Economia

O enorme endividamento dos agricultores, em especial os de base familiar, levou a bancada federal do PT a compartilhar com lideranças ruralistas conservadoras a autoria de proposição legislativa da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. Mesmo resultante de debates com lideranças do MST e da Contag, essa decisão provocou muita polêmica e reações de descontentamento

O endividamento da agricultura constitui um forte efeito colateral da sua inserção no projeto neoliberal. O tema passou a assumir tamanha relevância que foi incluído na agenda política nacional, levando, inclusive, à criação, em 1993, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional destinada a investigar as suas causas e apontar soluções para o problema.

Desde aquele momento, a bancada federal do PT, por intermédio do Núcleo Agrário, passou a intervir intensamente nas discussões. Mas foi em 1995 que a bancada federal petista sistematizou as suas reflexões acerca da dívida agrícola em dois projetos de lei. Um contendo fórmula de liquidação dessas dívidas, a partir de uma equação que combinava austeridade com os recursos do Tesouro, padrões éticos e morais inflexíveis e diferenciação de tratamento entre categorias de produtores. Outro projeto propunha uma nova configuração para a política de crédito rural, de modo a democratizá-la e garantir a adequação de suas bases e condições à performance da receita agrícola, evitando-se assim um futuro endividamento.

A ampla superioridade numérica da representação dos segmentos latifundiários impediu o êxito dessas proposições, que findaram preteridas pelo projeto de securitização das dívidas e pelo Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa).

Como prognosticado pela bancada petista, as proposições dos ruralistas mostraram-se ineficazes para a resolução do endividamento do setor, ainda que substantivas em termos de erosão dos cofres públicos, posto que somente nos dois primeiros anos de vigência dos programas o Tesouro Nacional repassou R$ 2,4 bilhões às instituições financeiras, a título de equalização de taxa de juros relativas às operações contratadas. Por absoluta falta de condições de pagamento da maioria dos mutuários, o governo foi obrigado a prorrogar o vencimento das duas parcelas da securitização, previstas para 97 e 98. Pelos mesmos motivos, foi levado a prorrogar, novamente, integral ou parcialmente as duas parcelas vincendas em 99 e 2000.

Além da ineficácia da securitização, o endividamento do setor, no período do Plano Real, tem sido de responsabilidade direta da bancada ruralista no Congresso. Isto porque após a aprovação, com o apoio do PT, de dispositivo que incluiu na lei n° 8.880/94 a determinação da equivalência entre a evolução dos custos dos financiamentos e a variação dos preços mínimos, aqueles parlamentares entraram em acordo com o governo pela aprovação de MP, atualmente transformada em lei, que desde aquela época vem adiando a entrada em vigor do citado dispositivo.

O endividamento agrícola

A origem do endividamento setorial está relacionada com a ruptura do padrão de financiamento da economia brasileira vigente até a década de 70, baseado na poupança externa. As duas crises do petróleo, combinadas com a elevação dos juros internos e externos, foram os elementos impulsionadores dessa ruptura.

Por conta desses fatores, a economia passou a enfrentar altas taxas inflacionárias acompanhadas de forte quadro recessivo. No diagnóstico da crise, de maneira oportunista, os governos da época elegeram os subsídios concedidos à agricultura como os grandes vilões da deterioração das contas públicas e, por conseguinte, dos desajustes da economia.

A partir de então, procederam-se mudanças substanciais no modelo de crédito rural, com destaque para a imposição de custos reais aos financiamentos concedidos ao setor e para a redução significativa dos recursos ofertados.

O quadro 1 demonstra a redução dos recursos, em dólar americano de dez/97.

Quanto aos subsídios, o sistema nacional de crédito rural passou de taxas reais negativas, que proporcionaram subsídios de US$ 31,5 bilhões entre 1970 a 1985 (a preços de 1997), para taxas reais positivas (acima da inflação) a partir deste último ano. O quadro 2 ilustra os valores médios dos subsídios concedidos pelo crédito rural1.

Vale registrar que, apesar de significativos, os subsídios concedidos pelo crédito rural, naquela fase, não garantiam transferência líquida de renda para a agricultura dados os efeitos, em sentido contrário, de outros instrumentos de política agrícola negativa que resultaram na drenagem de renda setorial para o financiamento de outros setores da economia.

O início do processo de desestruturação do modelo de financiamento agrícola coincide com a implantação do projeto neoliberal no país, que impôs a ampla reformulação político-conceitual do papel estratégico creditado à agricultura.

Assim, o enquadramento da economia agrícola começa pela reorientação da política de crédito rural, com a extinção, em 1985, da conta-movimento do Banco do Brasil, pondo fim aos subsídios e aos volumosos recursos oferecidos ao financiamento da atividade agrícola. Cite-se, também, a reforma tarifária da segunda metade da década de 80.

As mudanças no modelo de crédito rural não conseguiram ser assimiladas pelos setores produtivos da agricultura, dada a assimetria verificada entre a evolução dos custos dos financiamentos e as receitas geradas pela atividade. Daí a configuração de um processo crescente de comprometimento patrimonial e de renda do setor, alimentando o progressivo endividamento agrícola.

A partir daquele momento pela primeira vez na história do país, observa-se a extinção de estabelecimentos agrícolas. O censo agropecuário de 1996 registra o desaparecimento de cerca de 942 mil estabelecimentos entre 1985 e 1996, sendo 96% (906 mil), com áreas inferiores a 100 hectares. Entre os pequenos, cerca de 400 mil sumiram nos dois primeiros anos do governo FHC.

Por conta desse processo, 21,3 milhões de hectares deixaram de ser cultivados entre 1985 e 1996 e, nesse mesmo período, o pessoal ocupado na atividade agrícola foi reduzido em 5,5 milhões.

Assim, o endividamento agrícola, associado a outros efeitos da crise setorial, decorre, em última instância, do modelo implantado na década de 80. Portanto, o enfrentamento definitivo das causas da inadimplência do setor pressupõe a reorientação sistêmica da política agrícola, de forma a negar os seus fundamentos atuais e visando o resgate das funções estratégicas da atividade agrícola.

Fatores conjunturais

Os sucessivos planos econômicos implementados desde meados da década de 1980, ao definirem a correção monetária sobre os saldos devedores das operações de crédito rural, têm resultado em "confiscos" sistemáticos da renda agrícola por conta do continuado descompasso da evolução dos custos dos financiamentos relativamente ao comportamento dos preços agrícolas.

Com o Plano Cruzado, o discurso da inflação zero levou à extinção da correção monetária, o que estimulou a corrida ao crédito pelos produtores rurais. Em 1987, já com o retorno da inflação, a implantação do Plano Bresser reintroduziu a incidência da correção monetária plena nos financiamentos agrícolas, cota a promessa fracassada de redução da inflação, o que acabou levando ao aumento considerável do endividamento. Com a edição do Plano Verão, em 1989, houve o congelamento dos preços agrícolas, ao mesmo tempo que os custos dos financiamentos foram corrigidos em 15%.

Em 1990, observou-se um salto no endividamento dos agricultores com as decisões do Plano Collor, que culminaram na correção das dívidas em 74,6%, enquanto os preços agrícolas foram reajustados em apenas 41,2%. Como resultado, a dívida agrícola teve um crescimento líquido de 23,74%. Para agravar a situação, o Plano Collor II determinou a substituição pela TR dos indexadores de correção monetária previstos em contratos já firmados. Posteriormente, o Poder Judiciário julgou a inconstitucionalidade desse dispositivo.

Os dados do quadro 3 demonstram a defasagem da evolução dos preços de alguns produtos agrícolas em relação ao comportamento de índices econômicos no momento que antecede a entrada em vigor do Plano Real.

Desde o início do Plano Real, que impôs ao setor o papel de "âncora verde" do programa de estabilização da moeda, a transferência de renda da agricultura para outros setores da economia alcança fantásticos 24 bilhões de reais, o que equivale a cerca de 40% do valor bruto da produção agropecuária e, coincidentemente, ao mesmo valor do estoque atual das dívidas agrícolas junto ao Banco do Brasil.

Somente no primeiro ano do período FHC, a perda de renda setorial foi estimada em 10 bilhões de reais por estudo desenvolvido pelo pesquisador da USP, Fernando Homem de Mello.

A deterioração das condições financeiras dos agricultores ao longo do atual governo pode ser constatada por uma de suas dimensões mais reveladoras: o descompasso entre a evolução do custo do crédito e da taxa inflacionária (quadro 4).

Os graves efeitos do Real, comprometedores da capacidade de pagamento da agricultura, também podem ser confirmados ao se cotejar a evolução do IPR-Índice de Preços Recebidos pelos Produtores -, que expressa o comportamento da receita gerada pela atividade agrícola produtiva, com as variações do IPP-Índice de Preços Pagos pelos Produtores (inclui os custos dos insumos) e do IGP-DI, que reflete o processo inflacionário. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, de julho de 1994 a maio de 1999, enquanto o IPR subiu de 100 para 146, o IPP evoluiu de 100 para 182 e o IGP-Dl, de 100 para 163.

Observe no quadro 5 o confronto entre vários índices econômicos e os preços recebidos pelos produtores de produtos básicos, entre julho/94 e abril/98.

Somando-se aos fatores derivados dos efeitos das políticas econômicas, destaque-se que cerca de 45% das dívidas dos agricultores, na média, segundo a FGV, são decorrentes de procedimentos ilícitos das instituições financeiras operadoras do crédito rural. Como exemplo dessas práticas, cite-se a capitalização mensal das taxas de juros, em desacordo com o que estabelece o Decreto 167/67, o qual impõe a capitalização semestral dessas taxas. Os bancos têm sido pródigos nos lançamentos exorbitantes, ou ilegais, de juros de mora, taxas de permanência, honorários advocatícios (mesmo com vedação expressa do Banco Central), taxas a título de serviço de reciprocidade etc.

Evolução da inadimplência

O quadro evolutivo dos níveis de inadimplência junto ao crédito rural, desde o Real até janeiro deste ano, pode ser visualizado a partir de dados divulgados pela CNA, com base em informações do Banco do Brasil (quadro 6).

De acordo com a Nota 643/99 do Ministério da Fazenda, o total de débitos securitizados (alongados), com base na data-referência para esse programa (20/06/95), foi de R$ 8.148.051.702,00, inclusive fundos constitucionais.

O perfil das dívidas securitizados, exceto fundos constitucionais, está demonstrado no quadro 7, do qual deduz-se que 77,9% dos mutuários da securitização tinham saldos devedores de até R$ 50 mil, na data de 20/06/95, o que correspondia a 39,4% do total de recursos envolvidos do programa, ou RS 1.315,5 mil. Quase 50%, dos beneficiários do programa concentravam saldos devedores de até R$ 10 mil, equivalendo, no entanto, a apenas 23,6% dos recursos totais objetos do alongamento. Enquanto isso, os mutuários acima de R$ 1 milhão, com fração de R$ 200 mil incluída no programa representaram 0,1 % do total dos mutuários, concentrando, no entanto, 14,1% dos recursos alongados.

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Em que pese a evidência da concentração do programa, em termos de valor, não se pode ignorar o contingente expressivo de pequenos devedores que o contrataram.

Quanto aos fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o valor securitizado foi de cerca de R$ 1 bilhão.

Segundo o Ofício 99/559, da Presidência do Banco do Brasil, de 20/09/99, os valores dos débitos não securitizados à data estabelecida eram de R$ 7,3 bilhões. O que significa que, naquela data, o estoque das dívidas agrícolas somava cerca de R$ 15,1 bilhões, exclusive as dívidas junto aos bancos privados.

De acordo com o ofício citado do BB, o valor não securitizado, apesar de as respectivas dívidas estarem sob o amparo da lei 9.138/95, implicou a exclusão do programa de 195.404 produtores.

Quanto aos fundos constitucionais, o Aviso 543/ME, informa que deixou de ser securitizado o valorde R$ 1,04 bilhão.

Ainda na data-base da securitização, o perfil das dívidas em situação de anormalidade, por atividade financiada, apresentava-se como no quadro 8.

Quanto ao Pesa, que proporcionou o alongamento de dívidas situadas acima do limite de R$ 200 mil, o perfil do programa está exposto no quadro 9.

O recente acordo firmado entre a bancada ruralista e o governo2ampliou a data de referência para as operações no âmbito do Pesa para 31/12/97. Na prática, significa que os grandes devedores que não contrataram o programa, ou por terem os contratos posteriores à data original de referência do mesmo (20/06/95), ou por opção, terão nova oportunidade de renegociação das dívidas e por um prazo mais dilatado. Para a securitização, que envolve os menores devedores, não foi dada essa possibilidade, com o acordo limitando-se a prorrogar prazos de vencimento das duas próximas parcelas e a instituir "bônus de adimplência" sobre saldos das dívidas securitizadas, mas apurados em 31/07/99.

Ainda que socialmente seletivo e de interesse dos bancos, o acordo confirma a ineficácia das medidas até então adotadas3para enfrentar o problema. Certamente, não tardará para que novas medidas venham a ser definidas para dar continuidade à estratégia de "empurrar com a barriga o problema". Isto faz parte do permanente jogo fisiológico entre governo e bancada ruralista.

Assim, por conta dos alcances paliativos das medidas tomadas e somando-se a manutenção de políticas agrícolas negativas, tanto cresceu nova e rapidamente o estoque das dívidas agrícolas, como inevitavelmente continuará crescendo após as medidas de acordo citado.

Com efeito, de cerca de R$ 15 bilhões, na data-referência da securitização, as dívidas totais junto ao crédito rural saltaram, em 31/07/99, para valor superior a R$ 32 bilhões, dos quais 75% junto ao Banco do Brasil, fato indicador do sentido altamente punitivo da política econômica do governo FHC para a agricultura. A composição por faixa de saldo das dívidas atuais junto ao BB apresenta-se no quadro 10.

Mesmo pouco significativo em termos de valores, o extrato dos menores saldos (até R$ 10 mil) contempla um contingente de quase 514 mil mutuários somente junto ao Banco do Brasil. Se considerarmos a faixa até R$ 50 mil como compatível cone a pequena produção, especialmente por envolver operações de investimento por parte de pequenas cooperativas que estão alijadas do Recoop (Programa de Recuperação das Cooperativas de Produção), o número de mutuários pequenos devedores do crédito rural sobe para quase 650 mil.

No caso dos fundos constitucionais, tomemos o caso do FNO -Fundo Constitucional de Financiamento do Norte. Segundo informações fornecidas pelo Banco da Amazônia (31/12/98), 24.111 mini e pequenos produtores rurais encontram-se enquadrados na condição de mutuários em situação de inadimplência, com dívidas somando R$ 375,2 milhões4.

Tão expressiva quanto a magnitude dessas dívidas, que se traduz em taxas estratosféricas de inadimplência de 37% e 34%, respectivamente, tem sido a evolução desse quadro, por absoluta falta de capacidade de pagamento desses setores. Em relação a 31/12/97, o montante de dívidas em situação de anormalidade de mini e pequenos produtores, um ano após, era 30% maior.

Não dispomos de informações precisas sobre esse quadro junto ao ECO e ao FNE. No entanto, levando-se em conta que as condições de financiamento para mini e pequenos produtores pelo FNO, ainda que proibitivas, são mais atrativas do que as previstas pelos outros fundos, supõe-se que, no mínimo, ocorre quadro semelhante no FCO e muito mais expressivo no caso do FNE, face o maior orçamento deste fundo relativamente aos demais5

Os fatos acima justificam amplamente as ações políticas desenvolvidas pela bancada do PT visando solucionar o imbróglio das dívidas agrícolas.

Mistificações e fatos

Apesar da evidência das repercussões políticas e socioeconômicas para um setor estratégico do país, a mídia, em geral, com o servilismo oficial costumeiro, atuou ostensivamente para o êxito das manipulações conduzidas pelo governo visando contaminar, nos mais diversos planos (notadamente no moral), a proposição da Comissão de Agricultura apoiada pelo PT.

Passou-se a divulgar a proposta como medida de amparo aos grandes caloteiros do crédito rural, chegando-se, inclusive, a se estigmatizar os agricultores que vieram a Brasília no caminhonaço e a explorar-se maliciosamente a suposta aliança PT/Caiado.

Deve ser enfatizado um primeiro fato que sempre foi deliberadamente ignorado pela imprensa e que é exemplar de um procedimento acrítico e leviano em relação ao projeto: por exigência do PT, vedava-se a inclusão, entre os beneficiários da proposição, de mutuários do crédito que houvessem cometido qualquer desvio de finalidade, ou que estivessem inscritos no Cadim; e ainda, limitava-se os benefícios previstos aos saldos devedores até R$ 200 mil. Após alimentar essa fraude política, o governo, tão logo detonou a citada proposição, entrou em acordo com os segmentos mais reacionários da bancada ruralista e aprovou a MP 1819/99 que, com as modificações acertadas, só veio atender os grandes devedores do crédito rural, inclusive os caloteiros. Isto porque o grande alvo da medida foi o Pesa, que além de especificamente voltado para os devedores acima de R$ 200 mil, permite que mesmo um devedor inidôneo, em processo de execução judicial, seja resgatado para a normalidade caso aceite as regras do programa.

Afora isso, a imprensa e a opinião pública capitularam diante de outra manipulação grotesca. Mesmo sabendo que 65% das dívidas rurais em condição de anormalidade são de responsabilidade de devedores acima de R$ 500 mil, as instituições financeiras federais, irresponsavelmente, insistem na concentração do crédito nessas categorias. Depois, com o respaldo da imprensa passam a idéia de que o PT e demais signatários do projeto é que estariam favorecendo os caloteiros.

Na seqüência das manipulações, o governo passou a divulgar, sem demonstrar tecnicamente, que o projeto resultaria num rombo ao Tesouro inicialmente de R$ 35 bilhões, caindo depois para 25, para estabilizar em R$ 18 bilhões.

Ora, mesmo admitindo-se esse número, o governo e a imprensa não divulgaram que esse valor seria diluído em 20 anos, por meio de bônus anuais, iniciando com apenas 1,7% nos quatro primeiros anos, que depois subiriam um pouco mais, de sorte que, após 20 anos, se atingisse os 40% de subsídios. A consultoria de política agrícola da Câmara dos Deputados estimou que o subsídio máximo implícito na proposta seria de R$ 7,5 bilhões. Num contexto internacional em que os países ricos ampliam os subsídios agrícolas, como exigir competitividade externa da agricultura brasileira sem subsídios?

Note-se que, com o acordo recém-firmado com os ruralistas, o governo sequer divulgou as estimativas de subvenções com recursos do Tesouro demandadas e que concentrar-se-ão nos grandes devedores, ao contrário do previsto pela proposição da Comissão de Agricultura.

Outra manipulação alimentada pela imprensa esteve associada ao questionamento do suposto privilégio da agricultura em relação aos demais setores da economia.

Não há dúvidas de que no governo FHC, à exceção do setor financeiro, praticamente todos os demais, notadamente os produtivos, passaram a enfrentar intensa crise econômica. A agricultura tem sido um dos setores mais afetados pelo papel assumido de "âncora verde" do real, fazendo incidir sobre os produtores a combinação avassaladora de uma política de crédito altamente restritiva (tanto pelo juros reais como pela queda dos recursos ofertados), com custos de produção crescentes, notadamente após a desvalorização cambial, e preços aos produtores em trajetória de queda acentuada por conta dos efeitos predatórios das importações subsidiadas.

A agricultura, diversamente de outras atividades, apresenta especificidades que lhe impõem altos riscos, desde os climáticos até os institucionais. Quando o agricultor decide plantar, não tem garantia da colheita e, se colher, não sabe se terá condições de comercializar. Diferentemente de outras atividades, o giro do capital é lentíssimo: oito a dez meses para culturas temporárias, por exemplo, o que exige crédito diferenciado.

Há que se levar em conta, também, o papel estratégico desempenhado pela agricultura, o que leva os EUA e a UE, por exemplo, a adotarem políticas deliberadas para a proteção da renda agrícola e a permanência, no campo, da população rural.

Muito se explorou os supostos juros favorecidos recebidos pela agricultura, como argumento adicional para inviabilizar a proposta da Comissão de Agricultura. Ora, o governo prega a competitividade da agricultura brasileira no mercado internacional. Só que os juros cobrados nos financiamentos agrícolas são bastante superiores aos praticados nos demais países, que variam entre 3% e 6% o a.a. Afora isso, somente 10% da safra brasileira de grãos consegue ser financiada nas taxas de juros tidas como subsidiadas pelo governo. Ou seja, o restante da produção nacional é financiado com taxas livres de mercado, por fornecedores, importadores e atravessadores que sangram especialmente os setores da agricultura familiar.

Diante do sucesso de tantas manipulações, o projeto apoiado pelo PT e demais partidos de esquerda foi arquivado e em seu lugar foi aprovado um acordo que apenas posterga o problema grandioso do endividamento agrícola, privilegiando os grandes devedores, inclusive os inidôneos, ensejando grandes comemorações pelo sistema financeiro e deixando de lado milhares de pequenos devedores inviabilizados pela política agrícola do governo FHC.

Gerson Teixeira é assessor da liderança da bancada do PT na Câmara dos Deputados