Nacional

A revolução nas comunicações, uma tolerância menor por parte da população e novas experiências administrativas estão contribuindo para um salto qualitativo na maneira como a sociedade reage à corrupção

A corrupção na política brasileira vem aumentando?

Aparentemente, sim. Nos nove primeiros meses do ano passado, por exemplo, os leitores dos principais jornais e revistas do país foram apresentados a nada menos de 432 casos de corrupção. A medição foi realizada pelo grupo Transparência, Consciência & Cidadania (TCC-Brasil), de Brasília, a partir de notícias veiculadas em seis dos maiores jornais diários e três revistas semanais. Mais da metade desses casos dizia respeito ao Executivo – federal, estadual e municipal. O restante estava centrado no Legislativo e no Judiciário. Ou seja: mais de um novo caso de corrupção ao dia vindo à público. Uma avalanche de denúncias.

Infelizmente a medição começou a ser realizada somente a partir de 1999 – e não temos dados de outros anos para fazermos comparações. Mas se fosse possível comparar o número de casos relatados em 1999 com o número de casos aparecidos na imprensa em qualquer ano da década de 70, por exemplo, muito provavelmente constataríamos que a corrupção hoje é bem maior do que o era no passado. Será? O número de casos aparecidos na imprensa reflete o grau de corrupção real?

Na década de 70, vivíamos sob uma ditadura militar que censurava ferreamente a circulação de informações. Se naquela época a informação circulasse livremente, é possível que tivéssemos essa sensação de "avalanche" também. Basta lembrar que, apesar da censura, diversos casos de relevância vieram à tona, como o caso Capemi (a Agropecuária Capemi, gerida por militares, ganhou uma concorrência considerada viciada em 1980 para exploração de madeira no Pará), o caso Coroa Brastel (escândalo financeiro de 1984 envolvendo o grupo Coroa Brastel que emitia letras frias, supostamente com o beneplácito de autoridades federais), para não falarmos das dezenas de obras faraônicas paralisadas pelo país.

Objetivamente a corrupção não pode ser medida. Isso porque as transações corruptas são feitas às escondidas. O que se tem medido em anos recentes é a percepção que as pessoas têm de quanto a corrupção vem aumentando ou não.

Exemplo disso são as medições divulgadas pela ONG Transparência Internacional desde 1995 – sistematizadas no Índice de Percepção da Corrupção. Para o ano de 1999, foram incluídos 99 países nesse índice – sendo que o Brasil ocupou a 44ª posição no ranking. O levantamento é feito a partir de pesquisas de opinião levadas a cabo em diferentes países. Os questionários são aplicados, em sua maioria, a executivos de empresas, em geral multinacionais. Eles respondem a perguntas objetivas, tais como: com que freqüência o senhor precisa pagar propinas para ter contratos fechados com governos? As respostas são pontuadas e, no final, obtém-se um índice para cada país.

De novo, o que se está medindo não é a corrupção em si, mas a percepção que se tem dela. No caso – e porque a Transparência Internacional é uma iniciativa empresarial – a de executivos.

Salto qualitativo

Lendo a imprensa nos últimos tempos, é possível intuir que há novidades no ar quando o assunto é corrupção. De uma maneira geral, parece haver um salto qualitativo na maneira como a sociedade reage a este problema. A tolerância da população em geral com relação ao desvio do dinheiro público parece ter diminuído muito e há uma maior disposição na imprensa em investigar e denunciar (amparada por um Ministério Público mais independente e atuante do que no passado).

São centenas de prefeitos cassados no estado de São Paulo; houve a cassação recente do senador Luiz Estevão; o juiz Nicolau dos Santos Neto do TRT/SP foi obrigado a se foragir; em Cariacica (ES), mais da metade dos vereadores foram presos; o prefeito de Londrina perdeu o mandato (para não falar do prefeito de São Paulo afastado e depois reinstalado no cargo); e nos dias em que este artigo era escrito o presidente Fernando Henrique Cardoso via-se ameaçado pelo pior escândalo político de sua administração, com suspeitas respingando em auxiliares muito próximos a ele no passado recente.

No que diz respeito à mídia, é verdade que os posicionamentos políticos e interesses de cada grupo noticioso acabam influindo, muitas vezes, em que tipo de denúncia será veiculado – o destaque que ganhará, o empenho na cobertura. Mas – e até por um motivo de concorrência de mercado (nos últimos anos as fontes de informação multiplicaram-se e se diversificaram – na imprensa, no rádio, TV e internet) – a disposição para publicar é maior do que no passado.

E não é só isso: as coberturas de casos de corrupção, pelo menos em escândalos recentes, estão associando mais diretamente corrupção a prejuízos diretos ao cidadão. No caso do TRT/SP, por exemplo, o desvio de verbas gerou a não realização da obra e a permanência das juntas de Trabalho em prédios inadequados, com demora excessiva nas decisões e desconforto para quem recorre à Justiça de Trabalho – é o rouba mas não faz. No escândalo da máfia dos fiscais em São Paulo estabeleceu-se uma vinculação direta entre o roubo e as enchentes, o desvio do dinheiro e o buraco da rua etc.

A corrupção, de uma maneira geral, parece estar mais desnudada no país – e não somente por conta do número de casos aparecidos nos jornais e revistas e TVs. É preciso não esquecer também que agora toda e qualquer CPI é televisionada ao vivo – algumas com maior audiência do que outras, é verdade, mas revelando em detalhes o funcionamento de práticas corruptas. O fato de não convivermos mais com a hiperinflação também contribui para este desnudamento: no passado, roubava-se mas as distorções inflacionárias permitiam mais "rolagens" de dívidas, mais "empurramentos" com a barriga, mais maquiagens na gestão de verbas públicas do que hoje em dia. Atualmente, rouba-se e a conseqüência disso não demora a aparecer.

Internet
Está ficando mais difícil roubar o dinheiro público – e a tendência é que os corruptos tenham, no futuro, que sofisticar seus métodos. Nesse processo, um fator importante é a revolução nas tecnologias de comunicação, particularmente a internet. A rede de computadores difunde informação – e informação (porque tem o efeito de revelar ou, para usarmos uma expressão do educador já falecido Paulo Freire, desocultar) é uma arma eficaz contra a corrupção.

Do ponto de vista da cidadania, qual a principal novidade da internet?

Há quem ache que a rede de computadores marca uma revolução na política. Um dos defensores mais conhecidos dessa tese chama-se Dick Morris, ex-assessor do presidente Bill Clinton entre 1978 e 1996, que publicou nos EUA no ano passado o livro Vote.Com. O livro foi um fiasco de vendas (20 mil cópias) e foi recebido com menosprezo por boa parte da crítica. Mas traz alguns insights que podem ser úteis.

A tese central de Morris é de que a internet possibilitará a realização da democracia direta: no futuro, a rede propiciará aos cidadãos acesso direto à tomada de decisões. Os representantes políticos seriam informados o tempo todo dos reais desejos daqueles que representam – que expressariam suas opiniões e demandas por meio de votações on-line sobre os temas relevantes.

Nos EUA, onde 75 milhões de pessoas (30% da população total) usam a internet, talvez essa seja uma utopia, digamos assim, menos utópica do que no Brasil. Aqui são apenas 1,5 milhão conectados (menos de 1% da população). E, ainda assim, conectados em um país com desigualdades sociais tão grandes que, se estas excluem a grande maioria de coisas básicas como o acesso ao saber, o que se dirá da tomada de decisões?

De qualquer maneira – e voltando para o tema da corrupção – os 1,5 milhão talvez não sejam tão poucos assim. Isso porque na rede, mal ou bem, a informação circula livremente e a custos muito baixos. Quem vai proibir que se solte um dossiê sobre corrupção na rede?

É interessante chamar a atenção para o número de sites que se desenvolvem na internet brasileira que versam sobre cidadania e ações anticorrupção. Não há registros disponíveis, mas é possível citar alguns exemplos. Há sites de instituições, como o da TCC Brasil e o da Transparência Brasil – preocupados em estabelecer redes de contato anticorrupção e disponibilizar artigos, textos, análises.

Há outras iniciativas, como o Memória de Elefante, mais voltado para a cidadania, e a Homepage dos Corruptos. Essa última é baseada em uma idéia bastante simples: colocar em uma página os nomes dos políticos citados pela mídia em corrupção. A iniciativa, ao que parece, é de um cidadão comum – que com certeza não investiu mais do que R$ 200 para pôr a página no ar. Em quase um ano de atividade, a página recebeu mais de 80 mil visitas. É pouco? Uma pessoa a um custo de R$ 200 se comunicando sem intermediários com outras 80 mil pessoas, é pouco? Acho que não.

A novidade da internet é muito mais essa do que a possibilidade de comprar sem sair de casa. A rede é uma mídia extraordinária, pois coloca à disposição do cidadão um enorme potencial tecnológico – o que traz conseqüências para muitas esferas de nossa vida cotidiana, inclusive para a política. E no que diz respeito à corrupção, torna a vida dos corruptos um pouco mais insegura.

Isso é um lado da questão. O outro é que a rede de computadores pode, de fato, propiciar uma transparência saudável na gestão da administração pública. Na Prefeitura de Santo André (SP), por exemplo, a modernização administrativa – apoiada na tecnologia de informações e disponibilização de dados em rede – vem conseguindo eliminar entraves burocráticos no acesso a serviços para o cidadão. Isso é central para reduzir a corrupção: eliminam-se os intermediários entre o cidadão e a informação pública. Naquela cidade, a informatização significou um barateamento na oferta de muitos serviços, como certidões negativas de dívidas, fornecimento de plantas de terrenos etc.

O interessante na experiência é a sua irreversibilidade. Ou seja: a próxima administração, ainda que queira, dificilmente conseguirá voltar aos velhos padrões, pois a informação já está em rede – e o público já se habituou ao novo sistema.

Se pensarmos no caso do município de São Paulo, quais não seriam as conseqüências de, por exemplo, disponibilizar dados das administrações regionais, através de postos com computadores? Boa parte da base de poder de vereadores corruptos vem exatamente da falta de transparência nesses órgãos: o político vira um intermediário porque as pessoas não têm acesso. Disponibilizar informações com certeza contribuiria para quebrar essa base de poder de uma maneira mais profunda – em uma perspectiva de longo prazo de mudança sistêmica da maneira como a administração pública opera.

A questão da corrupção ganha uma nova qualidade porque vivemos em tempos de grandes transformações que afetam todos os aspectos de nossas vidas cotidianas e também a política. Corrupção é o mau uso do cargo público para a obtenção de ganhos privados. A revolução nas comunicações, novas experiências administrativas e uma menor tolerância por parte da população – que associa cada vez mais corrupção a prejuízos na qualidade de obras e serviços públicos – são fatores que estão contribuindo para uma mudança (para melhor) no enfrentamento deste problema.

Rogério Pacheco Jordão é jornalista e autor de Crime (quase) perfeito – Corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil.