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Apesar dos governos federal e estadual,  prefeitura petista de Belém alcança índices altíssimos de aprovação e o prefeito Edmilson Rodrigues pode se reeleger no primeiro turno

Fundada em 1616, a partir da ocupação das terras indígenas pelos portugueses, a cidade de Belém é quase um arquipélago, recortada por canais, rios e igarapés e localizada às margens da Baía do Guajará, onde deságua o rio Guamá. De sua área total (51.569,30 ha) mais da metade está distribuída entre suas 39 ilhas. É toda essa água e mais o alto índice de chuvas que aliviam o calor característico do clima da região, quente e úmido.

Entre a metade do século passado e o começo deste, Belém viveu o ciclo borracha. São dessa época construções de grande porte preservadas no seu centro histórico. Igrejas magníficas, palácios, sobrados com azulejos portugueses, mercados, praças com coretos de ferro... O Teatro da Paz, na praça da República, e o Palácio Antonio Lemos, sede da prefeitura, são exemplos de um patrimônio arquitetônico admirável.

Com o fim do chamado ciclo da borracha, Belém entra no século XX como tantas outras cidades brasileiras, com problemas de administração e de infra-estrutura, de políticas públicas e de investimentos. Contudo, o município de 1,6 milhão de habitantes continua sendo o "portal de entrada da Amazônia".

Belém tem uma forte tradição política oligárquica. No Pará a política é exercida por famílias que têm o domínio da terra. A família Mutran – como menciona o deputado federal Paulo Rocha, presidente do PT paraense – é um exemplo: "em Marabá, no sul do estado, a família Mutran domina todo o processo político da região, a partir do controle de reservas de terras, castanhais, de riquezas naturais. Influenciam os processos eleitorais, elegem o prefeito, fazem dos filhos deputados etc.". Alguns nomes históricos que dominavam a política paraense e tinham visibilidade nacional são assim classificados por Paulo Rocha: "Hoje, algumas lideranças que tinham força na época da ditadura militar passam a linhas auxiliares do governador do estado Almir Gabriel (PSDB) e do senador Jader Barbalho (PMDB). Por exemplo, o coronel Alacid Nunes é uma linha auxiliar da política de Almir Gabriel. Os jarbistas, que têm origem em Jarbas Passarinho, ora estão com Jader, ora com Almir Gabriel".

O PT surge principalmente no interior do estado, por meio da organização dos trabalhadores rurais e das pastorais; na capital os movimentos sindical e popular alavancam o processo de construção partidária. Em Belém, Lula ganhou de Collor em 89 e de Fernando Henrique nas duas eleições; Valdir Ganzer, candidato a governador em 94, ganhou de Jarbas Passarinho e empatou com Almir Gabriel. Naquela mesma eleição Edmilson Rodrigues obteve expressiva votação para o Senado. Nas eleições de 1996, em meio a uma guerra entre candidatos da direita, a candidatura dos partidos de esquerda (PT, PSB, PCdoB, PPS, PSTU, PCB), encabeçada por Edmilson, saiu da marca de 2% nas pesquisas de opinião, superou as dificuldades iniciais e venceu os dois turnos da disputa pela Prefeitura de Belém.

Para o deputado federal Valdir Ganzer, derrotar os grupos históricos foi a maior vitória. "As elites que governaram Belém enriqueceram ao longo da história desviando recursos. Depois de 381 anos, menos de 5% da cidade tinha saneamento, quase a metade da população estava morando nas baixadas, onde nem carro podia chegar, em lugares onde as crianças se misturavam com lixo, fezes... Essa elite que governou Belém devia estar na cadeia".

O que mudou
Depois de quase quatro anos, a gestão do Governo do Povo tem 89% de aprovação da população (55% de avaliação ótima/boa e 34% regular), sendo que 71% atribui-lhe nota de 7 a 10, segundo pesquisa realizada em agosto deste ano pelo Instituto Acertar/Venturi Consultoria.

Chamado a citar as principais mudanças ocorridas na cidade, o prefeito Edmilson Rodrigues inicia por aquelas que denomina "intangíveis": "são as mudanças culturais que se realizam por um esforço de recuperar a auto-estima do povo, a partir da recuperação da sua própria identidade histórico-cultural. A Cabanagem foi retomada como um ícone do passado que deve ser relembrado, mas, acima de tudo, deve inspirar as lutas do presente com o objetivo de construir um futuro justo, solidário, que eram os objetivos dos cabanos, nossos antepassados. É a recuperação da formação étnico-cultural, pois cada vez mais belenenses têm orgulho de herdar o sangue tupinambá".

Parte da historiografia sobre a Cabanagem analisa o episódio como uma autêntica revolução popular e os cabanos como exemplo do "povo no poder". Diante disso, a participação popular é o ponto do modo petista de governar que mais traduz o discurso do prefeito. Ela tem sua maior expressão no Orçamento Participativo, que determina e controla 100% dos investimentos públicos. O número de participantes no processo a cada ano vem batendo recordes: em 1997, o OP reuniu aproximadamente 15 mil cidadãos; em 1998 25 mil; em 1999 esse número dobrou e neste ano já atingiu 100 mil. A maioria das demandas da população se traduz em mais de 200 obras de drenagem e asfaltamento de ruas e avenidas, instalação de centenas de quilômetros de tubos para saneamento, construção de escolas e postos de saúde.

Uma inovação do OP implantado em Belém é o OP da Juventude, criado a partir da constatação de que grande quantidade de jovens participava das assembléias e depois desaparecia. Agora, com espaço próprio, a juventude comparece em massa. As assembléias tem registrado de 10 a 15 mil jovens que reivindicam basicamente obras e serviços nas áreas de cultura, esporte e lazer.

"Mais de 30% dos que participavam das 27 assembléias distritais eram jovens. Quando eram eleitos os delegados já diminuía o seu número e quando se elegiam os conselheiros diminuía mais ainda. Ou seja, a juventude participava mas não tinha espaço nos debates, seus anseios não eram compatíveis com o da maioria da população. As pessoas queriam drenagem, pavimentação, água potável...", explica o prefeito.

Na avaliação da vice-prefeita, Ana Julia Carepa, a partir do OP a administração muda substancialmente sua relação com a população, o que justifica a alta popularidade do governo. "Quando a gente faz um governo com participação popular, estamos também dando oportunidade para que as pessoas tenham uma visão da cidade. As pessoas discutem a sua rua, sabem o orçamento da cidade, conhecem as limitações, entendem que ele se faz por meio de impostos, discutem o desenvolvimento da cidade, decidem como aplicar o recurso e fiscalizam cada obra". Além de decidir sobre as obras a serem executadas, a população acompanha o andamento dos serviços, da licitação até a entrega, por intermédio das Comissões de Fiscalização (Cofins).

Paulo Rocha acredita que a concepção do OP na cidade ainda pode ser aprimorada: "A prefeitura tem controle da estrutura do orçamento e do seu funcionamento. O coordenador é nomeado pelo prefeito, quando deveria sair das próprias organizações populares. O governo deve criar as condições de funcionamento para que a própria sociedade organizada possa estruturar e dirigir o processo. Isso é algo a ser pensado". Segundo o regimento do conselho do OP, dele participam apenas dois membros do governo, sem direito a voto; os 44 que têm direito a voto não são do governo. "Isso para nós é um princípio, não atrelar o processo de participação às decisões de governo, o que nos obriga a estar permanentemente buscando construir junto ao povo uma hegemonia, a partir do que acreditamos. Não significa que tudo que levamos à população nós aprovamos...", afirma o prefeito.

O cerco econômico
Belém sempre foi muito dependente de repasses federais e estaduais e tem sido muito penalizada com a atual política econômica imposta aos municípios. Para se ter uma idéia, a capital recebia uma cota-parte de ICMS, repassada por direito constitucional, de 39%. Ou seja, dos 25% que o estado tem que dividir entre todos os municípios, 39% iam para Belém. Em dezembro de 96, o governo estadual enviou um projeto à Assembléia Legislativa reduzindo essa cota-parte para 33%; depois, por decreto, reduziu-a para 25% e a partir de janeiro deste ano para 24%. Isso significa uma perda de cem milhões de reais. Além disso, contabiliza Edmilson: "perdemos com a Lei Kandir e com o Fundo de Estabilização Fiscal proporcionalmente mais do que qualquer estado do Centro-Sul e do Nordeste. A Lei Kandir interfere diretamente em produtos exportados ou exportáveis primários ou de baixo valor agregado. O máximo de produto industrializado que se exporta na Amazônia é o lingote do alumínio, praticamente matéria-prima para ser transformada em material industrialmente aproveitável. O resto dos produtos industrializados tem baixíssimo valor agregado".

Nessa situação a Amazônia toda é penalizada e principalmente o Pará, pois, segundo o prefeito, somente a Vale do Rio Doce deixa de recolher nos últimos cinco anos, desde a criação da Lei Kandir, pelo menos uns 600 milhões de reais. De positivo, nesse aspecto, só houve o crescimento da arrecadação do IPTU. Há três anos a cidade – com 1,6 milhão de habitantes – arrecadava cerca de R$ 18 milhões de IPTU. Hoje esse valor chega a R$ 22 milhões, que somados à taxa de limpeza urbana leva a arrecadação a R$ 27 milhões.

O município teve perdas significativas em recursos federais, o governo do estado reduziu o repasse de recursos, mas o cerco montado pela elite local se dá ainda pelos meios de comunicação, como lembra Valdir Ganzer. "Os poucos recursos na nossa mão rendem tanto quanto um salário mínimo para uma família que tem três filhos. E tu entras na casa dela e está tudo arrumadinho, parece que ganha seis salários. Já a elite belenense não colocava os recursos a serviço da maioria do povo. E hoje ela nos acusa de ter avermelhado a cidade, dizem que funcionário da prefeitura usava roupa azul e agora é vermelha; que as paradas de ônibus de azuis passaram a vermelhas e a sinalização etc. Quando não conseguem atacar o partido, partem para o ataque a suas lideranças".

A experiência administrativa democrático-popular também tem se empenhado em atenuar os efeitos da política econômica dos governos federal e estadual, principalmente o desemprego. A primeira medida da gestão Governo do Povo foi a adoção da bolsa-escola, programa que concede um salário mínimo a cada família de baixa renda que mantiver os filhos na escola. Já foram beneficiadas aproximadamente 20 mil crianças. Dessas,cerca de 1.500 viviam nas ruas, em "situação de risco", e hoje estão reatando os laços familiares. Já o Banco do Povo tem uma linha de crédito, com juros bem abaixo dos praticados no mercado, destinada àqueles que querem desenvolver pequenos negócios. De outubro de 98 a junho deste ano já foram liberados R$ 3,5 milhões para o financiamento de pequenos empreendimentos.

Valdir Ganzer, que foi secretário de economia, lembra como surgiram os Laboratórios Organizacionais de Terrenos (LOT), programa de orientação sobre como formar empresas ou cooperativas populares, a partir de financiamentos do Banco do Povo. "A família recebia a bolsa-escola por dois anos. Se depois disso não tivesse alguma melhoria, voltava à estaca zero. Agora, os pais são chamados para participar de treinamentos. O governo do povo, junto com outras instituições, dá durante quarenta dias treinamento intensivo para determinadas práticas profissionais: pedreiros, marceneiros, alguns vão trabalhar com comida típica, roupa, aprendem a administrar de forma geral. Por exemplo, os projetos que a prefeitura está desenvolvendo nas praças – estacionamentos, quiosques de alimentação, banheiros públicos etc. – são cuidados por cooperativas. Há famílias que ganham dois, até três salários, mais do que ganhavam com a bolsa-escola, que foi repassada pra outra criança".

O pato no tucupi, prato típico da culinária regional, faz de Belém uma das cidades brasileiras onde mais se come pato no Brasil. No entanto, a ave consumida vem basicamente do Canadá e de estados do Sul do país. Agora, por intermédio do programa de treinamento e do acompanhamento do Banco do Povo, famílias inteiras das ilhas de Cotijuba, Outeiro e Mosqueiro, regiões de beira de rio, estão se dedicando à criação de pato tendo em vista o abastecimento do mercado local.

Marcas de uma gestão
Todos os projetos implementados pela Prefeitura de Belém estão estabelecidos dentro das sete marcas de governo, cada uma delas envolvendo diversas secretarias num trabalho completamente integrado. A primeira delas é "Dar um futuro às crianças", marca que já conquistou vários prêmios – como o "Prefeito criança" concedido pela Abrinq pela segunda vez a Edmilson. Na tentativa de zerar o déficit educacional, foi construída em média uma escola a cada dois meses de governo, e hoje o índice de crianças entre sete e quatorze anos fora da escola é de 4%, e só não foi zerado porque o estado reduziu o número de vagas no ensino fundamental e fechou o turno intermediário. Para estimular não somente a permanência de crianças carentes na escola como também a iniciação nas artes circenses, foi criada a escola-circo, freqüentada pelo aluno no outro período da escola regular, e que deve atingir 800 vagas neste ano. "Essa experiência é uma verdadeira revolução, pois pegar meninos e meninas que estavam nas ruas, cheirando cola, roubando e transformá-los em profissionais de circo emociona qualquer pessoa séria", relata Ganzer. Já por intermédio do projeto "Sementes do amanhã", quase trezentas crianças que trabalhavam catando lixo em um aterro sanitário urbano passaram a freqüentar a escola, praticar esportes e ter acompanhamento na área de saúde na própria sede do projeto.

Uma outra marca, "Sanear Belém", inclui projetos de drenagem e macrodrenagem, e pavimentação de ruas, além de manter e aperfeiçoar o sistema de limpeza urbana, que foi modernizado com o uso de microtratores com carrocinhas, containers e pequenos caminhões compactadores, para realizar a coleta de lixo em áreas de baixada, de ruas estreitas de difícil acesso e por onde o caminhão não passava. "Na cidade não existiam serviços de coleta de entulho, que se amontoavam pelas esquinas. Hoje, a coleta de resíduos sólidos domiciliares na cidade é de porta a porta, regular e universal", segundo o secretário Eduardo Pasetto.

Praticamente dois terços das obras realizadas sob essa marca são demandas do Orçamento Participativo.

Em termos de serviços públicos, nem sempre é muito fácil identificar o que é de competência de quem entre as esferas de poder. É visível a qualquer um que o grande, se não o maior, problema da cidade está na área de saneamento, compreendendo-se aí também o abastecimento de água e esgoto. A prefeitura realiza a limpeza urbana, parte de drenagem e pavimentação de vias, sendo o esgoto sanitário e o fornecimento de água potável de responsabilidade do estado. A administração municipal optou por ativar uma autarquia criada há 30 anos pela Fundação Nacional de Saúde, para ter governabilidade sobre a política de saneamento em todos campos. "Já que a empresa estadual não faz, nós estamos num processo jurídico e político para retirar do estado esta concessão e assumir esse serviço, como Santo André e Diadema fizeram. Não conseguimos fazer isso, mas não ficamos à espera. Ativamos essa autarquia, que é o Serviço Autônomo de Água e Esgotos", esclarece o prefeito. Com recursos próprios, foram implantados sistemas de abastecimento de água e fossas. A prefeitura fez chegar água a 120 mil cidadãos, mas há ainda 400 mil carentes desse serviço.

Belém tem a maior parte da sua população vivendo em área de baixada, alagadas ou alagáveis. São beiras de rio que foram ocupadas. Andando por uma avenida, muitas vezes não imaginamos que estamos numa área de baixada, porque foi aterrada. São muitas as bacias hidrográficas dentro da cidade. Somente na parte central são cinco. Contudo, dentro dessas bacias há áreas saneadas, que já foram aterradas e nas quais foram construídos condomínios e prédios de classe média. De modo que nem todos os habitantes da bacia vivem os problemas na mesma proporção. Mas o sistema público de esgoto sanitário na cidade não chega a 5%.

Ainda segundo o prefeito, "Belém não é uma cidade doente porque chove diariamente, de modo que as impurezas são lavadas. Mas a maior parte dos imóveis desvia os seus dejetos sanitários para o sistema de drenagem da cidade. Então, o sistema de drenagem, feito para receber as águas do próprio rio ou as da chuva, passa a receber as ligações, que neste caso já nem são tidas como clandestinas, uma vez que se tornaram tão comuns, pois a maioria dos edifícios e casas de classe média tem seus dejetos dirigidos a um sistema pluvial. Então, por isso, apesar de o sistema de esgoto ser muito limitado, a cidade funciona, as pessoas ligam suas fossas para a rua. Um sistema não apropriado, pois é feito pela prefeitura para águas pluviais e não para esgoto sanitário". O que em outro lugar é tido como ligação clandestina, em Belém foi assimilado como natural.

"Saúde para todos" é também uma marca estratégica para a administração. Municipalizado no início dessa gestão, o serviço de saúde causa uma certa confusão na população sobre a quem compete o quê. Está em construção o segundo pronto-socorro da cidade, com previsão de atendimento para 280 mil pessoas, para desafogar o único pronto-socorro do Pará, que atende cerca de 60% da população belenense e ainda os pacientes que vêm do interior do estado, onde não há atendimento emergencial. No serviço hospitalar encontramos um outro exemplo da tentativa do governo estadual de desestabilizar a administração municipal. De acordo com Valdir Ganzer, "o governador Almir Gabriel fechou os serviços de urgência e emergência de todos os hospitais estaduais. O único hospital que tem urgência e emergência no Pará é o Pronto-Socorro de Belém. O governador distribui ambulâncias para todas as cidades trazerem seus doentes para Belém cuidar. No ano passado, 46% da população atendida nesta unidade era de fora da cidade. É mais uma vez a prefeitura cumprindo o papel do governo estadual. Triplicamos o número de postos de atendimento no município".

A marca "Revitalizar Belém" trabalha a revitalização paisagística, levando em conta a arquitetura, inclusive a recuperação do patrimônio histórico, e a revitalização econômica e cultural da cidade, tentando com isso reduzir a exclusão social. Vários prédios históricos já foram recuperados, muitas foram as praças inauguradas, pois afinal Belém é a cidade das praças, o que dá a ela "uma vida de rua", além dos projetos que abriram a cidade para o rio.

O Ver-o-peso, um mercado na margem da baía, pré-fabricado em ferro inglês, onde se vende quase de tudo, é o cartão-postal da cidade. Sua remodelação foi um projeto decidido pelo Orçamento Participativo e envolve praticamente todas as secretarias. Tanto a do mercado como patrimônio histórico como a da feira ao lado, com 2.200 barracas. "Atrás de cada barraca há duas pessoas, e normalmente uma barraca sustenta uma família, com uma média de cinco pessoas, então você tem mais de 10 mil pessoas que dependem do Ver-o-peso. Além disso, ele tem uma importância simbólica para a cidade, 30% das linhas de ônibus passam por lá, algumas sem necessidade, mas historicamente é considerada uma estrutura radial", segundo o coordenador do "revitalizar Belém", José Raiol, secretário de urbanismo. Por décadas, a imagem do mercado tem sido de uma favela em pleno centro da cidade. No projeto de restauração do mercado cada ambulante passará a fazer parte de um conjunto de 24 barracas sob uma tenda, "proporcionando uma reorganização espacial e a manutenção de postos de trabalho". Há várias experiências em que a gestão da questão urbana "não é mais só um problema de arquiteto, não é só o traçado, o desenho, mas sim uma série de ações que leve em consideração a economia, a cultura, o aspecto ambiental, a relação com o entorno urbano, enfim, a cidade no seu contexto mais amplo", finaliza o secretário.

"Transporte humano" é a marca de governo que determinou como prioridade nesses quatro anos o transporte coletivo. Nesse sentido, entre as principais medidas estão a modernização da frota de ônibus, a implantação de linhas de ônibus convencional e de microônibus, e o fim de monopólios de empresas. A cidade tem a menor tarifa entre as capitais do país – 70 centavos – e reduziu em 6% os acidentes de trânsito graças a ações preventivas e de fiscalização.

"Participação popular" e "valorização do servidor público" ocupam lugar destacado na administração da cidade, e por isso traduzidas em marcas de governo. A primeira encontra explicação no fato de ser o OP o modelo de gestão pública escolhido. Com relação à segunda, o prefeito fala com um certo orgulho, pois se considera relativamente bem-sucedido na relação com os servidores públicos municipais e avalia que talvez seja o único prefeito petista de uma grande cidade que não enfrentou nenhuma greve de servidores em quase quatro anos.

Relações delicadas
Ao que tudo indica, o relacionamento entre prefeitura e câmara municipal não tem sido dos mais amistosos. São 33 vereadores, doze pertencem aos partidos que hoje dão sustentação ao governo. Eventualmente esse número pode ser maior com a adesão de alguns vereadores mais sensíveis ao perfil da atual administração.

Edmilson diz ter governado sob permanente tensão. A vice-prefeita vê alguns raros momentos de trégua em quatro anos de enfrentamento sistemático. Os secretários foram reiteradas vezes convocados a depor nas diversas CPIs instauradas pela câmara. "Basta um taxista ir até um vereador e dizer que o presidente da Companhia de Transportes está fraudando qualquer coisa, que imediatamente é aprovado um requerimento de CPI, de pedido de esclarecimento, de convocação, nunca é feito um convite", indigna-se o prefeito, que se nega a atender às convocações dos vereadores.

Para o líder do governo na Câmara, vereador Arnaldo Jordy, do PPS, o relacionamento atritado deve-se antes de tudo ao fato de os vereadores terem estabelecido uma oposição sistemática, motivada por razões de natureza política, independentemente do mérito das matérias em pauta e também por erro do governo em adotar uma postura de confronto com a câmara.

Entre os momentos de maior tensão entre Executivo e Legislativo estão as votações da peça orçamentária. "Com o Orçamento Participativo criou-se um mecanismo absolutamente legítimo em que a população é chamada a decidir sobre os investimentos públicos da cidade. Mas isso não pode tirar o direito da Câmara Municipal de apreciar o orçamento. Essa foi uma conquista da redemocratização do país a partir da Constituição de 88", argumenta o vereador que assumiu a função de líder do governo em 99.

Então como equacionar interesses dos dois poderes, respeitando as decisões da população? Jordy explica que a maioria das obras do OP está vinculada a determinadas rubricas que têm investimento nas atividades fins. Então não se mexe nessas rubricas, mas é possível apresentar uma emenda parlamentar no valor de 20 mil reais retirando recursos, por exemplo, da comunicação, ou de despesas de custeio de alguma secretaria que porventura estejam superestimadas. "Neste ano tivemos uma experiência vitoriosa. Estabelecemos uma cota de emendas parlamentares no valor de no máximo 50 mil reais, com o compromisso do Executivo quanto à execução de emendas até esse limite. Pela primeira vez, tivemos a aprovação do orçamento sem grandes agressões".

Uma outra relação também delicada, porém menos conflituosa e sem os enfrentamentos relatados anteriormente, se dá entre governo e partido. Paulo Rocha, presidente do PT no estado, não mede elogios ao falar do prefeito e da administração em geral, mas torna-se crítico quando o assunto é a relação estabelecida com o partido. "O partido foi sufocado pela estrutura de governo. Esse erro deve ser corrigido. Há uma concepção centralizadora da parte dos companheiros que estão no governo, que acabam não dialogando melhor com o partido. Então, os dirigentes partidários ficam submetidos à força que têm o governo, o secretariado e o prefeito".

Segundo o dirigente partidário, as conseqüências dessa conduta são prejudiciais ao próprio PT, que acaba muitas vezes surpreendido com decisões do governo e desprevenido para o diálogo com a sociedade. "Quando houve a decisão sobre o aumento do IPTU, por exemplo, não se estabeleceu um canal de comunicação com o partido capaz de prepará-lo para dar respostas à sua base social". Já o prefeito alerta para o fato de o partido não perceber que a dinâmica de governo não comporta tantas reuniões para uma tomada de decisão e pondera que "o PT está no governo e seus militantes estão em cargos chaves".

"No início da administração, o PT montou um secretariado exclusivamente petista – com exceção do Padre Bruno, que foi indicado pela Fundação Papa João XXIII, mas que acabou não aceitando –, quando na verdade a chapa foi eleita por uma frente de cinco partidos". Quem protesta é Jordy, do PPS, que, como ele diz, foi o segundo partido em votos na coligação que apoiou Edmilson, mas que não participou da administração nos dois primeiros anos.

Hoje o cenário é o seguinte: Edmilson Rodrigues é candidato à reeleição, candidatura aprovada em convenção do PT por unanimidade. Valdir Ganzer é o candidato a vice-prefeito. A coligação de partidos que apóia os dois é composta por PT, PSB. PPS e PCdoB. Ana Julia é candidata a uma expressiva votação à vereança. Paulo Rocha aposta na construção de um fórum com os partidos aliados capaz de estabelecer um diálogo permanente e democrático com o governo num segundo mandato. O otimismo é contagiante, o cenário político no estado do Pará para as forças do campo democrático-popular é dos mais favoráveis e a vitória, quem sabe em primeiro turno, na cidade de Belém uma possibilidade.

Rose Spina é editora-assistente de TD.