Economia

As forças predatórias dos donos do Império, do Território e do Dinheiro sobrepuseram-se sempre aos interesses da maioria. Nos seus caminhos de dominação, sempre em busca da "modernidade", podem ser encontradas as razões da riqueza e da miséria da Nação brasileira.

As determinantes geopolíticas e geoeconômicas da formação do Brasil contemporâneo (Caio Prado Jr., 1942), e as "taras" do nosso passado colonial, não explicam suficientemente, a meu juízo, a evolução econômica, social e política do país do século XIX em diante. O Brasil deixou de ser um "negócio colonial" cíclico e inseriu-se de vez na divisão internacional do trabalho proposta pelo capital financeiro inglês. A oscilação permanente, ao longo de dois séculos, entre uma ordem liberal oligárquica e um Estado interventor autoritário, passa por três ordens de fatores político-econômicos, que geram conflitos periódicos no pacto de dominação interna.

Em primeiro lugar, vêm os conflitos pela concessão de "garantias" para apropriação privada do território na fronteira de expansão do capitalismo como forma patrimonial de acumulação de riqueza e poder. A exploração predatória de recursos naturais, a expulsão e incorporação de populações locais e imigradas submetidas a todas as formas de exploração conhecidas foram e são as regras do capitalismo brasileiro. Seguem-se os conflitos entre as oligarquias regionais em sua relação com o poder central, quando se trata da distribuição dos fundos públicos entre os poderes locais, que alimentam periodicamente a crise do nosso pacto federativo e dos sucessivos "pactos de compromisso" da coalizão das elites territoriais oligárquicas. Finalmente, as relações entre o Dinheiro mundial, o dinheiro local e as finanças públicas foram sempre a moldura que enquadrou a formação de nossas elites "cosmopolitas", seu caráter mais ou menos associado com o capitalismo internacional e os conflitos periódicos entre as elites nacionais no processo de validação do dinheiro como forma de valorização geral dos capitais particulares.

As crises econômicas mundiais, embora tenham sempre produzido rupturas no processo de acumulação de capital, na forma de inserção internacional e no pacto de governabilidade das elites, não têm alterado substantivamente as relações essenciais de dominação territorial fortemente autoritária sobre as "classes subordinadas", nem o caráter rentista e patrimonialista da expansão mercantil agrária e mais tarde urbano-industrial. Estas são características fundamentais da nossa burguesia nacional, que sempre se opôs ferozmente a qualquer reforma fundiária democratizante.

As raras passagens pela democracia política nunca conseguiram estabelecer um Estado de Direito com instituições capazes de conter dentro delas o seu próprio aperfeiçoamento e a moldura de regulação das lutas das oligarquias regionais e dos movimentos sociais. A falta de acesso à terra, à educação e ao trabalho assalariado regular de nossa população rural e urbana nunca permitiu a formação de uma classe trabalhadora portadora de direitos de cidadania. Não por falta de "leis", mas porque uma das marcas terríveis da nossa sociedade capitalista foi a descolagem completa entre a ideologia das elites bacharelescas liberais ou libertárias e os pactos de poder ferozmente conservadores que conduziram o país por meio dos embates entre as cúpulas políticas territoriais e as cúpulas do poder ligadas ao Império e ao Dinheiro.

As nossas reformas burguesas sempre tiveram como limites dois medos seculares das nossas elites ilustradas: o medo do Império e o medo do povo. As nossas repúblicas (velha e nova) e a nossa revolução de 30 nunca incluíram as classes trabalhadoras num "pacto democrático". Todas as tentativas reformistas democráticas tendiam sistematicamente a extravasar os limites de tolerância do pacto oligárquico de dominação interna, fosse ele estabelecido pelas armas ou pelo famoso "pacto de compromisso" das burguesias regionais e das elites políticas.

A ideologia da ordem e da segurança nacional, justificada pela necessidade de preservar a "integridade" do nosso imenso território, permeia o caráter autoritário que caracteriza os nossos sucessivos regimes de governo. Quando se trata de uma ditadura explícita, com seus projetos nacionais de grandeza (Estado Novo de Vargas e projeto geiselista), encontra por limite o Império dominante na ordem mundial. Quando se estabelece sob a forma de pacto oligárquico liberal, termina entrando em desagregação pelos conflitos das elites políticas territoriais e pela ruptura periódica do elo frágil entre o Dinheiro mundial e o nosso dinheiro local inconversível. Nesta situação apela-se, em geral, para a ordem interna das armas para garantir "a paz das famílias" e a "propriedade privada" e restabelecer um novo pacto oligárquico de dominação, no qual um "novo dinheiro" pretende garantir o valor do capital. Este forte autoritarismo ligado à terra e ao dinheiro serviu sempre de embasamento ao patrimonialismo do Estado brasileiro (Faoro, 1957) e de instrumento político para aniquilar as lutas populares e das classes médias radicalizadas, como ocorreu tanto com a Aliança Nacional Libertadora, depois da crise e da revolução de 1930, quanto com as lutas pelas reformas de base de 1963 e dos movimentos sociais ao longo da nossa história.

Na verdade, a história vitoriosa da constituição do capitalismo no Brasil e os seus percalços e "desvios históricos", do ponto de vista da incorporação popular, parecem dever pouco tanto à herança colonial quanto às idéias iluministas que animaram os corações e mentes de nossas elites bem pensantes. Os fatos relevantes para a história social e política do país parecem ter sido sempre, desde o século XIX, a apropriação privada do território, as migrações rurais e rurais-urbanas compulsórias da população, em busca de terra e trabalho, que impediram a constituição de classes trabalhadoras com "território próprio"; além da centralização e descentralização do próprio domínio do Estado nacional, ora férreo, ora frouxo, sobre um "pacto federativo" que se revelou sempre precário desde a nossa constituição como país independente.

Por outro lado, a "fuga para frente" do Dinheiro e das Normas (Fiori, 1984) só foi possível porque houve a fuga para frente das populações em busca do espaço livre que, ao ser ocupado, reproduzia, na fronteira de expansão da acumulação capitalista, as relações sociais e econômicas desiguais e combinadas que constituem a marca mais forte da heterogeneidade social crescente da sociedade brasileira. A heterogeneidade social explica-se sobretudo pela conquista do espaço interno de acumulação de capital, em condições de dominação que vão se alterando no tempo e na forma de ocupação do território, mas que sempre confirmaram a tendência à concentração crescente da renda e da riqueza e à exploração brutal da mão-de-obra.

Não convém portanto recorrer às versões mais abstratas e gerais do esquema cepalino centro-periferia, nem mesmo aos esquemas dependentistas do capitalismo associado, para explicar a especificidade de nossa dinâmica socioeconômica. A expansão das fronteiras econômicas, periodicamente fechadas e reabertas, pelos negócios de produção e exportação do agrobusiness e da exploração de recursos naturais, mantém-se ao longo de toda a história econômica brasileira e foi sempre um instrumento poderoso de acumulação de capital. Por isso, apesar de ser periférica e dependente – isto é, de não contar com a geração de progresso tecnológico próprio, nem com dinheiro conversível no mercado mundial –, a economia brasileira conseguiu obter durante mais de cem anos uma das maiores taxas de crescimento do mundo capitalista.

O fato de que apesar disso o Brasil tenha-se mantido "subdesenvolvido" significa não apenas que tenha periodicamente sua "marcha interrompida" do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas modernas (Furtado, 1988). Significa também que, tanto do ponto de vista dos direitos sociais, quanto de sua situação periférica na ordem mundial, não pode ser comparado com outros países de capitalismo tardio, que se tornaram "potências" e "democracias" no sentido "moderno".

O capitalismo tardio no Brasil

A chegada tardia do capitalismo brasileiro à primeira revolução industrial deu-se nas entranhas do complexo cafeeiro a partir do "encilhamento" do último quartel do século XIX. Já a implantação, igualmente tardia, da indústria pesada da segunda revolução industrial só foi iniciada a partir da década de 50 e terminou com o governo Geisel, 30 anos depois. Nesta longa trajetória de mais de cem anos de história da indústria e de desenvolvimento de forças produtivas especificamente capitalistas, não foi possível conduzir o país nem à condição de potência intermédia na Ordem Mundial, nem à geração de um núcleo endógeno de ciência e tecnologia capaz de imprimir ao Brasil o seu "destino manifesto" da modernidade desejada por meio do progresso. Este, apesar de colossal, não nos retirou da nossa condição de país subdesenvolvido, nem da combinação "excêntrica" de Estado nacional periférico e de economia capitalista fortemente dependente do capital internacional. O tipo de dependência comercial, financeira e sobretudo cultural é que tem mudado.

O Brasil tem estado sujeito – no final de cada grande ciclo longo de expansão do capital internacional – a incorrer em moratória com seus credores internacionais, como mostram as três grandes moratórias brasileiras. A primeira deu-se durante a plena vigência do padrão ouro, em 1897. A segunda, a moratória de 1937, ocorreu – em plena decadência do liberalismo, do padrão ouro e da hegemonia inglesa – no clima de intervenção do Estado Novo, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. A terceira moratória deu-se em 1987, depois da crise geral da dívida externa de 1980-82, que atingiu todos os países periféricos, embora o novo ajuste liberal brasileiro só viesse a repetir-se depois da outra moratória, no início da década de 90, e com a adesão tardia do Brasil ao projeto de neoliberalismo global sob a hegemonia do "Consenso de Washington".

É fácil olhar da perspectiva de hoje o que significou a falta de um núcleo endógeno de financiamento público e privado nacional capaz de articular as várias frações do capital sem passar pelo endividamento externo recorrente e periodicamente paralisante. Sem um capitalismo financeiro interno que fosse além do patrimonialismo, os bancos brasileiros foram se convertendo em parasitas do Estado e beneficiários da inflação (Tavares, 1972 e 1978). No final da década de 60, as autoridades econômicas brasileiras produziram, de forma precoce e original vis-à-vis a posterior globalização financeira mundial, a armadilha do "dinheiro indexado", que nos valeu duas décadas de superinflação e crises cambiais recorrentes, e converteu o Banco Central em banca e jogador principal do cassino da ciranda financeira interna acoplada à ciranda financeira internacional. Então, como hoje, do ponto de vista do controle da acumulação de capital, o maior fracasso de nossa história financeira foi a falta de instituições públicas e privadas capazes de garantir endogenamente a intermediação financeira adequada ao próprio potencial de crescimento da economia. O poder público nunca foi capaz de impedir a esterilização de nossa poupança interna pelo "moinho satânico" da especulação patrimonial e financeira dos dois maiores poderes privados na história da república: o capital bancário nacional e o capital financeiro internacional.

Esta situação de impasse recorrente agravou-se na década de 90 e tem como limite duas perspectivas. A primeira é a de continuarmos sob domínio crescente do capital financeiro internacional, desta vez claramente conduzido pelos grandes bancos internacionais, aprofundando a submissão aos desideratos da potência hegemônica e caminhando na direção da dolarização com currency board de bancos estrangeiros e desnacionalização completa do sistema bancário, numa situação semelhante à da Argentina. A outra alternativa seria aplicar um controle de câmbio e de movimento de capitais severíssimo, que terminaria muito provavelmente na inconversibilidade de nossa moeda e em uma moratória soberana.

Nesta última perspectiva, tanto a estabilização quanto a retomada do desenvolvimento requereriam uma mudança substantiva no pacto de poder político que atualmente administra a crise brasileira. Não há "terceira via". Só um novo bloco de poder político, com forte apoio das forças populares, seria capaz de pôr em funcionamento, sob restrição externa severa, a atual capacidade produtiva ociosa do país, por meio da criação de um novo sistema de crédito interno e de um novo tipo de inserção internacional, orientados para um novo modelo de desenvolvimento nacional que excluísse de vez a nossa participação na "ciranda financeira internacional".

Trata-se pois de uma situação extrema, cujo desenlace fica difícil prever. Ou existem forças políticas e sociais internas, surgidas da própria crise brasileira, capazes de mudar a natureza do atual pacto político de dominação, ou a economia será completamente desnacionalizada enquanto esperamos uma nova rodada de agravamento da crise mundial que liquide de vez o "Consenso de Washington" e o nosso cassino financeiro.

Estou convencida de que o atual nó financeiro só será desfeito depois de uma moratória final, numa crise ainda prolongada. A dúvida que prevalece é se essa moratória se dará como um "negócio privado", depois da desnacionalização completa do sistema bancário, sob o comando de um conjunto de bancos internacionais, transformados explicita ou implicitamente no board da moeda dolarizada; ou, se pelo contrário, nos sucessivos ataques especulativos à nossa moeda "flutuante", o enfrentamento da crise cambial recorrente se fará, finalmente, sob a forma de uma moratória soberana, buscando novos "caminhos e fronteiras" para a regeneração do Estado, da economia e sobretudo do papel e da participação política das classes subordinadas na sociedade brasileira.

Referências Bibliográficas

Prado JR., C. (1942), Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo, Brasiliense, 1942.

Faoro, R. (1957), Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, São Paulo, Ed. Globo, 1996

Fiori, J.L. (1984), Instabilidade e crise do Estado brasileiro, tese de doutoramento, USP, São Paulo, 1984.

Furtado, C. (1992), Brasil, a construção interrompida, São Paulo, Paz e Terra, 1982.

Tavares, M.C. (1972), "Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil", in: Da substituição de importações ao capitalismo financeiro, Rio de Janeiro, Zahar, 1972

Tavares, M.C. (1978), "Ciclo e crise; o movimento recente da industrialização brasileira", in: IE/ Unicamp – 30 anos de economia, 1998.

Maria da Conceição Tavares é economista, professora emérita da UFRJ e professora associada da Unicamp.