Economia

Embora sejam as decisões da área econômica do governo as causadoras do desemprego, devem ser incrementadas políticas que aliviem a situação do desempregado e criem condições para sua reinserção no mercado. O Codefat está à frente da articulação que almeja ampliar e transformar as políticas executadas com recursos do FAT

Há anos o desemprego, neste país, transformou-se de problema conjuntural, decorrente das flutuações "normais" da economia, em questão estrutural, associada às profundas alterações que vêm ocorrendo em nosso modelo econômico. No entanto, somente há poucos meses o governo federal passou a reconhecer essa realidade, visível em todos os indicadores e, para aqueles que desconfiam dos indicadores, nas ruas de nossas cidades.

Ainda assim, o governo insiste em lançar mão de um diagnóstico fácil, com o qual ele termina por se eximir de responsabilidades maiores frente a essa candente questão social. Dizem as autoridades, de um lado, que o desemprego atual é fruto de uma política emergencial adotada para proteger o Real da ameaça  proveniente da crise dos mercados internacionais deflagrada no Sudeste asiático. Seria, portanto, uma situação transitória: o preço a pagar pelo bem maior da estabilidade. Uma vez ultrapassada esta crise, segundo essa explicação, o desemprego retornaria a níveis "aceitáveis".

De outro lado, as autoridades afirmam também que o desemprego "normal" é um fenômeno mundial, fruto dos imperativos da globalização e da modernização tecnológica. Assim, ele seria minorado à medida que a consolidação da estabilidade propiciasse aumento da competitividade brasileira e retomássemos a rota virtuosa do crescimento sustentado. Enquanto isso, a alternativa residiria no aprimoramento das políticas compensatórias já em curso, todas financiadas com recursos do FAT: as políticas de qualificação profissional e o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger). Na visão do governo, a outra via necessária para atacar o problema seria a flexibilização das relações de trabalho: nessa linha, o contrato temporário de trabalho seria elemento importante de redução dos custos de contratação, contribuindo para aumentar a competitividade e, mais à frente, reduzir o desemprego.

Quando se fala em modernização das relações de trabalho, a ênfase tem sido colocada principalmente sobre as regras de contratação. Há consenso entre quase todos os atores sociais que a busca da competitividade internacional é um objetivo compartilhado pela sociedade. As divergências, contudo, surgem no momento em que se começa a pensar concretamente no que precisa ser feito para aumentar a competitividade. Do nosso ponto de vista, a inserção competitiva nos mercados globalizados não deve ser vista como um bem em si, ao qual devem se subordinar todas as políticas. Na verdade, o incremento da competitividade nacional deve ser visto como um meio, como um veículo fundamental para conduzir à melhoria das condições de vida da maior parte da nossa população.

Um aspecto importante a ser destacado, e que deve figurar como marco da discussão, é o fato de que, para além de seus aspectos sociais, o tema da modernização competitiva requer considerar, como o fazem todos os países ditos desenvolvidos, que o desenvolvimento econômico e social da nação não pode ser deixado de lado. Ou seja, a inserção no ambiente econômico mundial globalizado deve ser vista como um instrumento, não só para alavancar o incremento do desenvolvimento social, mas também preservando a soberania nacional, sem nos curvarmos, acriticamente, ao que se supõe serem as demandas inelutáveis e impessoais dos mercados.

Em outras palavras, modernização também deve ser entendida como sinônimo de democratização. E foi exatamente abrigada sob essa bandeira, hoje compartilhada por diversos outros atores, que nasceu a Central Única dos Trabalhadores. Liberdade, autonomia e democracia sindicais são objetivos que a guiam há muito tempo, e é isso que deve nortear a discussão sobre modernização trabalhista. Garantidos esses pressupostos, que incluem, entre outras coisas, a garantia da organização livre por local de trabalho, os diversos temas típicos das negociações trabalhistas podem ser colocados nas pautas dos trabalhadores e empresários, sem constrangimento imposto atualmente pela intervenção governamental. A discussão sobre flexibilização, custos e regras de contratação, nesse ambiente democrático, se daria outras bases.

Mas nem sempre é essa a visão que prevalece. A maior parte das vezes em que esse debate é apresentado, seu ponto de partida é a visão de que o aumento da competitividade é um fim em si mesmo. Modernização trabalhista, nesse caso, é vista como sinônimo de flexibilização das regras de contratação, visando a redução de custos empresariais com seus trabalhadores. É por isso que essa discussão acaba se restringindo a uma polêmica em torno do custo do trabalho, na qual cada debatedor apresenta dados aparentemente conflitantes, uns afirmando que o custo de trabalho no Brasil é muito elevado, exorbitante, e outros demonstrando que ele é muito reduzido. Na verdade, tanto empresários quanto trabalhadores gostariam que os salários fossem menos tributados, pois o mais justo socialmente é a tributação direta da renda e da riqueza.

Trata-se, portanto, de uma falsa polêmica, mas que ganha o primeiro plano quando o ambiente econômico impõe tantos constrangimentos ao crescimento sustentado e à ampliação da agenda social, que resta aos atores não-governamentais uma disputa acesa sobre um tema relevante, mas secundário.  O fundamental é avançar na discussão das condições para o desenvolvimento econômico e social do país, única base saudável e democrática sobre a qual se deve erigir a competitividade.

A visão governamental, amparada no suposto consenso neoliberal, conduz à inação. É como, prostrado frente aos desígnios inexoráveis da realidade, dizer: "a culpa não é minha, é preciso compreender a realidade mundial, cujos contornos fogem à nossa esfera de competência, e aguardar o advento de temos melhores, quando todos terão emprego."

Embora caricaturada, é essa perspectiva que hoje vem determinando a linha central  de atuação das políticas públicas para enfrentar o desemprego. Os recursos públicos são reservados para pagamento dos juros elevados que o Banco Central oferece aos credores do governo, internos e externos. São juros exorbitantes, mesmo antes da crise asiática, e esses gastos esgotam o orçamento e impedem que os gastos sociais possam ser incrementados. Resta, assim, conformarmo-nos com o que aí está.

Mas esse ponto de vista, cada vez mais, e hoje mais do que nunca, vem encontrando pouco respaldo na sociedade. E não só no movimento sindical. Também os governos estaduais e municipais, mesmo os da base governista, vêm manifestando inconformismo com o atual estado das coisas e com a timidez das iniciativas emanadas de Brasília.

Fazendo coro com essas vozes, encontra-se também o Conselho Deliberativo do FAT (Codefat), ator que é hoje cada vez mais reconhecido por sua postura democrática e pela aposta no social. Organismo tripartite e paritário, que busca sempre a descentralização das políticas públicas do emprego por intermédio do fortalecimento das competências e da atuação das comissões estaduais e municipais de emprego, também tripartites e paritárias, o Codefat está à frente da articulação que almeja ampliar e transformar as políticas e os programas executados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Embora sejam as decisões do Banco Central e da área econômica do governo, como os juros abusivos, aquelas que vêm provocando aumento do desemprego e das mazelas sociais, as políticas compensatórias, especialmente o Proteger e o Plano de Formação Profissional (Planfor), devem ser incrementadas de forma a propiciar alívio ao desempregado e, simultaneamente, criar para ele alternativas de inserção no mercado, seja como empregador, seja como profissional mais bem capacitado a exercer as funções predominantes no mercado  de trabalho.

Evidentemente, não se trata apenas de aumentar os recursos disponíveis para essas atividades. Há que se trabalhar para que o desenho desses programas seja alterado, retirando os gargalos que hoje os obstaculizam. No que toca ao Proger, a demanda fundamental é a criação de um fundo de aval, que reduza os riscos dos agentes financeiros e propulsione o programa. Até agora, o governo vem se mostrando incapaz de fazer com que o seu principal agente financeiro, o Banco do Brasil, encampe essa atividade como prioritária, demonstrando que sua vocação social ficou para trás. No caso do Planfor, a intenção é torná-lo mais afinado com as demandas dos diversos estados e municípios e com o perfil dos desempregados, proporcionando a eles melhores condições para disputar o que deveria ser visto como um direito seu: um novo emprego.

Mas é fundamental também aumentar os recursos. A meta é chegar a um dispêndio anual de R$ 1 bilhão para a área de formação e requalificação profissional e a um fundo R$ 10 bilhões para o Proger. Paralelamente, é preciso sensibilizar o principal agente financeiro que opera com recursos do FAT, o BNDES, para que incremente suas ainda incipientes linhas de financiamento  para médias, micro e pequenas empresas e também para o crédito popular.

A parceria do Codefat com o BNDES também produziu o Proemprego, que completa dois anos. O Proemprego talvez se constitua, atualmente, no principal programa, desde o II PND, voltado para o financiamento de infra-estrutura brasileira. E principal em diversos aspectos, ressaltando-se o volume de recursos disponíveis para as linhas de financiamento (da ordem de R$ 9 bilhões) e a preocupação com a articulação de blocos estratégicos de investimento, voltados tanto para a área pública quanto para a privada. Suas linhas estão focadas em cinco áreas: transporte coletivo de massa, infra-estrutura para melhoria de competitividade, saneamento ambiental, infra-estrutura turística e revitalização de subsetores industriais. Todos estes são setores cruciais, não apenas por seu impacto direto sobre as condições de vida da população (e, nessa medida, para a competitividade do país), mas também por sua notória capacidade de geração de empregos.

É fundamental que este programa, assim como outros com esse formato e foco, prossiga e seja ampliado, em escopo e volume de recursos. Em conjunto com o Proger, o Planfor e todo o sistema de intermediação, o Proemprego se constitui em mais uma iniciativa do Codefat e dos agentes financeiros do FAT para enfrentar, com políticas ativas, o problema do desemprego. Competitividade e modernização, nesses termos, alcançam uma dimensão maior, cujo centro está na questão social, mas também na questão democrática.

Essas medidas, tantos as que visam reestruturar os programas em curso quanto aquelas que almejam ampliar os recursos para eles disponíveis, necessitam de amplo apoio da sociedade. Foi com este intento que o Codefat determinou a organização pelo país das comissões municipais e estaduais. Além  de instrumentos democratizantes, são organismos que unem a sociedade local e estadual de forma a organizar suas demandas e apresentá-las, com ressonância, às esferas competentes. Só assim, de forma democrática e descentralizada, as políticas de emprego ganharão corpo e voz próprios. Elas se tornarão, cada vez mais, independentes das veleidades partidárias e ideológicas, consubstanciando-se de forma permanente como reclamos da sociedade. É essa a aposta principal.

O que é o FAT

O FAT é um fundo contábil de natureza financeira, segundo a lei que o instituiu, destinado a custear o programa do seguro-desemprego e o pagamento do abono salarial (14º salário para os trabalhadores de baixa renda) e ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico, estes últimos através do BNDES.

Para gerir os programas e os recursos do FAT, foi construído o Conselho Deliberativo do FAT (Codefat), órgão composto de forma tripartite e paritária, com nove membros, sendo três indicados por centrais sindicais de trabalhadores (CUT, Força Sindical e CGT-Confederação) três por confederações patronais (CNI, CNC e CNF) e três representantes do governo federal (Ministérios do Trabalho, da Previdência e do BNDES). Trata-se, portanto, de um organismo moldado conforme as prescrições da Convenção 88 da OIT e que introduz, no âmbito da s políticas públicas, voltadas para o mundo do trabalho, um aspecto novo (entre nós) e democratizante.

Sua fonte básica de recursos são as contribuições do PIS e do Pasep, recolhidas pelos empregadores à alíquota de 0,65% sobre o faturamento bruto das empresas. Para que se tenha uma idéia dos valores envolvidos, o fluxo de recursos do PIS/Pasep alcançou, em 1997, cerca de de R$ 7,3 bilhões.

Inicialmente, a totalidade desses recursos era canalizada para o FAT. No entanto, após a instituição, em 1994, do Fundo Social de Emergência - e seu sucedâneo, o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) -, cerca de 25% da arrecadação do PIS/Pasep passou ficar a ser retida no Tesouro Nacional, com destinação livre.

Portanto, em 1997 a parcela efetivamente destinada ao FAT foi de apenas R$5,4 bilhões. Mas o repasse final foi ainda menor: R$ 4,8 bilhões (ou 2/3 da arrecadação total do PIS/Pasep), tendo ocorrido uma retenção adicional pelo Tesouro (apoiada em medida provisória), novamente visando utilizar recursos da área social para a administração do caixa de governo federal. Desses R$ 4,8 bilhões, uma parcela de R$ 1,8 bilhões foi carreada para o BNDES, a partir de determinação constitucional que impôs essa destinação para 40% dos recursos do FAT. Restaram assim, para o financiamento das políticas públicas do programa seguro-desemprego apenas R$ 3 bilhões - sendo que apenas o gasto direto com o pagamento desse benefício consumiu R$ 3,3 bilhões. Dessa forma, o FAT apresentou no ano passado, um déficit de R$ 1,6 bilhão.

Esse déficit necessitou ser coberto com outros recursos do FAT, derivados dos rendimentos financeiros referentes ao patrimônio que vem se acumulando desde sua criação. Esse patrimônio alcançava em dezembro passado, um montante da ordem de R$ 30,8 bilhões. Desse total, mais da metade (R$19,3 bilhões) representam recursos emprestados ao BNDES, de acordo com a determinação constitucional de que 40% do fluxo anual de ingressos do FAT sejam destinados a programas de desenvolvimento econômico promovidos por aquela instituição. Outros R$ 2 bilhões estão em poder do Banco do Brasil, por conta da intermediação dos empréstimos ao Inamps e ao Ministério da Saúde, ambos impostos ao FAT por medida provisória. Há também R$ 3,4 bilhões depositados  junto ao fundo extramercado do BB, que representam a reserva mínima de liquidez e recursos livres do FAT.

O restante do patrimônio, cerca de R$ 6 bilhões, referem-se a recursos do FAT disponibilizados para as diversas agências financeiras federais (BNDES, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Caixa Econômica Federal e Finep) e destinados às linhas de financiamento do Programa de Geração de Emprego e Renda - o Proger, no qual se inclui o próprio Proemprego.

Delúbio Soares de Castro é presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), órgão no qual é conselheiro representante da CUT, e secretário Sindical Nacional do PT.

Bernardo Gouthier Macedo é economista, representante da CUT no Grupo de Apoio Permanente - GAP/Codefat.