Economia

Constrangimentos externos e internos tendem a pressioná-lo a rever em parte sua política

Feita finalmente em janeiro a maxidesvalorização do real1 – e seja qual for o valor em que o dólar se estabilize nos próximos meses2– o que de fato importa saber agora é se a troca de regime cambial vem ou não acompanhada de mudanças significativas na política econômica. A questão é se o governo vai aproveitar a oportunidade para estimular a produção interna de bens, serviços e empregos, abrindo espaço, ao mesmo tempo, para um natural aumento da arrecadação de estados, de municípios e da própria União.

Vale lembrar que o único projeto em favor de uma mudança mais ou menos nesse sentido terminou em sangue no fim do ano passado. Foi a chamada "estratégia do segundo mandato", através da qual haveria um deslocamento do eixo das decisões da política econômica, da equipe estabilizadora (Pedro Malan e Gustavo Franco) para uma formação mais desenvolvimentista (Luiz Carlos e José Roberto Mendonça de Barros, André Lara Resende, José Serra). O novo comando teria sob seu controle um musculoso Ministério do Desenvolvimento Econômico, englobando Planejamento, Indústria e Comércio, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Segundo alguns dos protagonistas, logo após a aprovação, no Congresso, do pacote fiscal acertado com o FMI, o Banco Central (já sem Gustavo Franco) ousaria uma flutuação cambial controlada.

Sentindo o forte perfume tucano no paletó do presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador Antônio Carlos Magalhães estrilou ameaçador contra a heresia. Na verdade, ele queria evitar o favorecimento do PSDB, já tendo em vista as eleições presidenciais de 2002. Aquela estratégia desequilibraria a balança de poder dentro do bloco governista. Para o PFL, parece claro, a melhor política econômica é a que embala um ajuste fiscal permanente – uma constante arrumação da casa – acumulando condições de crescimento econômico para o quadriênio 2003-2007. Se não fosse uma interpretação conspiratória demais, alguém poderia arriscar dizer que o escândalo do "grampo", que afastou alguns dos principais desenvolvimentistas do governo em dezembro, foi feito sob medida pelos aliados. E se não fosse uma conclusão excessivamente subjetiva, daria para dizer que o presidente ficou mais à vontade sem o fardo de uma guinada na economia, na qual teria que peitar uma parte significativa dos partidos associados.

A lógica de sempre
Há muito consenso entre analistas políticos e econômicos de que o presidente vai tentar novamente apenas consertar um pouco o rumo das coisas, mantendo o essencial da sua política econômica. Quer dizer, sustentar a abertura comercial e financeira, com ênfase na estabilidade monetária. A tendência, então, é que se empenhe no cumprimento dos compromissos assumidos com os organismos internacionais, seguindo mais ou menos a seguinte lógica de raciocínio:

1. Temos que ser confiáveis. A preocupação central do presidente e de sua equipe é recobrar a credibilidade junto aos grupos econômicos internacionais, investidores e banqueiros, a fim de que o governo e as empresas brasileiras possam ser merecedores de seus recursos. No momento, a credibilidade cumpre a urgente missão de reabrir créditos para o refinanciamento das dívidas pública e privada que estão vencendo e de retomar as linhas de financiamento para o comércio exterior. Mas não se pode perder de vista o fato de que o bom-mocismo frente às grandes corporações, à comunidade financeira e aos organismos de controle não é apenas imediatista. Ao contrário, faz parte do ideário do presidente de que não há esperança de desenvolvimento para o Brasil sem poupança externa, e não há poupança externa sem aceitar as regras daquela comunidade. O objetivo é fazer crer que o país tem e terá sempre os dólares necessários para liquidar seus empréstimos públicos e privados, para reembolsar os investidores e para pagar pelos bens e serviços importados. O que o mercado quer é respeito pelo seu esquema: a) liberdade de entrar no país, trocar seus dólares, ienes, libras e euros por reais; b) investir naquilo que lhe for mais interessante; c) assegurar-se de que a qualquer momento poderá trocar novamente seus reais por moedas fortes, remetendo-as para onde lhe aprouver. Como essa última operação carrega, por sua vez, o risco de uma eventual desvalorização da moeda brasileira – o que engoliria parte de seus rendimentos – começa a prosperar a idéia do uso do dólar como moeda corrente.

2. Precisamos obter o aval externo. Para ganhar essa confiança externa, no entender do governo, é preciso buscar o aval de organismos internacionais de grande peso. Pois é o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o grupo dos países mais ricos do mundo (G-7) que dão o sinal verde para formadores de opinião financeira, estrategistas empresariais e investidores em geral. Como apenas a sinalização já não basta, aquelas entidades ainda concedem um empréstimo de emergência, uma espécie de cheque especial (de US$ 41 bilhões, no caso), deixando claramente demonstrada a existência de meios para o pagamento das contas externas.

3. Aceitaremos as condições. Nada mais natural, nesse sentido, do que aceitar a imposição de condições e regras pelos analistas. De imediato, o governo tem que mostrar que o Brasil pode reduzir, de forma sistemática, as suas necessidades de recursos externos. De um lado, o país precisa garantir que é capaz de aumentar receitas em dólares, principalmente fazendo um grande esforço exportador. De outro, tem que se mostrar apto a cortar despesas em moeda forte, o que será feito mediante a diminuição de importações e viagens ao exterior. O certo é que a maxidesvalorização do real, em si, já resolveria uma boa parte desse programa, pois o aumento do dólar tende a atuar, ao mesmo tempo, em favor das exportações (porque as mercadorias brasileiras ficam relativamente mais baratas para os importadores estrangeiros) e da redução de importações e viagens (porque ficam, é claro, muito mais caras). Mas, como se verá em seguida, o raciocínio da equipe econômica vai mais além.

4. Derrubaremos a atividade econômica. A desvalorização do real poderia perder seu efeito se as empresas e os trabalhadores resolvessem (e conseguissem) repassar para seus preços e salários as conseqüências da alta do dólar. Seria a volta da espiral inflacionária e a perda do principal cacife político do presidente e seus aliados. É desse ponto de vista que o governo não hesita em provocar e reforçar a retração da atividade econômica através da combinação da elevação dos juros, com aperto do crédito, aumento de impostos e cortes de gastos públicos. Segundo essa concepção, a queda de vendas e a ameaça de desemprego vão inibir fortemente as tentativas de reindexação. Na avaliação das autoridades, seria possível controlar a inflação de 1999 na faixa de 10% a 12%, sem perigo de reindexação da economia. Ironicamente, o próprio governo não disfarça o desejo de contar com uma pequena mas controlável inflação, pois os aumentos dos preços se refletem nas notas fiscais e na arrecadação, enquanto os salários do funcionalismo, as pensões dos aposentados e os compromissos com os fornecedores não sofrem correções.

5. A melhora dos indicadores. Com o tempo, os principais indicadores de interesse dos investidores estrangeiros estariam novamente em ordem. O primeiro, mais viável e visível, seria a produção de superávit comercial e a diminuição do déficit das transações correntes do Brasil com o exterior. O segundo, de registro mais lento, seria o superávit na relação entre gastos e receitas públicas (superávit primário), demonstrando que o governo necessita de menor volume de financiamentos – o que, na ótica dos investidores, significa menor risco de um calote nas dívidas interna e externa. O terceiro é de ordem ideológica: ficará patente para a comunidade que o governo está realmente comprometido com a abertura comercial e financeira e com a desindexação da economia. A manutenção do programa de privatização, com a venda agora de companhias de energia elétrica, de saneamento e de alguns bancos estaduais (como o Banespa), apenas reforça essa imagem.

6. Poderemos sonhar novamente. Refeita a imagem, o Brasil poderia, então, ser reposto no ninho. Já de início, os bancos estrangeiros reabririam parcialmente algumas linhas de financiamento da exportação e, em seguida, bancos e investidores voltariam a ter interesse nas empresas, nas bolsas e nos títulos brasileiros. Na seqüência, voltariam a ser anunciados os investimentos em novas e antigas companhias, reabrindo perspectivas de melhora geral da competitividade do país. Enfim, a economia tornaria a crescer, com melhora do nível de emprego e recuperação da capacidade de investimento do Estado em infra-estrutura.

Reversão de expectativas

Mesmo que a realização do sonho liberal brasileiro esteja vivendo, neste início de ano, um mau momento, é preciso admitir que a desvalorização do real, o controle da inflação e o cumprimento, ainda que parcial, das metas impostas pelos acordos externos, podem de fato resultar em certa reversão de expectativas do mercado em relação ao país e a seu governo. Na ótica de quem tem dólares nas mãos, a situação é agora melhor e mais segura.

Não há dúvidas, por exemplo, sobre a capacidade de redução das necessidades de recursos externos para o fechamento das contas deste ano. E a máxi de janeiro joga aí um papel fundamental.

Mesmo considerando que a cotação do dólar tenda a cair para um patamar entre R$ 1,70 e R$ 1,75 (ou um percentual variável entre 40% e 45% em relação ao R$ 1,21 vigente à véspera da mudança do regime cambial), e mesmo supondo que a inflação fique em 10% ou 15% no ano, a desvalorização do real ainda assim seria equivalente a cerca de 27%. Isso é considerado suficiente para produzir uma melhora nas contas externas. Ernest W.Brown, economista do banco de investimentos norte-americano Morgan Stanley Dean Witter, acredita que em 1999 o superávit da balança comercial já fique em torno de US$ 5 bilhões. E que o déficit em transações correntes possa cair de US$ 35 bilhões para US$ 17 bilhões. Ou seja: diminui o risco de novo ataque e desvalorização da moeda.

É também preciso destacar que os ativos brasileiros (empresas, ações e imóveis) ficaram muito depreciados em dólares e, portanto, bem mais atraentes para os investidores. Convém lembrar que o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa), quando expresso na moeda norte-americana, caiu 38% em 1998 e outros 15% até fevereiro de 1999. "Daqui a um tempo, dependendo da desvalorização, pode ser que o mercado ache que o Brasil está barato", observa o economista Luiz Gonzaga Belluzo, da Unicamp.

Na mesma linha, pode-se dizer que parte do chamado "custo Brasil" (mão-de-obra, bens e serviços não dolarizados) ficou mais baixo, favorecendo a implantação das empresas no país. "Vale notar que os exportadores brasileiros terão a seu favor, além do barateamento relativo de seus produtos propiciado pelo câmbio, dois outros reforços importantes: os juros e os salários estarão mais baixos no médio prazo, diminuindo custos financeiros e de produção", prevê a LAM Investment Letter, boletim mensal do Lloyds Asset Management, um dos mais respeitados administradores de fundos de investimentos no Brasil.

Finalmente, deve-se ponderar que as taxas de juros, mesmo que tendendo à queda, ainda deverão ser relativamente altas, atraindo os capitais nômades de sempre, que procuram pelo mundo globalizado as melhores alternativas de remuneração.

"Quando se dispõe esse cenário ao lado da aprovação final das medidas de ajuste fiscal no Congresso, da continuação do processo de privatizações, e do apoio do FMI, torna-se possível entrever uma reversão futura de expectativas", concluiu o boletim da LAM.

Obstáculos à vista

É sempre bom ter presente que todo esse otimismo em relação à reversão de expectativas esbarra em dificuldades políticas e econômicas muito fortes, que se sobrepõem aos desejos e às intenções.

Em primeiro lugar, a própria mudança de sinal na balança comercial de déficit para superávit deve dar-se muito mais por queda de importações do que por aumento de exportações. O analista do Morgan Stanley Dean Witter calcula uma queda de 20% nas compras externas contra uma expansão de apenas 3% das receitas com vendas ao exterior. Esse fraco desempenho das exportações deve-se, em grande medida, ao declínio de cotações de vários produtos exportados pelo Brasil. De uma parte, por força da recessão ou nível mais baixo de atividade econômica na Ásia, América Latina e Europa3; de outra, pela desarticulação de canais de exportação do país, que vinha perdendo alguns mercados tradicionais devido à valorização do real. Fora a insuficiência, pelo menos momentânea, de linhas de crédito para financiar a produção e venda de produtos nacionais. Assim, podem se frustrar as expectativas de uma melhora importante, no médio prazo, na atividade e no emprego.

Depois, convém observar que o cenário internacional tornou-se menos favorável às exportações e à captação de recursos. Não se trata apenas de constatar que diminuiu a disposição dos bancos e investidores aos riscos dos chamados "países emergentes". Mais que isso, trata-se do processo de estreitamento do comércio mundial a partir de três fatores básicos:

1) As economias americana e inglesa podem estar iniciando um lento processo de desaquecimento sem que a Europa do euro apresente indicações concretas de retomada de crescimento;

2) O Japão e a maioria dos países asiáticos ainda estão em recessão e a China vem apresentando níveis crescentes de ociosidade industrial;

3) Parte substancial da América Latina acompanha o Brasil na retração da atividade econômica.

O que preocupa, no médio prazo, é o perigo efetivo de uma nova corrida cambial, principalmente na Ásia, estimulada pela recente desvalorização do iene. Como a Coréia do Sul, Taiwan e a própria China vinham se beneficiando da valorização da moeda japonesa – porque tornava suas mercadorias mais competitivas – teme-se que a sua depreciação produza o efeito contrário, encorajando os países da região a uma nova onda de desvalorizações, mais grave do que aquela de 1997, que espalhou estilhaços por todo o mundo. Para se ter idéia do que isso significa, basta dizer que o déficit comercial americano, mesmo com o iene mais valorizado, cresceu 53% no ano passado – dos US$ 169 bilhões negativos, US$ 64,09 bilhões foram para as reservas de Tóquio. Para o Brasil, uma nova corrida cambial por lá significaria a evaporação de parte dos benefícios da recente mudança cambial.

A história do déficit

Outra potencial decepção para a estratégia governamental diz respeito às contas públicas. Há pouca esperança de uma queda efetiva do déficit público nominal (a diferença entre receitas e gastos públicos, inclusive o pagamento de juros), pelo menos nos termos propostos no acordo com o FMI. Isso, apesar de todo o aumento de impostos e contribuições e do anúncio de cortes de despesas4. O nó dessa questão, como se sabe, está nas próprias políticas fiscal e monetária.

De fato, ao aumentar os juros5, o governo acaba aumentando, automaticamente, na mesma proporção, o item de maior peso do déficit nominal, que são as despesas financeiras. Em novembro do ano passado, essas despesas fizeram com que o déficit chegasse a equivaler a mais de 8% do PIB de R$ 901 bilhões. Ou seja: um gasto adicional com juros nada inferior a R$ 70 bilhões. "Ao invés de abaixar os juros, aplicou-se uma taxa absurda que, se continuar, forçará um aumento intolerável da dívida interna e uma recessão de proporções dramáticas", escreve Gilberto Dupas, coordenador da Área de Assuntos Internacionais do Instituto de Estudos Avançados da USP. "Essa política controvertida certamente não ajuda a credibilidade do país e pode levar essa recomendável política de câmbio flutuante rapidamente a um impasse", adverte ele.

Mas não é só. Ao provocar a queda da atividade econômica, a equipe também produz uma redução da arrecadação da União, estados e municípios. Já eram expressivas, em dezembro, a diminuição do recolhimento de ICMS pelos estados (São Paulo perdeu 11%), Imposto de Renda, IPI e ISS. O economista Luiz Gonzaga Belluzo acredita que uma parte importante do déficit da Previdência se deve ao desemprego e ao aumento da informalidade. Como a deterioração das empresas encoraja a sonegação, é ainda possível que seja neutralizada uma parcela do aumento de impostos aprovado pelo Congresso. Como já se disse, apenas a inflação ajuda a neutralizar um pouco esses efeitos.

Essa situação somente agrava a tensão entre o governo federal e os governadores e prefeitos que não terão condições de cumprir o acordo feito com Brasília para a amortização de suas dívidas. Nem mesmo São Paulo, que em fevereiro já mantinha um atraso médio de três meses no pagamento a fornecedores, poderá continuar pagando totalmente seus compromissos com a União.

Pressões mais fortes
Tais constrangimentos externos e, principalmente, internos, de acordo com grande parte dos analistas da situação e da oposição, tendem a pressionar o governo a rever, ao menos em parte, a sua política. O que, desde já, permite supor novos conflitos com o ministro da Fazenda, Pedro Malan e, talvez, com o novo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que ainda não havia sido formalmente aprovado pelo Senado no fechamento desta edição.

Há um elenco de pelo menos seis temas para alimentar os debates e disputas nos próximos meses:

1. Pressão contra juros. Há, primeiro, um forte consenso sobre a necessidade de redução imediata das taxas de juros. O deputado Delfim Netto, por exemplo, embora considere natural a alta de juros em processos de desvalorização cambial, lembra que, no Brasil, as taxas já eram muito altas antes da máxi. Seria vital, então, que elas caíssem rapidamente, para mostrar que é possível a estabilização da dívida pública. Isso une empresários, políticos, trabalhadores e consumidores em geral.

2. Renegociação da dívida. A exemplo, em certa medida, de Celso Furtado, Paul Singer e Ignacy Sachs, o próprio deputado Delfim Netto defende aquilo que é uma heresia para a equipe econômica: negociações com os bancos credores para a rolagem das dívidas de curto prazo. O tabu da renegociação da dívida está sendo novamente quebrado.

3. Renegociação das dívidas dos estados. É mais do que óbvio que o governo federal terá que fazer concessões aos estados e municípios, contrariando totalmente a vontade da equipe econômica e o acordo com o FMI. Pode, eventualmente, reduzir o impacto fiscal desse tipo de liberalidade, exigindo em troca o apoio para a aprovação da lei de responsabilidade fiscal (para observação de limites de gastos) e a imposição de contribuição previdenciária para o funcionalismo ativo e inativo também dos estados e municípios.

4. Intervenção na taxa de câmbio. Temendo o excesso de desvalorização do real patrocinado pelas forças livres do mercado – o dólar continuava, em fevereiro, na marca inflexível de R$ 1,90, representando uma máxi de 57% – parcelas expressivas do próprio mercado pedem uma intervenção oficial no câmbio, para que encontre um patamar mais razoável.

5. Centralização do câmbio. Depois da fuga maciça de capitais iniciada em agosto/setembro do ano passado, quando o Brasil perdeu mais de US$ 30 bilhões em reservas, cresceu a idéia de que é preciso exercer algum controle sobre as entradas e saídas de moeda estrangeira, especialmente para evitar os capitais mais especulativos, que fazem movimentos mais rápidos, sem qualquer fixidez, apenas para se valer dos diferenciais de taxas do país no curto prazo. Alguns dos maiores jornais do país, como a Folha de S. Paulo e a Gazeta Mercantil, já manifestaram apoio à centralização cambial. E o economista Paul Singer, da Faculdade de Economia e Administração da USP e do Conselho de Redação de TD, defende mesmo a obstrução de alguns tipos de empréstimos a setores não prioritários para o país.

6. Câmaras setoriais. O PT projeta uma articulação entre representações empresariais e de trabalhadores, a retomada das câmaras setoriais, bombardeadas pelo governo sob a alegação de que formavam uma "coligação inflacionária". O objetivo é reunir todos os elos de cada cadeia produtiva (fabricantes, fornecedores de bens e serviços, consumidores, trabalhadores, governo) para discutir a formação de preços, graus de abertura comercial, investimento e emprego. Paul Singer assegura que, durante o governo Collor, as câmaras setoriais possibilitaram moderar um pouco a política de abertura comercial, reduzindo alíquotas de forma mais progressiva, evitando assim o desmonte de empresas.

Convém ainda acrescentar que embora nunca tenha sido uma verdadeira preocupação do governo, a crise social, desta vez, pode causar verdadeiros transtornos ao presidente e seus aliados. Não exatamente pela possibilidade de aumento do desemprego, da violência, das ocupações de terra, da insubordinação do funcionalismo e dos saques a supermercados – que de alguma forma têm sido controlados com a ajuda das forças policiais e militares. Mas pela objetiva deterioração política, já observada em pesquisas de opinião. Em pesquisa realizada entre os dias 15 e 28 de janeiro, o Datafolha apurou que 70% da população da cidade de São Paulo acreditava que a crise fugiu ao controle do governo; 60% que o governo é o responsável pela crise e 59% que FHC enganou seus eleitores afirmando que manteria a estabilidade do real. Talvez seja essa a maior abertura para uma mudança de rumo.

Sérgio Sister é jornalista.

Terceirizando as decisões

Dois episódios envolvendo o ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes, e autoridades do FMI e do governo norte-americano, ilustram bem o espírito dos acordos externos assinados pelo governo brasileiro.

O primeiro foi logo no início da crise cambial, em janeiro. Michel Camdessus, diretor geral do FMI, disse a Lopes que era preciso elevar a taxa básica de juros de 32% para 35%, a fim de inibir a especulação com dólares. O presidente do BC argumentou que no Brasil havia instâncias especializadas para isso, sendo necessária a convocação do Comitê de Política Monetária (Copom). "Isso não pode ser feito por telefone?!", respondeu Camdessus.

O segundo deu-se poucas horas depois, quando Lopes passou a usar reservas (US$ 800 milhões) na tentativa de evitar uma desvalorização excessiva. O secretário norte-americano do Tesouro, Robert Rubin, segundo o próprio Francisco Lopes, ligou para Pedro Malan para proibir o uso de reservas para evitar a livre flutuação da moeda.

De fato, os acordos com o FMI fazem exigências rígidas em relação ao processo de decisão e gestão da política econômica. Prevêem, além de metas de esforço fiscal (um total de US$ 32 bilhões, na soma dos acordos de novembro e fevereiro), a observância de alguns pontos essenciais do chamado Consenso de Washington:

1) Manutenção da abertura comercial e financeira, que equivale a dizer que o país não pode impor qualquer restrição às importações e ao livre fluxo de divisas. Fica excluída a hipótese de aumento de alíquotas de importação e a centralização do câmbio.

2) Corte da oferta de moeda e crédito (com a elevação dos juros), na mesma proporção da queda de reservas. Sendo que a reserva mínima para efeito desse controle gira em torno de US$ 20 bilhões.

3) Observância da livre flutuação da moeda, evitando assim o uso de reservas para controlar a taxa de câmbio.

4) Ampliação e aceleração do processo de privatização, com a inclusão (não explicitada formalmente e, ao que parece, com restrições do governo) da Petrobrás, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.

Como garantia pelo empréstimo de US$ 41 bilhões (que aliás engorda mais um pouco a dívida externa), o governo transfere aos organismos internacionais o seu poder de decisão. "Com isso, o governo proíbe-se, automaticamente, o uso de qualquer tipo de controle do movimento de capitais, investimentos e remessas de lucros e dividendos e, obviamente, de qualquer tipo de política industrial ou comercial", adverte o cientista político José Luís Fiori, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.