Nacional

Presidente FHC e seus aliados vão jogar pesado contra o avanço das esquerdas e da candidatura Lula

Pouco mais de 100 milhões de eleitores irão às urnas dia 4 de outubro para eleger o presidente da República, 27 senadores (1/3 do Senado), 513 deputados federais, 27 governadores e 1.045 deputados estaduais. Embora a conquista de postos executivos e legislativos estaduais e no Congresso Nacional seja importante na composição geral das forças políticas, a grande disputa será mesmo na escolha do futuro ocupante do Palácio do Planalto, num quadro que tende para o acirramento da polarização entre o atual presidente, Fernando Henrique Cardoso, com seu amplo arco de apoio cada dia mais à direita e, de outro, o candidato das oposições, Luiz Inácio Lula da Silva, com a aglutinação inédita – já no primeiro turno – dos principais partidos de esquerda.

Mesmo que outras candidaturas entrem em cena e tentem ocupar espaços nos extremos e no interior desse leque, como a do ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, que advoga uma articulação de centro-esquerda, dificilmente o processo eleitoral escapará da polarização FHC versus Lula.

Tudo indica também que, no fundo, o que estará em discussão no plano nacional será o aval à política neoliberal-globalizante do atual governo ou a escolha de um outro caminho para o país, que recoloque na ordem do dia questões relacionadas ao desenvolvimento nacional: a geração de empregos, a distribuição da renda, a ampliação e melhoria da escola pública, o direito à saúde e outros problemas da área social.

Está na esfera econômica o maior cabo eleitoral do governo FHC e também o seu ponto mais frágil. De um lado, FHC e seus propagandistas apostam na força carismática da estabilização da moeda e no fim da inflação, especialmente dos seus efeitos na distribuição e no aumento da renda (aquela história de que o Plano Real estimulou o consumo de frango, iogurte e o uso de dentadura), repetindo a ladainha de 1994. Tema recolocado com força em toda a mídia por ocasião da comemoração do quarto ano do Real, em 1º de julho.

O desgaste do governo
De outro lado, está claro agora que a política neoliberal abriu exageradamente as fronteiras para as importações, atingiu duramente a indústria nacional, criou dependência com o capital especulativo internacional, elevou os juros internos a patamares sufocantes e causou desastres terríveis ao patrimônio nacional, com a explosão das falências e concordatas na indústria e no comércio, provocou a inadimplência generalizada (desde casa própria, carro, eletrodoméstico e até prestação do plano de saúde, de clube, da escola e do canal de TV a cabo) e bateu todos os recordes de desemprego.

O incrível nesse processo todo tem sido a falta de sensibilidade, a hipocrisia e a arrogância do governo Fernando Henrique Cardoso. Todos esses problemas foram se agravando ao longo de três anos, com dados oficiais à mostra, com pesquisas de várias fontes, com notícias na imprensa sobre cada situação. Durante todo esse tempo, o governo FHC simplesmente encontrou evasivas para justificar sua inoperância.

No caso do incêndio em Roraima, alertado pela ONU, o governo levou mais de cinco meses para atuar e, assim mesmo, só depois que a imprensa e governos de outros países insistiram na gravidade do problema. Matas se queimaram e populações nativas, de brancos e indígenas, tiveram sua sobrevivência agravada.

Relatórios do próprio governo previram, com meses de antecedência, o quadro de seca e fome no Nordeste, mas o Planalto só considerou o problema quando ocorreram os primeiros saques a depósitos de alimentos. Mais grave ainda é que, em 1997, o governo não chegou sequer a utilizar a maior parte da verba orçamentária destinada às obras contra a seca, o que contribuiu, seguramente, para ampliar os efeitos da estiagem sobre as populações nordestinas.

Com relação ao desemprego, primeiro o governo dizia que ele era setorial e sazonal, que em pouco tempo estaria superado. Depois insistiu que havia exagero nas pesquisas divulgadas e questionou os métodos de apuração. Chegou a considerar o assunto desemprego uma exploração demagógica e eleitoreira da oposição. E, finalmente, para fechar o círculo de distanciamento da realidade, conseguiu nomear um ministro do Trabalho que, em sua primeira declaração pública, afirmou que o desemprego não era tão sério assim e não passava de uma "tendência preocupante".

Então, o campo econômico, que tem sido o carro-chefe do governo FHC, já que a área social foi colocada num segundo plano ou totalmente abandonada, também tem servido para produzir os principais problemas para a reeleição. O raciocínio do cidadão-eleitor é simples: se em pouco mais de três anos a política do governo conseguiu piorar a situação econômica, agravar os problemas sociais, insistir nessa política é praticar suicídio, além de uma grande irresponsabilidade para com o futuro do povo brasileiro.

Parece que, agora, finalmente, parcelas significativas da população estão conseguindo juntar os pedaços desses problemas que estavam separados, desconectados, como se não tivessem nada a ver uns com os outros. Agora sim, parece que se consegue ter uma visão do conjunto e fica cada dia mais clara a relação do governo FHC com os problemas do país, a relação da política econômica neoliberal com o aumento do desemprego e da miséria, a relação das privatizações com a falta de ação do Estado em questões fundamentais, como a reforma agrária, a chacina de Eldorado do Carajás, o incêndio de Roraima, o desemprego, a seca e a fome no Nordeste.

A promessa do Primeiro Mundo
Na campanha de 94 e durante algum tempo no governo, FHC conseguiu, com um bom esquema de marketing e com o apoio dos meios de comunicação de massa, vender o sonho de que o Brasil estava muito próximo do Primeiro Mundo, que bastava fazer algumas reformas e alguns passes de mágica, vapt-vupt, o país estaria no mesmo nível da França, Suíça, Inglaterra.

Agora está claro que tudo não passou de uma doce ilusão do tucanato, já que o Brasil continua subdesenvolvido, tem a pior distribuição de renda do mundo, o menor salário mínimo entre os países do Mercosul, é fértil em doenças medievais como dengue, tuberculose e cólera, que foram extintas na maior parte dos países. O que é pior: o governo FHC não apenas deixou de aproximar o Brasil do mundo desenvolvido como ainda está fazendo o país amargar um quadro de sofrimento e humilhações sem precedentes, com verdadeiro retrocesso à condição de povo colonizado econômica e culturalmente.

Apesar do alastramento da crise econômica e social e do crescente desgaste do governo, o presidente Fernando Henrique Cardoso não parece admitir qualquer revisão mais profunda nem flexibilidade nos planos que traçou na área econômica. Tanto é que no final de maio, já com pesquisas indicando queda de popularidade, ele declarou, em entrevista para o jornal espanhol El Mundo, que o seu projeto "é fazer crescer a economia numa situação de globalização", sem se referir aos aumentos das desigualdades internamente e na relação entre países ricos e subdesenvolvidos.

A dependência externa atual, especialmente aos capitais especulativos, ultrapassa de longe a política econômica do ex-ministro Delfim Netto, durante a ditadura militar, que também produziu o "milagre" com a ajuda estrangeira, criando um endividamento que até hoje pesa na produção do povo brasileiro. Ultrapassa também o nível de dependência existente antes de 1930, na época em que a oligarquia do café vivia amarrada na Europa, e que conduziu o país ao desastre junto com o crack da bolsa de Nova York.

O aumento da dependência pode ser facilmente verificado pela inversão da balança comercial (mais importação do que exportação), pelo aumento recorde da remessa de lucros e dos pagamentos de patentes e royalties das empresas multinacionais e pelo aumento da dívida externa. Sem contar, do outro lado, o esvaziamento da pesquisa científica, o destroçamento dos projetos industriais nacionais e a completa desarticulação do desenvolvimento tecnológico, já que todo estímulo está voltado para a condição de usuário de tecnologia importada, e não de desenvolvimento de tecnologia própria e substituição da importação.

A política de atração de capitais especulativos internacionais, com juros altos, privilégios tributários e liberdade de trânsito, criou uma situação de vulnerabilidade do país extremamente delicada. Qualquer agitação no mercado internacional, como a crise mexicana (94/95), a do sudeste asiático (97) ou a da Rússia(98), mexe imediatamente com as bolsas de São Paulo e do Rio de Janeiro, geralmente provocando grandes prejuízos e queimando as reservas nacionais.

Embora a equipe econômica do governo insista que o Brasil não corre riscos de crises semelhantes, que a situação está sob controle, e mesmo que o presidente afirme que o país "não é a bola da vez", a sensação de vulnerabilidade tem base numa situação real, concreta, que é o modelo econômico neoliberal-globalizante, igualzinho ao adotado pelos países asiáticos em crise.

No começo de maio, depois de divulgar levantamento sobre a atividade industrial no primeiro trimestre do ano, que ficou negativa em 2,7% (em relação ao trimestre anterior), o Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (Ipea), órgão do governo, previu a recuperação da indústria nacional a partir de junho, com crescimento acentuado no segundo semestre. Da mesma forma, o ministro do Trabalho tem insistido que haverá queda do desemprego – que em abril atingiu 18% da população economicamente ativa.

As duas previsões estão baseadas principalmente na queda das taxas de juros no mercado interno, sem contar os efeitos normais da sazonalidade (a produção industrial e a atividade comercial são maiores no segundo semestre). As taxas de juros chegaram a 42% em novembro de 97, caíram para a faixa dos 30 no primeiro bimestre de 98 e, em maio, bateram em 22%, faixa semelhante às taxas cobradas antes da crise asiática e consideradas elevadas para o padrão mundial.

Como o desemprego é um componente decisivo no desgaste político do atual governo e um forte estimulante para o crescimento das oposições na campanha eleitoral, a grande dúvida é saber se essas e outras ações do governo FHC serão suficientes e conseguirão resultados positivos para a geração de empregos antes do primeiro turno, em 4 de outubro.

A experiência tem demonstrado que nem sempre o atual governo tem conseguido cumprir o que promete. Mais recentemente, os ministros do Planejamento e da Fazenda prometeram crescimento do PIB acima dos 4% ao ano, mas já se sabe agora que o PIB de 98 dificilmente ultrapassará 1,5%. Da mesma forma, há um ano e meio atrás, o ministro da Fazenda prometeu reverter o déficit na balança comercial, mas até hoje continua operando no vermelho. Vale lembrar também as promessas de campanha de FHC, em 94, ou quando prometeu, na posse, em janeiro de 95, dobrar o valor do salário mínimo até 1998, o que, em 1º de maio do corrente foi veementemente contestado pelo Dieese.

A força do coronelismo
Eleito em 94 numa aliança com os setores conservadores integrantes do PFL e do PTB, Fernando Henrique Cardoso conseguiu, em três anos, ampliar e consolidar bastante o leque de apoio, com a inclusão de setores significativos do PMDB e da direita contida no PPB. O acerto com Paulo Maluf, mesmo com todo o desconforto que causou ao tucanato paulista e principalmente ao governador Mário Covas, serviu de garantia para uma caminhada tranqüila rumo à reeleição.

Essa base de sustentação, que é ampla, forte e representa a maioria no Congresso, quase todos os governos estaduais, legislativos e executivos municipais, levou os estrategistas do Planalto a comemorar, pelo menos até o primeiro trimestre deste ano, a invencibilidade de FHC. Para eles, a campanha seria uma barbada, sem possibilidade de disputa e sem chance de segundo turno. A arrogância oficial, alimentada pela mídia ufanista, chegou a proclamar vitória esmagadora no primeiro turno como algo líquido e certo.

Por trás dessa imensa base política existe uma bem articulada aliança entre os setores mais atrasados do capitalismo, representados pelos coronéis e capos políticos do Centro-Oeste e do Norte-Nordeste e os setores mais avançados do empresariado nacional, concentrado no Sul-Sudeste e representado pela poderosa Fiesp de São Paulo.

O governo FHC tenta agradar sempre os dois setores, entregando aos mais avançados concessões públicas e estatais privatizadas, financiamentos do Proer e do BNDES, privilégios para exportação e atração de sócios estrangeiros; aos mais atrasados, os esquemas tradicionais de empreguismo, verbas orçamentárias, obras de atendimento político, assistencialismo e outros mecanismos que ajudam a perpetuar os currais eleitorais nos sertões do Brasil.

Através do fisiologismo no Congresso Nacional e dos métodos arcaicos de clientelismo, o governo FHC fortaleceu e até ressuscitou velhas oligarquias que estavam definhando, como a de ACM na Bahia, Freitas Neto no Piauí, Albano Franco em Sergipe, Iris Resende em Goiás, Siqueira Campos em Tocantins, sem contar a projeção dada a tristes figuras da ditadura militar – como Francelino Pereira, de Minas Gerais – e do vergonhoso governo Collor, como Renan Calheiros, das Alagoas, alçado à condição de ministro da Justiça.

Essa grande aliança da burguesia nacional conta, é óbvio, com a continuidade de participação do capital estrangeiro, que encontrou no atual governo um grande facilitador de negócios e lucros, e que aumentou significativamente sua inserção em vários setores industriais e financeiros nos últimos três anos. Por isso, os grandes grupos internacionais também têm forte interesse em preservar sua galinha dos ovos de ouro e não pretendem correr riscos com uma eventual mudança nos rumos da atual política econômica.

O papel da mídia
É sabido que o governo FHC dedica especial importância ao papel dos meios de comunicação na construção da imagem oficial, que o presidente dispõe de excelente aparato de pesquisas e que funciona orientado por equipes de marqueteiros e até consultores internacionais de propaganda.

O governo FHC tem contado, desde o seu início, com o apoio de grande parte do sistema de comunicações de massa do país, desde grandes empresas e conglomerados nacionais até pequenos controladores regionais e locais. Redes de TV e rádio, jornais e revistas, assessorias de imprensa e agências de propaganda – quase tudo virou chapa branca desde a posse, em 1995.

As razões desse apoio são perfeitamente explicáveis. Em primeiro lugar há, obviamente, grande identidade política e ideológica entre os proprietários dos meios de comunicação e o governo FHC, empolgados com o neoliberalismo globalizante e as perspectivas de bons negócios com as privatizações e com os investimentos estrangeiros.

O apoio cresceu e se consolidou principalmente depois que o PFL, PTB e outros setores da direita, como o PPB, ganharam mais espaço na máquina governamental e passaram a influir mais diretamente no rumo do Estado. Vale lembrar que boa parte da base do governo no Congresso Nacional é constituída de deputados e senadores donos de emissoras de rádio e de televisão.

O apoio desses grupos empresariais ao governo FHC se deve também às contrapartidas oferecidas, como a participação em nova onda de concessão de emissoras, participação no filão da telefonia e agora, participação na liquidação da Telebrás.

Pesa muito nesse apoio os gastos de publicidade do governo federal que, incluindo empresas estatais e órgãos da administração direta, é o maior anunciante do país. De 1996 para 1997, por exemplo, o governo federal aumentou em 65% seus gastos com publicidade (quase a metade destinada para a televisão), enquanto o crescimento total do setor foi de apenas 13,45%. Os 25 maiores anunciantes governamentais gastaram 466,7 milhões de reais em publicidade. Só o governo do estado de São Paulo, este ano, tem uma verba de 54 milhões de reais para publicidade.

FHC investiu também, desde o começo de seu governo, na atração dos chamados formadores de opinião, especialmente apresentadores de televisão, jornalistas influentes (muitas vezes com colunas distribuídas em vários jornais e revistas, espaço em rádio e TV), locutores de rádio, artistas, intelectuais e profissionais de várias áreas com boa assiduidade na mídia.

Muitos desses formadores aderiram incondicionalmente ao governo por afinidade política e garantia de emprego e espaço na mídia; outros foram cativados por meio de ações setoriais, ora conquistados pelo programa Comunidade Solidária, ora iludidos pelos planos bem-intencionados na Educação ou na Saúde; outros foram comprados mesmo através de esquemas dos mais variados tipos, desde aquisição superfaturada de serviços até mesmo o favorecimento em financiamentos dados por bancos oficiais.

Outro esquema violento colocado em ação foi a contratação pulverizada de pequenas assessorias para cuidar da imagem do governo, especialmente para colocar na mídia as belezas do programa Brasil em Ação. Esse esquema quase não chama a atenção porque é feito por intermédio de terceirização, de forma que muitos comunicadores trabalham para o governo sem que isso apareça de forma clara e transparente para o público.

Então, o processo eleitoral vai transcorrer sem que haja maior interesse dos meios de comunicação, principalmente a imprensa e demais setores do jornalismo, em proporcionar igualdade de tratamento para os candidatos ou uma cobertura mais equilibrada. Dificilmente as candidaturas de oposição, especialmente as da frente de esquerdas, conseguirão o mesmo espaço que será dado ao presidente FHC e seus aliados. A não ser nos poucos veículos que procuram preservar sua independência e apostam no próprio marketing.

O efeito inverso
O que pode favorecer um pouco no sentido do equilíbrio de tratamento, na mídia, é o descontentamento de alguns empresários da comunicação com a permissibilidade do capital estrangeiro na área. Ou seja, eles defenderam a entrada do capital estrangeiro em todos os setores da economia, mas agora temem perder suas empresas para grandes grupos norte-americanos e europeus.

Deve também contribuir para a abertura de espaços na mídia o próprio crescimento da campanha das esquerdas: na medida em que seus candidatos conquistam o apoio popular, veículos e formadores de opinião tendem a se posicionar de forma mais equilibrada, menos acintosa pró-governo, inclusive para garantir credibilidade pública.

Uma questão normalmente não avaliada, mas com peso no quadro eleitoral, é o efeito contrário que o massacre da mídia muitas vezes provoca. Em eleições passadas candidatos apoiados vergonhosamente pela mídia acabaram derrotados por candidatos que não tinham acesso aos meios de comunicação de massa. No atual momento do governo FHC isso parece estar ocorrendo: quanto mais a imprensa reforça a posição do Palácio do Planalto sobre os saques no Nordeste mais gente deixa de apoiar o governo. Ou seja, na tentativa de bajular, a mídia acaba prejudicando.

Da mesma forma, a mídia tem dado tanto espaço para o presidente (todas as entrevistas são cobertas pelo rádio e TV e todos os discursos são publicados pelos jornais e revistas) que acabou contribuindo para desgastá-lo quando ele chamou de "vagabundos" os trabalhadores que se aposentam antes dos 50 anos de idade, independentemente da idade em que começaram a trabalhar e do tempo de contribuição para a previdência.

O esquema da reeleição
A aprovação da emenda constitucional que introduziu a reeleição para os governos estaduais e a Presidência da República revelou, em parte, o caráter do governo FHC, que havia escondido essa intenção do público na campanha de 94, e depois chegou a comprar votos de parlamentares, conforme denúncia do jornal Folha de S. Paulo, para conseguir sua aprovação no Congresso Nacional.

É claro que o mecanismo da reeleição foi pensado como o grande motor da campanha de FHC, porque sua candidatura acaba sendo respaldada pela maioria dos governadores, senadores, deputados federais e estaduais que formam a base do governo e também são candidatos à reeleição. A lógica é manter tudo como está, sem alterações, ou no máximo aceitar alguma troca regional dentro da coligação governista. Por isso, em alguns estados FHC aceitou ou mesmo estimulou duas ou mais candidaturas ao governo. Para o presidente parece que tanto faz se em São Paulo ganhe Mário Covas ou Paulo Maluf, desde que os dois puxem votos para a sua reeleição na Presidência.

Não deve ter passado pela cabeça dos estrategistas palacianos a possibilidade de ocorrência de uma inversão no quadro político, com crescimento das oposições aos governos estaduais e com reflexos diretos na campanha da Presidência. Ou que, num eventual desgaste da candidatura FHC, os candidatos governistas nos estados evitem naufragar junto e amoleçam no apoio federal.

De qualquer forma, nas eleições deste ano a máquina oficial entrará em campo bem mais forte do que nas eleições anteriores, já que a maior parte dos governadores disputa a reeleição. E, como de costume, no Brasil, os órgãos responsáveis pela cumprimento da legislação e fiscalização do pleito vão interferir muito pouco nos abusos praticados, especialmente no que diz respeito aos gastos e prestações de contas.

A maior demonstração de que haverá um verdadeiro faroeste do poder econômico foi a senha dada pelo próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ilmar Galvão, que em declaração para o jornal Folha de S. Paulo (14/04/98), confessou que o órgão não tem meios para controlar o financiamento das campanhas e dos partidos. Ou seja, as oposições devem estar preparadas para enfrentar as máquinas oficiais e todo o dinheiro que o empresariado despejará nas campanhas dos candidatos conservadores.

A definição do quadro eleitoral dependerá bastante do empenho da máquina oficial, com seus esquemas financeiros e de mídia, em reverter o processo de desgaste em que se encontra o presidente Fernando Henrique Cardoso e seu modelo econômico neoliberal. Todas as pesquisas divulgadas em maio e junho registraram o crescimento do descontentamento, seja pela situação de desemprego ou pelo acúmulo de pequenas besteiras e grandes omissões do governo.

O caminho das oposições
O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) tem contribuído profundamente em forçar o desgaste do governo perante a opinião pública, na medida em que cobra e coloca em xeque a política mentirosa de reforma agrária – uma reivindicação que, reconhecidamente, conta com o apoio de mais de 80% da população. Ainda mais quando falta emprego, moradia, alimento, escola e saúde nos grandes centros urbanos.

Obviamente, a consolidação da aliança dos principais partidos de esquerda (PT, PDT, PSB, PCB e PCdoB) em torno da chapa Lula-Brizola, abre caminho para o fortalecimento das campanhas das oposições e estabelece a polarização com o presidente FHC. Depende muito, agora, dessa articulação conseguir empolgar suas militâncias em todos os estados, explorar corretamente todos os pontos de desgaste do governo FHC e seu modelo neoliberal e, ao mesmo tempo, apresentar um programa de governo que reúna os principais anseios do povo brasileiro.

Mais do que nunca, o elenco de propostas é determinante para o desempenho das oposições de esquerda, pois tudo indica que o desgaste do modelo neoliberal de FHC só se transformará em votos na eleição no momento em que cada ponto de desgaste for devidamente preenchido por uma proposta ou conduta nova, clara e perfeitamente compreendida pelos eleitores.

As pesquisas qualitativas realizadas ao longo do último ano indicaram sempre queda de popularidade do governo FHC nos segmentos de renda média, mas com maior nível de escolaridade e de informação. Nessas pesquisas, a aprovação do governo era mantida por força do apoio maciço das elites e dos setores menos esclarecidos e mais pobres da população.

No entanto, nas pesquisas realizadas em junho, nas quais a aprovação do governo foi derrubada e a popularidade de FHC caiu tremendamente, a maior mudança ocorreu nos segmentos mais pobres da população, nos quais se encontram os que têm menor escolaridade e os que de alguma forma estão excluídos dos mercados de trabalho e de consumo. É justamente nessa faixa da população que será decidida a eleição presidencial de 98.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor de Jornalismo na PUC-SP.

A disputa nos estados
Os candidatos apoiados pelo PT, estado a estado, e seus principais adversários.

Acre
O petista Jorge Viana tem o apoio de PCdoB, PSDB, PMN, Prona, PTdoB, PV, PL, PSL, PPS, PDT, PTB e PSB. Seus adversários são o deputado federal Chicão Brígido (PMDB) e José Bistene (PPB).

Alagoas
Ronaldo Lessa (PSB) é o candidato pela coligação que inclui PT, PDT, PCdoB, PTdoB, PPS, entre outros. O atual governador Manoel Gomes de Barros do PTB é candidato à reeleição com apoio de PFL, PMDB e PSDB.

Amapá
A reeleição de João Capiberibe (PSB) é apoiada pelo PT, PCdoB, PAN, PPS, PV e PRP. Gilvan Borges é candidato pelo PMDB com apoio do PSDB. O PDT concorre com Waldez Góes.

Amazonas
PT, PCdoB, PSB e PDT apóiam Eduardo Braga (PSL) contra o atual governador Amazonino Mendes do PFL, com apoio de PMDB, PPB e, informalmente, do PSDB.

Bahia
Zezéu Ribeiro do PT sai apoiado pelo PCdoB, PCB e PAN. O candidato de ACM é Cesar Borges (PPB, PTB, PMDB e PFL). João Durval (PDT) concorre em aliança com PSDB, PPS e PV.

Ceará
José Airton, pelo PT coligado com PCdoB, PDT, PSB, PCB, PDT e PV, enfrenta o governador Tasso Jereissati (PSDB), que tenta a reeleição. O PMDB lança Gonzaga Mota.

Distrito Federal
O governador petista Cristovam Buarque (PT, PDT, PSB, PCdoB, PCB, PSN, PV e PMN) tem pela frente um experiente adversário, Joaquim Roriz, do PMDB, e José Arruda, do partido de FHC.

Espírito Santo
O atual vice-governador Renato Casagrande (PSB) é o candidato apoiado pelo PT. Concorrem ainda José Ignácio Ferreira (PSDB) e Vasco Alves (PMDB).

Goiás
O PT concorre com Osmar Magalhães, apoiado por PCdoB e PDT, tendo como adversários Iris Resende (PMDB, PSD, PSB) e Marconi Perillo do PSDB.

Maranhão
O petista Domingos Dutra, apoiado pelo PCB, tentará a eleição no estado contra Roseana Sarney (PFL) e Epitácio Cafeteira (PPB). O PMDB apóia a governadora e o PSDB, Cafeteira.

Mato Grosso
Carlos Abicail (PT), com apoio de PCdoB e PV, disputará com Dante de Oliveira (PSDB, PMN e PSB) e Julio Campos (PFL), que tem o apoio do PMDB.

Mato Grosso do Sul
Zeca do PT em aliança com PDT, PPS, PCdoB e PSB concorre com o governador Pedro Petrossian (PTB e PFL) e Ricardo Bastos do PSDB, coligado com PMDB e PPB.

Minas Gerais
O ex-prefeito de BH, Patrus Ananias é o candidato do PT com apoio de PSB, PDT, PCdoB e PV. Concorrem ainda Itamar Franco (PMDB) e o atual governador Eduardo Azeredo (PSDB), com PFL e PPB na retaguarda.

Pará
O PT faz a campanha de Ademir Andrade (PSB, em coligação com PDT, PCdoB e PCB). Jader Barbalho (PMDB) e o governador Almir Gabriel (PSDB) também são candidatos.

Paraíba
Gilvan Freire do PSB coligado com PV, PCdoB, PDT e PT disputa com o governador José Maranhão, do PMDB com apoio de PSDB, o governo do estado.

Paraná
PT, PDT, PCB e PCdoB apóiam Roberto Requião (PMDB) contra Jaime Lerner, candidato à reeleição. O PSDB no estado só terá candidato ao senado.

Pernambuco
Miguel Arraes (PSB) tentará a reeleição apoiado pela coligação que inclui PT, PCdoB e PDT. Jarbas Vasconcelos sai pelo PMDB e Carlos Wilson pelo PSDB.

Piauí
O PT no estado, juntamente com PSB e PSC, apoiará Francisco Gerardo do PSDB. O candidato do PFL é Hugo Napoleão e o PMDB lançou Mão Santa.

Rio de Janeiro
O pedetista Antony Garotinho com apoio do PT e demais partidos de esquerda terá como adversários o ex-prefeitoCesar Maia do PFL e o atual vice-governador Luiz Paulo Correa do PSDB.

Rio Grande do Norte
Manuel Duarte (PT) é o candidato apoiado por PDT, PCdoB e PCB. Agripino Maia sai pelo PFL com apoio do PSDB e Garibaldi Alves Filho (PMDB) disputa a reeleição.

Rio Grande do Sul
A disputa no estado será acirrada entre Olivio Dutra (PT, com PSB, PCB e PCdoB) e o governador Antonio Brito (PMDB), que tem ao seu lado o PSDB. O PDT lançou Emilia Fernandes.

Rondônia
Em coligação com o PV e PCdoB, o PT lança José Neumar para concorrer com o governador Waldir Raupp (PMDB).

Roraima
O petista Fábio Martins é o candidato apoiado por PSB e PPS. O PSDB lançou Teresa Jucá e o PMDB Marluce Pinto.

Santa Catarina
A coligação PT, PDT, PSB, PCdoB, PCB, PPS e PV fará a campanha do petista Milton Mendes contra Esperidião Amin (PPB apoiado pelo PSDB) e Paulo Afonso Vieira do PMDB.

São Paulo
Marta Suplicy (PT) disputa a eleição com Francisco Rossi (PDT), Paulo Maluf (PPB) e o atual governador Mário Covas (PSDB).

Sergipe
Antonio Carlos Valadares (PSB) é candidato com o apoio do PT e demais partidos de esquerda. Concorrem ainda Albano Franco, pelo PSDB em coligação com PMDB, e João Alves Filho do PFL.

Tocantins
PT lança Celio Moura contra a reeleição de Siqueira Campos (PFL) e a candidatura de Moisés Avelino (PMDB).