Cultura

Nesta entrevista, ele aborda a crise da universidade pública e fala do papel do intelectual e do lugar da cultura na construção da nação

Um dos maiores críticos literários do Brasil, autor entre outros do clássico História concisa da literatura brasileira e do instigante e inovador Dialética da colonização, Alfredo Bosi é atualmente diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP. Nesta entrevista, ela aborda a crise da universidade pública brasileira e nos fala do papel do intelectual e do lugar da cultura da na construção da nação.

Quais as conseqüências das políticas neoliberais na universidade?
As universidades públicas brasileiras foram concebidas e instaladas dentro de um amplo contexto político e cultural que conjugava a ação do Estado-Providência com um projeto de desenvolvimento nacional.

Esse projeto foi ganhando consenso e consistência a partir dos anos 30 e chegou à maturação ao longo dos anos 60. O seu poder de convencimento conseguiu articular setores ideológicos díspares como o liberalismo ilustrado paulista, responsável pela criação da USP em 1934, e o nacionalismo intervencionista dos governos centrais, representado por estadistas do porte de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

A esse ideário político-cultural clarividente e generoso devemos a constituição da universidade brasileira e a criação de agências de apoio à pesquisa e à pós-graduação, tais como CNPq, Capes, Finep, Fapesp e suas várias congêneres multiplicadas pelos estados.

Esse modelo de universidade pública e gratuita foi capaz de formar bons quadros profissionais sem descurar a pesquisa básica, particularmente nos chamados centros de excelência, mas, como é sabido, o modelo passou a ser contestado e, no limite, combatido quando o trator da ideologia neoliberal resolveu “modernizar” o sistema universitário, isto é, entregá-lo à competição nua e crua do mercado global.

Assim, em vez de reforçar gradualmente o sistema universitário público, corrigindo as suas mazelas, mas sustentando a sua estrutura científica e pedagógica, a tônica do novo discurso, subsidiado pelas empresas de ensino e pelas agências mundiais de crédito, foi a do ataque indiscriminado à “ineficiência”, à “insuficiência” e ao “esbanjamento” dos recursos que grassaria na maioria de nossas universidades públicas.

Ao mesmo tempo, uma política também indiscriminadamente “pluralista” foi dando aval oficial a numerosas empresas de ensino sob o pretexto de que era necessário atender com urgência à demanda de um alunado crescente que não consegue ter acesso às universidades públicas. Ao mesmo tempo, e contraditoriamente, acusa-se a universidade pública de ter poucos alunos e excesso de docentes. Pergunto: por que não ampliar, seletiva e gradualmente, o número de vagas dessas universidades instituindo cursos noturnos onde couberem? A razão parece óbvia: ampliar e melhorar são verbos que implicam realocações de recursos em função de áreas sociais críticas, como a Educação e a Saúde; o que o “ajuste neo­liberal” não pretende fazer, amarrado como está à chantagem financeira mundializada.

Neste quadro, como o senhor vê o crescimento do ensino privado?
O crescimento do ensino superior privado já é um fato de proporções consideráveis; certamente, pelo menos 70% dos atuais ingressantes estão cursando universidades particulares. Desde 1980, o Ministério de Educação aprovou a criação de cerca de 300 mil novas vagas nas faculdades particulares. A propaganda que estas fazem é enorme, o que revela o grau da competição financeira envolvida.

Mas, apesar da cálida simpatia que alguns maus conselheiros têm mostrado por essas empresas, ditas elogiosamente “competitivas” e “agressivas”, ficou evidente (a partir do “Provão” e dos estudos feitos pelo Instituto de Estudos Avançados, a pedido do reitor da USP, professor Jacques Marcovitch) que é praticamente só a universidade pública e gratuita que sustenta a pesquisa de alto nível e longo prazo no Brasil. O mesmo se diga de boa parte dos cursos de graduação. Entre as doze primeiras universidades colocadas, englobando 425 cursos, dez pertencem ao sistema público, que, como se sabe, não separa do ensino as atividades de pesquisa. Fazer estagnar a pesquisa nas universidades públicas, ou circunscrevê-la a apenas alguns centros, é retardar o amadurecimento de um projeto de desenvolvimento nacional auto-sustentado. Por que universidades de âmbito regional amplo como as da Amazônia, do Nordeste e do Centro-Oeste deveriam restringir-se a dar aulas de graduação? Porque é mais barato? O barato, diz o povo, pode sair muito caro. Em vastas áreas do país a universidade pública e gratuita é o único locus onde se congregam pessoas interessadas não só no conhecimento científico como na elevação da qualidade de vida das suas regiões. A universidade pública de âmbito regional só tem a ganhar em credibilidade se concentrar os seus programas de pesquisa no conhecimento da área em que foi implantada.

O que o senhor acha das propostas de dissociar ensino e pesquisa nas instituições universitárias?
Li, estupefato, certas declarações que me pareceram incompreensíveis na boca de especialistas do Banco Mun­dial que se pretendem mestres em avaliação do desempenho alheio. Medice, cura te ipsum. Para quem conhece o que significou para o ensino das disciplinas básicas a criação das faculdades de Filosofia a partir dos anos 30, essa proposta de dissociar a figura do docente universitário do seu dever de pesquisar soa como um disparate reacionário. Se nos ativermos apenas à história da USP (há paralelos em outras universidades), salta aos olhos o papel insubstituível que exerceram pesquisadores-docentes do porte de Roger Bastide, para o ensino básico de Sociologia; de Lévi-Strauss, para o ensino de Antropologia; de Braudel, para o de História; de Monbeig, para o de Geografia; de Wataghin, para o de Física, de Dreyfus, para o de Biologia, além de tantos outros.

Por mais de trinta anos, pesquisador e professor formaram uma sólida unidade; uma figura que a pós-graduação a partir dos 70 só fez multiplicar. De resto, o professor-pesquisador em tempo integral é o pivô de todo o sistema público de pós-graduação, e responsável pelo bom nível que já alcançamos.

Ora, estimular, por motivos pragmáticos míopes, o funcionamento de cursos de graduação aguados e rasos, é o mesmo que condenar a universidade à rotina e ao atraso da repetição. Lembro o depoimento que o professor Marcelo Damy deu à revista Estudos Avançados, nº 22, sobre a revolução que o ensino da Física conheceu quando um pesquisador da altura de Wataghin começou a ensinar, em 1935, a Física do começo do século 20, desconhecida até então pelos repetidores de manuais do século 19! Diz Damy: “O próprio conceito de átomo e de sua constituição com núcleo e com elétrons circulando em órbitas, que é a concepção de Bohr, de 1913, não era ensinada no Brasil. Conhecíamos apenas a concepção de átomo de Leucipo (séc. V a.C.))”. O mesmo vale para as outras disciplinas básicas, que deram saltos enormes quando passam a ser lecionadas por pesquisadores em tempo integral.

Curiosamente, essa idéia oficial de sancionar “graduações sem pesquisa” surge em nome da “modernidade” (Modernidade! quantos dislates se cometem em teu nome!); e tem, de fato, a ver com o recente modelo armado por desavisados conselheiros do Ministério: cogumelar escolas onde se passe uma “cultura de receituário”, e estancar ou reduzir os centros de excelência que são, afinal, os únicos capazes de formar sistematicamente profissionais de boa qualidade, e injetar uma verdadeira modernidade cultural em um projeto nacional que, não por acaso, os mesmos conselheiros consideram ou obsoleto ou utópico.

Quer dizer: preconiza-se uma “universidade”-para-massas sem pesquisa, mas a pagamento. Um produto supostamente barato, mas sem lastro e falso como tudo o que é feito só com vistas ao lucro imediato do empresário de ensino e à satisfação ilusória do aluno-consumidor. Um modelo de mercado prêt-à-porter.

Pergunto: Por que essas escolas treinadoras de mão-de-obra a curto prazo pleiteiam e recebem o nome e as prerrogativas de faculdade? O que tem a ver o ensino superior com o objetivo profissionalizante dessas empresas? Não seria o caso de o governo empreender uma política enérgica de expansão do ensino secundário diferenciado, quer investindo em colégios técnicos federais, estaduais e municipais, quer estabelecendo parcerias com escolas técnicas particulares de reconhecida idoneidade? Este me parece um caminho mais seguro e sensato do que drenar a corrente dos egressos do curso secundário para pseudo-faculdades de tipo empresarial. O fato de o ensino médio ter inchado nos últimos anos (pois a repetência vem sendo maquiada no curso primário) não justifica a criação açodada de um ensino “supe­rior” precário que, provadamente, se situa abaixo do nível da universidade pública. Mais uma vez, o falso moderno é sinal de atraso.

Por que a universidade não vem contribuindo para a formulação de um projeto nacional?
O estado de anomia intelectual e ética da sociedade em que vivemos não me parece favorável a esse verdadeiro tour-de-force que consiste em formular dentro da universidade um projeto nacional objetivo e, ao mesmo tempo, polarizador de energias.

A nossa era, como a definiu Hobsbawm, é dos extremos. De um lado, alta sofisticação tecnológica de nível internacional. De outro, barbárie e grosseiro oportunismo. O espírito crítico abstrato não avança, isto é, não cria o futuro, nesse vazio moral. Ele precisa de valores e de instrumentos políticos sólidos e flexíveis para propor e coadjuvar uma alteração significativa no atual esquema de forças. Ele precisa alimentar uma cultura de proposta para superar esta cultura de conformismo ou de reflexo que nos asfixia.

A universidade brasileira conta com excelentes cabeças e razoável infra-estrutura para repensar e repropor o projeto de desenvolvimento dos anos 50 e 60; projeto que, de resto, nasceu fora da universidade e a atraiu na sua dinâmica.

O que lhe falta ainda são duas virtudes cardiais, a fé e a esperança; ou, se preferirem usar a linguagem gramsciana, falta-lhe o “otimismo da vontade” que sabe conviver dialeticamente com o “pessimismo da inteligência”. Hoje, as cúpulas governamentais, adestradas em uma sociologia sub-weberiana medíocre e arrogante, ainda escondem sob a bela palavra “realismo” a sua triste atitude de conformismo. Cabe à universidade resistir a essa entrega inglória à violência do mercado pelo mercado. Todos estamos pagando caro a crença cega nas virtudes automáticas da modernização burguesa na qual apostaram os que desfrutam hoje do poder.

Como o senhor vê hoje o papel dos intelectuais e o lugar da cultura na construção da nação?
É salutar que os intelectuais sejam críticos, de acordo com uma corrente de pensamento que veio das Luzes e penetrou na cultura marxista. De todo modo, tendo a pensar, na esteira de um grande e solitário filósofo italiano do século 18, Giambattista Vico, que os jovens que só se exercem nas disciplinas críticas ficam áridos e “sem saber fazer nada, julgam de tudo e de todoss”.

Daí, os limites da atitude puramente crítica e abstrata; ela não deveria inibir nem retardar o aprendizado profundo da filosofia, das ciências, das técnicas, das letras e das artes de todos os tempos. Em outras palavras, o intelectual deve conhecer a fundo o que melhor se fez e se vem fazendo no seu ramo do saber e no seu campo de ação para ter condições de avaliar e, finalmente, escolher o objetivo público pelo qual vale a pena lutar.

Uma cultura vale pela sua capacidade de humanizar, pela palavra e pelos atos, as relações entre as pessoas, e entre as pessoas e a natureza. Uma cultura que humanize as relações sociais deve permear também o ideal político de nação. Projetos de nação baseados em antivalores como “raça”, “hegemonia” ou ditadura de uma classe, caíram no mais cruel autoritarismo ou na mais infrene demagogia. O intelectual orgânico do seu povo precisa escolher as prioridades essenciais e ignorar tudo que dispersa a mente ou amesquinha o coração. Olhar para frente.

Mas o senhor realça que a construção de uma alternativa no mundo de hoje tem que se dar a partir de uma cultura de resistência, que enfatiza a negação pelo sujeito crítico e transformador do caráter impositivo do sistema capitalista e da mentalidade burguesa alienante...
Não há outro caminho para a consciência crítica se não o da resistência ao império da mercadoria que vem penetrando até o mais íntimo das produções simbólicas do imaginário não só brasileiro, mas planetário, para não falar do estrago feito no cotidiano ético e político dos vários estratos de nossa sociedade. Ora, resistir sempre foi uma atitude árdua, que no passado custou a vida de muitos homens e mulheres; mas quer-me parecer que hoje o comportamento resistente se tornou particularmente difícil, porque os valores que lhe davam alento, como o socialismo, ou o racionalismo das Luzes, frutos ambos da modernidade, já não oferecem a boa parte dos intelectuais e dos políticos as mesmas sólidas certezas que animavam as gerações contestadoras formadas antes do pós-modernismo e do colapso da União Soviética. O capitalismo, a idolatria do mercado, o individualismo único, a anomia, o culto do fútil e do mediático e o consumismo cego, que há não muito tempo eram objeto de cerrada crítica da inteligência de esquerda, ganharam uma tal força nas mentes e nos corações que a resistência hoje só me parece viável se se materializar em contextos político-culturais bem articulados e perseverantes. É preciso re-socializar a inteligência crítica para que as consciências lúcidas não padeçam de um doloroso e injusto isolamento. A universidade, as igrejas progressistas, alguns movimentos sociais, grupos ambientais, partidos: eis uma gama diferenciada desses contextos em que resistir é possível.

Na conclusão de Dialética da colonização o senhor destaca que está cada vez mais difícil definir o que seria hoje a modernidade e que a pós-modernidade encobre dois fenômenos distintos, uma radicalização das tendências modernas, que ganham um caráter negativo, uma ultramodernidade, de um lado, um antimodernismo, uma resistência a estas tendências que pode ter um caráter bastante salutar, de outro. Quais são as implicações disso para o futuro da cultura brasileira?
Nas páginas finais da Dialética da colonização tratei das duas vertentes opostas que o conceito de pós-moderno traz em si. Há um pós-moderno que nada mais é do que o ultramodernizante, pois exaspera certos traços do capitalismo hegemônico a partir dos anos 70: a universalização do fetiche-mercadoria, a rapidez da comunicação tomada como um fim em si mesmo, a obsessão pueril do “maior” e do “mais”, a destruição dos valores comunitários e da memória, a devastação da natureza, o consumismo desbragado etc. E há o pós-moderno que dialetiza o moderno, desafiando o ultramodernista, pela valorização de tudo que é lesado pelo capitalismo selvagem.

Este pós-moderno (à falta de melhor nome) respeita a natureza e rejeita o “progresso” da poluição e da loucura metropolitana; honra o homem que está no trabalhador e o coloca acima da máquina produtiva e do cassino financeiro; ama a arte do passado de todos os povos como um legado a ser transmitido; não se curva ao nivelamento consumista da mundialização; recupera a dignidade dos vencidos que a colonização humilhou (e que no Brasil se chamam negro, índio, migrante); reconhece à mulher o papel central que ela deve exercer na democracia contemporânea; em suma, luta animosamente contra a maré de conformismo que está não só fora mas dentro de nós.

É claro que a cultura brasileira (letrada ou de massa) vive, como tantas outras, a hegemonia do ultramoderno e a exceção da resistência. Mas essa cultura é plural, não é um universo acabado e fechado. O espírito de resistência pode penetrar em todas as suas formas públicas. Na verdade, é o que vem acontecendo, mas não só (nem principalmente) dentro da universidade. É preciso procurá-lo na música, no cinema, no teatro, na poesia, no romance, mas pode encontrar-se também em grupos de estudo informais ou institucionais numa discussão entre amigos, numa reunião de comunidade de base, numa sessão de partido, em um encontro dos sem-terra com ou sem internet. É preciso estar à escuta para ouvir e entender os seus sinais. E saber que nem tudo o que é realmente importante em matéria de resistência sai nos jornais ou na televisão.

Qual a sua avaliação da greve das universidades de São Paulo?
A greve recente das universidades paulistas foi motivada por exigências de atualização salarial. Os salários públicos ficaram, em geral, estagnados após a implantação do Plano Real. É sabido que nem a moeda se estabilizou sem riscos e sustos, nem, muito menos, o custo de vida da classe a que pertencem os professores pode medir-se apenas pela cesta básica. Os preços subiram e continuam a subir em vários segmentos da economia, o que afeta diretamente as classes médias. A greve era, pois, legítima. Havia divergências quanto à previsão do ICMS, imposto do qual depende o orçamento da USP, da Unicamp e da Unesp. O Conselho dos Reitores mostrou-se todo o tempo bastante cauteloso nos seus cálculos, o que é compreensível; as associações de classe, ao contrário, estavam esperançosas em vista do comportamento do ICMS nos primeiros meses deste ano. A reivindicação dos grevistas era um aumento de 25%; o Conselho dos Reitores ofereceu, no início, pouco mais de 7%. O impasse foi superado, nos meados de junho, após sete semanas de greve, chegando-se ao meio-termo de 15%. Posso atestar, como integrante da Comissão de Mediação (ao lado de Antonio Candido, Aziz Abb’Sáber, Milton Santos, Dalmo Dallari e Gerhard Malnic), que as negociações finais se fizeram em um clima de respeito mútuo. O reitor da USP, professor Jacques Marcovitch, negou-se sempre a permitir que a polícia ocupasse o campus, mesmo quando a situação parecia grave, o que honra os seus princípios democráticos. Creio que o saldo positivo do movimento consistiu nos debates que os grevistas promoveram ao longo da mobilização, e que ensejaram um repensamento coletivo do papel da universidade pública no atual contexto social e político brasileiro.

Por que as universidades públicas são acusadas de elitismo?
Há um grave equívoco de avaliação no uso do termo “elitismo” quando se quer interpretar o fato de que, por exemplo, só 21% dos ingressantes na USP provêm de escolas secundárias oficiais e, portanto, 79% provêm de escolas secundárias particulares. O equívoco é duplo. Primeiro porque desconsidera a dimensão histórica do processo: há duas décadas atrás, a proporção dos ingressantes na USP que tinham cursado colégios estaduais era de 57%, logo quase três vezes mais alto do que a proporção atual. Isso quer dizer que não foi a USP que se “elitizou”, discriminando os alunos pobres; foi o ensino secundário estadual que se deteriorou, a ponto de vir perdendo pontos para o ensino particular.

Em segundo lugar, não há nenhuma “elitização” nos exames vestibulares, pois estes se pautam por normas acadêmicas de avaliação estáveis, que, obviamente não têm a ver com a renda familiar do vestibulando. A elitização, isto é, a diferença de tratamento dado às classes de baixa renda, já foi operada pela escola secundária pública, que não manteve o grau de qualidade necessário ao jovem para enfrentar o vestibular da universidade pública.

Foi a sociedade brasileira e, com ela, o Estado, que descumpriu a sua função de preparar o estudante de baixa classe média com o mesmo empenho que caracteriza as escolas particulares de bom padrão. Culpar a universidade pública pelo fraco aproveitamento dos candidatos de origem modesta é culpar os efeitos em vez de atacar as causas desse desequilíbrio crescente do ensino médio.

Recomendo ao leitor interessado dois documentos: Presença da universidade pública no Brasil, editado pela Reitoria da USP; e Eqüidade e heterogeneidade no ensino superior brasileiro, publicado pelo Nupes (Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior), da USP.

Deste último trabalho, baseado em estatísticas recentes, destaco a conclusão: “As instituições públicas de ensino superior, de modo geral, parecem estar desempenhando de forma mais satisfatória o papel da Educação – minorando e até mesmo revertendo desigualdades iniciais do alunado”. Uma prova evidente do desempenho realmente democrático das universidades gratuitas figura no mesmo documento ao constatar “que são as universidades públicas que mais formam estudantes negros ou pardos (20,1%). Já nas universidades privadas, o percentual de formandos negros e pardos é da ordem de 12%%”. Quanto à classe social, “são as universidades públicas que apresentam maiores proporções, comparativamente às universidades privadas, de formandos com baixa renda familiar”. O que desmente o mito da elitização econômica da universidade gratuita.

José Corrêa Leite é editor do jornal Em Tempo e membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate.