Cultura

Se você ainda não assistiu, então trate de assistir Matrix, um dos melhores filmes de ficção da temporada

Se você ainda não assistiu, então trate de assistir Matrix, um dos melhores filmes de ficção da temporada, que estará disponível em vídeo em novembro.

Para os que já viram, bem como para os que não vão ver, o argumento é o seguinte: num futuro não muito distante, as máquinas entram em choque com a humanidade ("não se sabe quem começou").

Como as máquinas são movidas a energia solar, os homens "põem fogo no céu na esperança de derrotá-las. Diante disso, as máquinas começam a cultivar seres humanos, para apropriar-se de sua energia.

Como a humanidade não vive sem pensar/sonhar, as máquinas têm que criar um universo virtual, onde aquelas pilhas humanas “vivem”... ou pensam que vivem.

Em enormes "plantações; submetidos à reprodução artificial, os homens alimentam-se dos fluidos corporais uns dos outros e têm seus cérebros conectados à Matrix, uma enorme rede de realidade virtual, controlada pelas máquinas.

Numa Terra sem calor, o único refúgio para os sobreviventes da humanidade é em algum ponto próximo ao núcleo do planeta.

Mas nos esgotos, perto da superfície, uma nave hovercraft chamada Nabucodonosor carrega, por meio de enormes esgotos, uma pequena equipe que busca o "messias" um dos homens-pilha, que teria a capacidade de alterar a realidade virtual e, com isso, desligara Matrix.

A busca é liderada por Morpheus (o excelente Laurence Fishburne, que interpretou Otelo). E o "messias" é Thomas Anderson, um programador de computadores que de noite transforma-se em Neo, um hacker (interpretado por Keanu Reeves).

Para libertar Neo de Matrix, Morpheus penetra na realidade virtual e lhe oferece a verdade, "nada mais" num diálogo que é um dos pontos altos do roteiro:

Morpheus: Você está aqui porque você sabe alguma coisa.Você sabe mas não consegue explicar. Mas você sente. Você tem sentido isso por toda a sua vida. Há alguma coisa errada com o mundo. Você não sabe o quê, mas sabe que há (...) Você quer saber o que é Matrix? A Matrix é tudo. Ela está a nossa volta (...) Ela é o mundo que foi colocado na frente dos seus olhos, para impedir que você veja a verdade.

Neo: Qual verdade?

Morpheus: Que você é um escravo (...) Infelizmente, não há como explicar o que é Matrix. Você tem que ver com seus próprios olhos. Esta é sua última chance. Depois desse ponto não haverá retorno. Se você tomar a pílula azul, você acordará em sua cama e pensará que isto tudo foi um sonho. Se você tomar a pílula vermelha, você acordará na Terra Maravilhosa. Lembre-se, eu estou oferecendo a verdade, nada mais.

Neo toma a pílula vermelha e desperta para o pesadelo, numa das cenas mais impressionantes do filme. Começa então sua luta para desligar a Matrix, numa seqüência alucinante de treinamentos, perseguições, tiroteios e vários diálogos sobre o que é a realidade.

Morpheus: Como você define o que é real? Se você está falando sobre aquilo que pode sentir, cheirar, tocar e ver, então o real são sinais elétricos interpretados por seu cérebro.

Mas nesse caso, como distinguir a realidade virtual? Ou ainda, o que é melhor: ser um miserável liberto, ou ser escravo mas ter acesso aos prazeres virtuais?

Geração Frankenstein

Com certeza, você já viu um argumento parecido antes. De formas diferentes, ele está presente em filmes como Os doze macacos, Total recall, Johny Mnemonic, O exterminador do futuro e, principalmente, Blade Runner - para ficar só nos mais recentes.

Todos eles fazem parte da "terceira geração" da ficção científica. A primeira geração, ingênua e otimista, falava principalmente da descoberta de novos mundos (alguém já estabeleceu correlações com o colonialismo imperialista, mas isso fica para os entendidos). Seu protótipo é Júlio Verne e sua influência pode ser detectada até em ET.

A segunda geração, influenciada pelo clima de guerra fria, é inaugurada por Guerra dos mundos e está presente na Guerra nas estrelas. Nos últimos anos, a "ditadura totalitária - o império do mal, vem sendo encarnado pelas megacorporações (como acontece no Robocop). E a tônica é dada pela conspiração do Estado contra os indivíduos (vide o fantástico Arquivo X).

A terceira geração da ficção científica é baseada no conflito entre seres humanos e máquinas. A pedra fundamental desta geração foi 2001, Uma odisséia no espaço, do recém-falecido Stanley Kubrick, no qual o megacomputador Hal domina a cena. Blade Runner trouxe a história para a Terra, numa Los Angeles onde a polícia persegue humanóides muito mais sensíveis do que seus criadores. O exterminador do futuro eleva o conflito máquina/homem à condição de guerra, introduzindo uma variante: a viagem no tempo.

Matrix reduz tudo à equação básica: as máquinas vampirizando os homens. E trabalha este tema pela contraposição entre realidade-realidade (daqui a duzentos anos, em 2199) e realidade-virtual (hoje, 1999) - contraposição que também aparece em Total recall e Os doze macacos.

A marca forte da terceira geração da ficção científica é a distopia, o pessimismo. O exterminador do futuro e Os doze macacos (que ainda é o melhor da safra) terminam de maneira circular - a história parece que vai se repetir indefinidamente. Blade Runner termina com uma fuga (isso na versão comercial. A versão menos conhecida é ainda mais pessimista).

A raiz do pessimismo, lá no fundo, já pode ser encontrada em Frankenstein: o choque entre criatura e criador, entre a tecnologia e a humanidade, entre as máquinas e os homens, entre o trabalho morto e o trabalho vivo.

Este conflito é o mais interessante em Matrix, superando as referências mitológicas e religiosas ("a salvação pelo amor", o"predestinado"), bem como a reflexão filosófica sobre a natureza do real.

Mas antes que alguém se assuste, não se trata de Bergman, Herzog ou Godard: ninguém espere um filme de diálogos e cenas arrastados. Matrix é embalado por músicas techno (até de Marilyn Manson, aquela coisa apavorante idolatrada por adolescentes-americanos-com-o-dedo-no-gatilho), uma estética de desenho animado japonês (quem já assistiu Speed Racer sabe o que é isso) e muito, muito tiroteio, de deixar no chinelo El Mariachi.

E para os que gostam de brincar de "onde está Wally",uma diversão especial é localizar as dezenas de citações (literárias e cinematográficas) feitas por Matrix, de Super-homem a Alice no país das maravilhas.

Uma crítica publicada na grande imprensa desancou Matrix como uma grande babaquice. Outros o consideraram "uma visão sufocante" um pesadelo assustador. Como cada um vê o que quer, vai aqui uma visão alternativa: Matrix traz uma bela e otimista metáfora sobre a exploração do homem, sobre a alienação e principalmente sobre o desconhecido que se abrirá quando superarmos uma e outra.

Na cena final, prestes a desconectar a Matrix, Neo "telefona" para toda a humanidade e diz mais ou menos o seguinte: "Eu sei que vocês estão com medo. Vocês estão com medo da mudança. Eu não conheço o futuro. Eu não vim para dizer como isto vai terminar. Eu vim para dizer como isto vai começar." E logo depois fala de "um mundo sem regras nem controles, sem limites nem fronteiras, um mundo onde tudo é possível." E encerra dizendo: "Para onde nós iremos é uma escolha que eu deixo com vocês."

As palavras finais

I know you're out of there. l can feel you now. I know that you're afraid. You're afraid of us. You're afraid of change. l don't know the future. I didn't come here to tell you how this is going to end. I come here to tell you how it's going to begin. I'm going to hang up this phone and then I'm going to show these people what you don't want them to see. I'm going to show them a world without you, a world without rules and controls, without borders or boundaries, a world where anything is possible. Where we go from there is a choice I leave to you.

Valter Pomar é 3º vice-presidente nacional do PT, foi diretor de TD (1993-95)