao projeto governamental de entrega do Sistema Telebrás ao capital estrangeiro, surge a proposta da Brasil Telecom, que foi apresentada pelos trabalhadores, em outubro de 1996, no plenário da Câmara Federal, e que prevê a fusão de todas as empresas que hoje formam o STB em uma operadora nacional.

A Brasil Telecom defende cinco premissas básicas: a) criação de um operador nacional público, batizado de Brasil Telecom; b) criação de um órgão regulador dos serviços autônomo em relação ao Poder Executivo; c) elaboração de mecanismos que assegurem a universalização dos serviços de telecomunicações essenciais ao desenvolvimento nacional; d) garantia de real concorrência no setor; e) fomento de um parque industrial nacional com geração de centenas de milhares de empregos (empregos nobres, buscados e protegidos pelos países tecnologicamente industrializados).

O projeto da Brasil Telecom procura atender objetivos essenciais de políticas públicas por intermédio da regulamentação da rentável atividade de telecomunicações. A Brasil Telecom propiciará uma inserção ativa do Brasil no negócio internacional de telecomunicações, assegurando que o funcionamento das atividades do setor não será dominado por interesses privados dos grupos que momentaneamente ocupam o poder, garantindo o desenvolvimento e domínio da informação e da tecnologia. O projeto dos trabalhadores leva à população brasileira o direito de contar com telecomunicações como infra-estrutura econômica e pleno acesso à informação, via financiamento daqueles que lucram com telecomunicações.

A proposta da Brasil Telecom não é incompatível com a abertura do mercado brasileiro à concorrência e nem com a Lei Geral de Telecomunicações (o texto da LGT permite uma reestruturação do Sistema Telebrás nos moldes da proposta da Brasil Telecom). Ela tem o objetivo de evitar a fragmentação e a venda do Sistema Telebrás, propiciando condições reais para que o Brasil tenha sua grande operadora e possa competir no setor com as grandes operadoras internacionais.

A defesa de uma empresa como a Brasil Telecom tem sua sustentação na característica de fornecimento de infra-estrutura, por parte do setor de telecomunicações, aos outros setores da economia e no princípio de universalização – o direito de acesso de todo e qualquer cidadão aos meios de comunicação e à informação. Além disso, na era em que o domínio da informação e da tecnologia são pressupostos para a sobrevivência e o desenvolvimento de qualquer nação, o que acontecerá a um país que entregue totalmente seu mercado de telecomunicações à exploração privada?

A privatização, como proposta pelo governo, é vista pelos trabalhadores como um acúmulo de poder do capital privado e redução das obrigações do Estado como provedor de acesso da população aos serviços de telecomunicações, além de uma ameaça ao desenvolvimento do país e à democracia. A proposta da Brasil Telecom é baseada em uma forma de organização da Telebrás de maneira que o Estado detenha um percentual significativo de ações, mas permanecendo o caráter de empresa aberta, sob controle público. A Brasil Telecom surge da reestruturação e fusão das empresas do Sistema Telebrás em um operador nacional público. É fundamental, também, que as ações do Sistema Telebrás continuem pulverizadas no mercado acionário e que haja uma limitação ao número de ações em posse de um único investidor. Para alcançar os objetivos de empresa nacional pública e competitiva, no Brasil e no exterior, a Brasil Telecom deve ter gestão profissional, compartilhada entre o governo, os trabalhadores e os demais acionistas (empresa de capital compartilhado). Enfim, uma gestão democrática, além de autonomia gerencial e financeira que lhe garanta condições de competição.

Ao contrário do que é percebido na leitura da Lei Geral de Telecomunicações, a Brasil Telecom assume o compromisso de promover investimentos orientados também para o atendimento das necessidades sociais do país, o que reafirma o papel estratégico do Estado. Com a Brasil Telecom teremos a possibilidade real de gerar tecnologia e desenvolvimento da indústria nacional. Ela é uma alternativa real e eficaz, que coloca o Brasil em condições de competir no jogo internacional pelo domínio dos meios de comunicação.

Privatizar a Telebrás como o governo quer, significa nos tornarmos um grande exportador de empregos nobres e voltarmos aos anos 60, quando no setor imperava uma verdadeira ganância pelos lucros com dezenas de empresas privadas e quando ninguém falava com ninguém, constituindo uma verdadeira “Torre de Babel”.

Antonio Albuquerque é engenheiro de telecomunicações e presidente do SinTPq - Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia – SP

Enylson Camolesi é engenheiro de telecomunicações e diretor de Imprensa do SinTPq