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Se alguém tivesse de escrever a História das mulheres no Brasil... só poderia ser a Ângela Borba

Se alguém tivesse de escrever a História das mulheres no Brasil... só poderia ser a Ângela Borba: historiadora, atenta, pequena grande analista social. Insubstituível.

Falar de Angelita, é falar de uma mestra. É falar de amizade. É falar de uma brava mulher. As palavras transbordam em um sopro de vida.

Talvez a mais importante líder feminista carioca, porque teve coragem de fundar, com grande convicção política, o Brasil Mulher no Rio de Janeiro, em plena ditadura, sob incompreensões obtusas da própria esquerda. Sabia que a revolução mais importante desta contemporaneidade era a das mulheres poderem dizer o que pensam, sobre si mesmas, sobre a História e sobre a Vida, não deixando calar o direito de serem incômodas, irrequietas, subversivas... sob pena de calar o próprio Direito e a Democracia.

Era rebelde de várias causas. Sua liderança política e inteligência eram iluminadas pela convicção de que há uma rebeldia silenciosa que fermenta nas mulheres que povoam a Terra e este Brasil. Era inútil dizer que ficasse mais tranqüila e que as injustiças e prepotências de grupos de homens e de mulheres de partidos ou organizações sociais não deveriam lhe fazer sofrer demais. Precisava da ação. E se não havia movimento, insistia em provocá-lo, reacendê-lo e valorizar a presença, a beleza e a palavra das mulheres nas ruas e no mundo público, sobre todos os temas. E nos convocava a agir. Não esmorecia jamais.

Persistente, rígida e terna. O que sustentava essa personalidade era a relação essencial que tinha com cada uma de nós. Sabia valorizar o que cada uma tem de melhor sempre deixando fluir alteridades.

Amiga Mestra, obrigada por nos ter mostrado que princípios morais são raízes que sustentavam suas ações e que devem permanecer. Princípios raros de se encontrar atualmente. Obrigada por este exemplo. Obrigada pela melhor herança que deixa ao Mundo: Miguel, sob sua luz e a de Jair. A gente não verá a luz. Verá Miguel.

Diante de você, inacreditavelmente imóvel, resta-nos a reverência. Resta-nos fazer o que se deve, tranqüilamente, por amor a você e em sua memória. Seu nome é integridade. E o que nos revela essa integridade é a convicção de que suas crenças e o sentido de suas ações são a Verdade: a luta persistente pela justiça.

Fernanda Carneiro é secretária-geral de Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e membro do Núcleo de Mulheres do PT-RJ.