Cultura

Caminhos recentemente apontados indicam uma trajetória a ser seguida pelo cinema brasileiro e afirmam a necessidade da retomada de nossa experiência, que tem na tragédia, sem dúvida, sua maior expressão

É quase certo que todo e qualquer filme – por pior que seja –, em pelo menos um de seus momentos, nos revele pistas sobre um determinado estágio da história de um país e/ou sobre a alma da sua gente. "Tentar fazer compreender" é empreendimento de outra monta. Raramente surgem, em uma filmografia nacional, exemplos isolados de um esforço que, pela capacidade de analisar processos objetivos ou de mergulhar profundamente em um aspecto particularíssimo, tenham a força para "fazer compreender" esse todo complexo – a grandeza e a miséria de onde emerge um país.

Nas datas redondas, como os 500 anos de Brasil, "mais de 100 de cinema", a memória é instada a enumerar os momentos importantes de cada "área de atuação". No caso do cinema brasileiro, tudo deveria se resumir em um feixe de títulos de filmes, acompanhados de um relato sobre seus enredos, sua localização no tempo e a justificação de sua presença no buquê. Entretanto, nada seria mais inócuo do que apenas cumprir a missão de "apontar" títulos já comentados na imprensa ou analisados pela literatura especializada.

Assim, mais do que uma "eleição", propõe-se uma atenção a alguns pontos, por vezes títulos, preferências, traços de filmografias, modelos de narrativas, ciclos, que ajudam a compreender essa nossa trajetória... no subdesenvolvimento, para repetir (e sempre), a formulação de Paulo Emilio Salles Gomes.

A atitude que se impõe em uma análise panorâmica é buscar os vínculos de formação que são estabelecidos, já que "uma das leis do subdesenvolvimento" se caracteriza pelas fases de decadência prematura. Para isso, uma análise estrutural que priorize as causalidades internas e externas é decisiva.

Acompanhando o surto do progresso que emana da Belle Époque, o cinema brasileiro iniciou sua cambaleante trajetória com o italiano Alfredo Segreto em 1989, filmando a baía de Guanabara, a bordo do paquete Brésil. Uma forte conjunção de elementos europeus a formar a primeira imagem cinematográfica brasileira.

Com a popularização do cinema e a reforma do Rio de Janeiro pelo prefeito Pereira Passos, surgem avenidas e com elas, salões e teatros onde o cinema é exibido – cumprindo, junto com a exibição ambulante, a tarefa de divulgar a grande novidade. Dentre as fitas da chamada "bela época do cinema brasileiro" (1908-11), algumas se sobressaíram, ao menos do ponto de vista econômico, pois conseguiram grande popularidade ao incorporarem crimes da época. Em 1906, um crime alcançou grande repercussão, devido à sua torpeza: sobrinhos de um joalheiro são misteriosamente estrangulados. O fato repercutiu de tal maneira que os astutos jornalistas Figueiredo Pimentel e Rafael Pinheiro colaboraram em Os estranguladores. Seguindo o mesmo caminho, os irmãos Segreto fizeram Rocca, Carletto e Pegatto na Casa de Detenção, com grande êxito. Comparável sucesso foi conseguido por Francisco Serrador com o Crime da mala, em que é reproduzido o assassinato do comerciante Elias Fahrat, esquartejado e colocado dentro de uma mala; sobre o mesmo assunto, Antonio Leal realizou A mala maldita. A equação crimes-cinema sempre se provou segura, e no cinema brasileiro não é diferente: quanto mais espetacular o sadismo, maiores os dividendos.

Outro gênero específico desse período foram os "filmes cantantes", em que sua projeção era acompanhada por cantores e artistas que, ocultos atrás do ecrã, faziam as vezes de intertítulos, dubladores e/ou pista de música. Grandes sucessos como A viúva alegre, O Guarani e o grandioso Paz e amor, respectivamente de Eduardo Leite e Américo Colombo, Vittorio Capellaro e Alberto Botelho, marcaram época. Inaugurava-se uma longa tradição musical, às vezes envolta em forte dose de erotismo, com atrizes de "belas vozes e plásticas maravilhosas", abrindo seus caminhos com sugestivos pseudônimos, como Ismênia Mateus e Aurora Fúlgida.

O cinema brasileiro da bela época alicerçou-se em um frágil sistema, relativamente organizado porém, em que produção e distribuição eram partes quase indissociáveis. Esta situação perdurou até a expansão do cinema estrangeiro, que chegou marcando a sobreposição da indústria ao artesanato. Com a preponderância do filme estrangeiro, houve a interrupção do processo evolutivo a que se encaminhava o cinema nacional – mas, devido a sua positiva teimosia em existir e a nossa vontade de possuir um cinema, tivemos sua retomada com Humberto Mauro.

O terno/eterno molde

Tendo seu maior expoente em David Wark Griffith, o cinema popular americano constituiu suas bases – industriais e estéticas – na década de 20. Esse cinema, grosso modo, possuía uma arquitetura simples: apresentação de personagens, conflito e retorno à harmonia.

Transpondo alguns de seus elementos a uma realidade adversa, Humberto Mauro conseguiu resultados de enorme valor para o cinema brasileiro. O diretor caracterizou-se em Cataguases como homem de gênio, habilitado em variados empreendimentos e interesses – goleiro, jogador de xadrez, colecionador de selos –, evidenciando sua não sistematização e ao mesmo tempo uma imaginação criadora em desenvolvimento e de fácil adaptação, qualidade decisiva no cinema, onde sem poder de improvisação nada se faz. Eletricidade, rádio e fotografia. Estas etapas levaram-no ao exercício constante da imaginação e à sua primeira experiência cinematográfica, Valadião, o cratera (1925). Trocando sua coleção de selos por uma Pathé-Baby, Humberto Mauro e Pedro Comello construíram um enredo simples (Valadião rapta a menina que, em seguida, é salva pelo mocinho), mas do ponto de vista técnico, um grande passo.

Como em Valadião, o cratera, na segunda fita de Humberto Mauro, Na primavera da vida, embora mais complexo, o enredo se divide em dois pólos (o primeiro representado pela casa do coronel, ambiente digno e relativamente citadino; no outro extremo temos o boteco, freqüentado por homens de caráter duvidoso), mas a ação se desenvolve com a intervenção do dr. Passos e de um contrabandista, ambos forasteiros. Atraídos pela mesma mulher, investem na conquista, mas sendo repelido pela amada, o vilão opta pela violência, seqüestrando-a. Como é previsível, o dr. Passos salva a filha do coronel Sousa, restaurando assim a tranqüilidade.

Neste modelo temos algumas especificidades. O ambiente é estático e a narrativa necessita de elementos exteriores para se desenvolver. Algumas características se destacam. Se o coronel Sousa possui traços citadinos, vemos a distância relativa em relação ao dr. Passos – a evidência provinciana de uma burguesia agrária estagnada em cargos públicos conseguidos através do parentesco com funcionários de grau superior na hierarquia estatal: é a nossa burguesia que tem no estamento seu traço estrutural, como observou Florestan Fernandes.

O que se verificou no ciclo de Cataguases foi o isolamento de Humberto Mauro com relação à produção nacional, impossibilitando uma formação nos moldes tradicionais. Sua produção não se articulava com as de Vittorio Capellaro, Almeida Fleming ou Canuto Mendes de Almeida. Seu contato direto era com o cinema norte-americano, sobretudo os modelos pós-griffthianos. Embora tendo internalizado algumas de suas técnicas, não conseguiu o efeito de sua matriz, pois ainda "não cortara o cordão umbilical que (...) prendia ao cinema primitivo. Até na produção americana e européia da época encontram-se muitos exemplos desse retardamento."1

Se por um lado temos o caráter artesanal da primeira obra de Humberto Mauro, por outro verificamos que a transposição de formas a um contexto social tende a deformá-las, ou melhor, transformá-las e muitas vezes superá-las (como é o caso de O cortiço de Aluísio de Azevedo em relação a L’assommoir, de Émile Zola). No artesanato de Humberto Mauro, um exemplo esclarecedor é a seqüência final de Thesouro perdido (1927), quando o personagem Pedrinho decide salvar Suzana, seqüestrada por Manoel Faca. Invade a casa, dispara um tiro (que não vemos – uma elipse inovadora para a época) no facinoroso Dr. Litz (Alzir Arruda), e enfrenta a fúria de Manoel Faca. Este investe contra Pedrinho, vem em nossa direção até seu rosto ocupar quase toda a tela. Há um corte e vemos patas de cavalo em disparada. Segue-se então sucessivamente cenas de luta e cenas de patas de cavalo trazendo Brasílio (Bruno Mauro), irmão de Pedrinho. Manoel Faca vai levando a melhor sobre Pedrinho, estrangulando-o; até que este saca um punhal, crava-o em Manoel, que morre ali mesmo. Em Griffith, a montagem paralela se constitui em dois focos, sendo que a chegada a tempo de um restabelece a harmonia ameaçada. Em Thesouro perdido, o primeiro resolve-se sem nenhuma intervenção. À primeira vista, um equívoco narrativo, mas uma resolução que explicita a dignidade do personagem de Pedrinho, um homem típico da Mata.

Em 1937, Humberto Mauro realizou a primeira incursão no filme histórico e educativo, O Descobrimento do Brasil, com toda a grandiosidade requerida pelo assunto, guiada pela poderosa música de Villa-Lobos. Apesar da caprichada inauguração e do requinte técnico dessa experiência, ao longo da história do nosso cinema este transformou-se, sobretudo no período da ditadura militar, em um filão cheio de obviedades e de oportunismos utilizados pelas várias "visões de cultura" do Estado.

Mas o apogeu da produção de Mauro em Cataguases foi em 1933, com a primeira produção da Cinédia, Ganga Bruta. Embora reconhecido hoje como um clássico, permaneceu por muito tempo no ostracismo, foi redescoberto 30 anos depois e é considerado uma das principais fontes do Cinema Novo. Glauber refere-se ao filme como "um clássico às avessas": expressionismo, documentário realista, western, erotismo, melodrama de aventuras – não como dissonâncias, mas "como visões que ganham um só movimento fílmico, corporificadas por um constante elo de lirismo que é a substância da mise-en scène de Mauro"2

Digressão sobre Limite

Engendrando um tipo de cinema extremamente inovador para a época, Limite, de Mário Peixoto abriu novos caminhos para o cinema brasileiro. Na contracorrente da produção nacional, o diretor construiu, com uma bela iluminação e grande habilidade (câmera de Edgar Brazil, um dos maiores iluminadores do cinema brasileiro), uma obra hermética e fascinante, que empolgou os membros do Chaplin Club, sobretudo Plínio Sussekind da Rocha, um precursor da crítica cinematográfica nacional.

Utilizando como metáfora uma canoa perdida no oceano, o filme, com seus três personagens que remam para destino incerto, exprime-se por meio da resignação diante da pujança negativa do exterior; como se entre nossos desejos e seus fins houvesse uma trajetória que, por incerta, impedisse sua realização. Com influências explícitas da avant-garde francesa, Limite reivindica a necessidade da arte cinematográfica, negando o simples entretenimento. Retomado nos anos 60, esse ideário foi reverenciado sobretudo pelo Cinema Marginal.

Favor e capitalismo: a Vera Cruz

O cinema, que nos anos 20, sobretudo em São Paulo, conhecera relativo apogeu, na década posterior sucumbiu ante o produto externo, estagnando na produção, realizando, salvo alguma exceção, documentários políticos, principalmente para o partido integralista.

A elite burguesa paulista, que cultivava seu status cultural desde os áureos tempos do café, teve o ápice desse status no final da Segunda Guerra, quando produções, por exemplo, de Lúcio Costa, Brecheret, Segall, enriqueceram a província. Essa atmosfera ganhou solidez com a fundação do Teatro Brasileiro de Comédia, do Masp, do MAM e com a abertura da 1ª Bienal. Assim, tivemos em São Paulo as bases necessárias para a primeira instituição cinematográfica de fôlego no país, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949).

Essa democratização da cultura, aliada ao mecenato de uma burguesia industrial, resultou na produção de filmes que visavam superar, aos olhos burgueses, a moral duvidosa das chanchadas produzidas no Rio – com baixo orçamento e retornos consideráveis.

Talvez ainda mereça uma maior verificação as relações entre a chanchada e a ditadura Vargas e a pornochanchada e a ditadura militar – mas ao parodiar os filmes americanos, principalmente os musicais, a chanchada incorporou a malandragem macunaímica do carioca na contramão do projeto de país que encontrou seu auge no Estado Novo.

A sátira, uma forma dolorosa de autocrítica, é principalmente uma expressão de repulsa e de vontade de combater.

A Vera Cruz ignorou toda a produção nacional anterior, visando atingir a qualidade ainda não encontrada. Essa pretensão necessitava de grande investimento em equipamentos e montagem de estúdios, de contratação de grandes técnicos, artistas de alto nível. Essa tentativa de mesclar mecenato com uma atitude puramente capitalista evidenciava o desconhecimento da indústria cinematográfica, um empreendimento calcado em um fator econômico, a distribuição. A contradição intrínseca resultou no malogro, em 1954. Entretanto, mesmo em uma jornada de desastre anunciado, alguns filmes tematizaram questões brasileiras essenciais como Sinhá Moça (escravismo) e O Cangaceiro.

A internalização da não-contemporaneidade

Nos anos 60, o cinema encontrava-se em uma de suas esquinas. Tendo cooptado a cultura popular e a alta cultura, para prejuízo de ambas, a indústria cultural explicitou sua capacidade de expansão, deglutindo até mesmo a crítica. No contra-ataque, surgiu a proposta de um "cinema de autor". Transposto para o Brasil, esse reflexo adquiriu uma face anticolonialista, presente sobretudo em Glauber Rocha, em especial em Deus e o diabo na terra do sol (1964). Completamente sintonizado com seu tempo, comprometido com a construção de "um cinema novo contra um cinema mecânico", imerso nas propostas políticas explosivas de resistência e reação nascidas nos países do Terceiro Mundo, Glauber iniciou sua trajetória em busca do "despojamento que vem do verdadeiro artista no seu contínuo diálogo com a realidade, uma relação dialética que o leva à crítica e à prática transformadoras."3

Se o método narrativo clássico – explorado pela indústria – se constitui por um tipo de discurso objetivo, naturalista, com tendência universalista, o empenho do cineasta, disposto a descobrir novos rumos para sua arte, é no sentido inverso, e o caso de Glauber é paradigmático. É o que vemos em seu primeiro longa-metragem, Barravento (1961): câmera na mão, descontinuidade, elipse nos momentos de condensação da narrativa, descentralização do narrador (centrofixo) – elementos manipulados com maestria em Deus e o diabo.

Quase como obrigação, neste ponto é necessário se referir a uma obra de apenas um ano antes – Vidas secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, baseada no romance de Graciliano Ramos – que, por caminhos muito diversos, que chacoalham pelo silêncio, tortura o nervo sempre exposto de nossa injustiça social. Optando pelo mergulho mais profundo que o cinema pode fazer para dentro de uma realidade circunscrita, Vidas secas radiografa um país de sofrimento porque de indiferença – e o faz utilizando na investidura ficcional a construção documental, que jamais foi ou será isenção, imparcialidade: é jogo aberto, é indignação. E continuando o ritual de abençoada obrigação, é preciso também se referir a outros dois filmes que justificam o ano de 1965 em nosso cinema: A hora e vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos, e São Paulo S.A., de Luiz Sérgio Person. O primeiro, por traduzir – com excelência – a luminosa versão do sertão de Guimarães Rosa. O segundo, por flagrar a malaise do processo de implantação da indústria automobilística no país, talvez o início dessa deformidade conhecida entre nós como neoliberalismo.

Voltando a Glauber, seu segundo longa-metragem, também situado no sertão, antecipa o porvir – origem da convicção de Antônio das Mortes, momento de maior criação do filme que, ao pensar em si, pensa a totalidade, compreendendo sua contradição – e que deve ser revolucionada pela "grande guerra".

O que se apresenta inconscientemente em Humberto Mauro, explicitando uma vida social específica, aqui surge internalizado, subvertendo a ordem, pois o que antes manifestava-se sem a percepção do artista, agora é exposto e exorcizado, tornando-se característica definidora de um processo de exploração, a periferia como reflexo do centro: "eu sou o outro!". A estética da fome é a ótica do ocupado – segundo Paulo Emilio, o principal procedimento para a criação no subdesenvolvimento.

Há filmes que escapam da usual classificação de qualidade – exercício em nossos tempos tornado banal pela ausência de compromisso. Acima dos gostos, tornam-se essenciais. É o caso de Terra em transe (1967), o mais provocador e profético dos filmes de Glauber. Desespero e advertência. Uma referência amarga a se revisitar sempre, sempre – se disposição e coragem houver para refletir sobre nossa condição, mesclada ou não, de povo-política-intelectualidade, contaminada até a alma pela abjeção da "razão cínica" – mas contraposta ao sonho humano, explicitado por Sara (Glauce Rocha): "que outra ambição pode haver, que não a da felicidade – entre gente solidária e feliz?"

O fim da teleologia: O bandido da luz vermelha

É transparente, no ideário cinemanovista, uma interpretação "dualista" do país, um padrão que nutre nossa filmografia até hoje. Brasil arcaico versus Brasil moderno – e sua originalidade nunca se encontra no espaço urbano-industrial. O filme de Rogério Sganzerla, O bandido da luz vermelha (1968) chama nossa atenção para a dificuldade e os problemas na busca de uma identidade cultural em um país de capitalismo tardio – e destoa acidamente da obra de Glauber: o filme finaliza com a queima da imagem de São Jorge.

Revisando o papel do artista frente à conjuntura brasileira – regime militar e modernização –, o filme propõe uma análise sui generis do país, vinculada a um tipo de estética que busca no kitsch sua força, tendo como referência Pierrot, le fou, de Godard. Ao absorver a cultura de mercado, O bandido desmascara nossa modernização conservadora, transformada em um local abjeto, onde a lei é do "salve-se quem puder". Intervir nesse processo por meio da subversão, da citação da mercadoria, demonstrando sua manipulação social que interfere em e reconstrói a identidade. "Quem sou eu?", pergunta o bandido que se debate na resposta em partes incongruentes, formando um todo em que prevalece a voz de radialistas. E conclui: "Posso dizer de boca cheia: eu sou um boçal!" e "um cara assim só tinha que avacalhar para ver o que saía disso tudo". É a convicção da força sem limite da modernização, destruindo nossa herança cultural e tudo mais.

O lugar que surge na tela é constituído de dejetos de um mundo inatingível, o caos é a cidade (a Boca do Lixo) – não um mundo, mas o Terceiro Mundo –, a constatação final de que passamos, no imaginário da história, do centro para a periferia sem, na verdade, nunca termos saído desta.

Novos tempos

Passados os anos 60 e com eles a tendência de filmes-sínteses preocupados com a vida social, ainda que com exceções, o cinema brasileiro buscou sua reconciliação com o público, e procurou, às vezes de modo simplista, o imaginário brasileiro. Sustentado pelo apoio estatal (Embrafilme), o grupo cinemanovista vê-se compelido a assumir a postura do establishment, buscando desesperadamente sua fatia no mercado. Surgiram adaptações de Jorge Amado e Nelson Rodrigues – muitas vezes brilhantes –, construindo as bases para a elegia da brasilidade, que tanto sucesso fez na televisão. Como se todo o capital estético acumulado não tivesse mais sentido nesse novo Brasil de velhas relações sociais.

Às voltas com mercado, censura, pressões advindas do poder – como o incentivo aos filmes históricos –, o cinema brasileiro recusou-se a sucumbir, engendrando por vezes soluções magníficas, em que se utilizou até mesmo de algumas dessas tantas interdições, como no caso de Os inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade: uma página de incontestável importância da nossa história, mesmo aos olhos do poder... contada com brilhantismo em toda sua vileza e degradação.

Na busca do povo, "revalorizaram-se" temas nacionais vistos de soslaio pelo cinema dos anos 60, como a religião e o futebol. Foi o surgimento do chamado novo cinema popular, que teve seu maior expoente em Nelson Pereira dos Santos (Amuleto de Ogum e Tenda dos milagres). Nesta fase, foi inegável a presença de algumas questões abordadas pelo Cinema Novo, mas em grau diferente, pois o nacionalismo militante não ocupava mais a posição central.

Na contramão, persistindo em uma análise totalizante, filmes como Iracema, uma transa amazônica, Bye bye Brasil, Tudo bem e Idade da terra renovaram o debate sobre a posição do país em processo, explicitando a necessidade de politização do cinema brasileiro. Com o fim do processo desenvolvimentista, o que vem à tona é a inocência de nossa pretensão de se vincular ao centro do capitalismo, por meio de uma modernidade conservadora, que ao invés de encurtar alargou nossas diferenças sociais. Como é evidente, a questão tem implicações estéticas, pois se o colapso da modernização nos levou a uma posição "estática", à margem do processo, quais os procedimentos necessários para retomarmos a contemporaneidade? Caminhos apontados, como o de Um céu de estrelas (1998), de Tata Amaral, indicam uma trajetória a ser seguida e afirmam a necessidade da retomada de nossa experiência, cuja representação maior, sem dúvida, é a tragédia.

Olga Futemma é documentalista na Cinemateca Brasileira.

Adílson Inácio Mendes é graduando de História na Unesp de Assis, bolsista da Fapesp.