Economia

Não ignorando os obstáculos políticos e econômicos, a esquerda pode e deve oferecer alternativas ao modelo neoliberal, apresentando as linhas gerais que devem balizar a construção de um projeto voltado para os reais interesses do povo e da nação brasileiros

A partir de 1979, os EUA, via política fiscal, restauram o dólar como o equivalente geral da economia mundial, retomam sua hegemonia e instauram em seguida o maior poder imperial surgido no capitalismo1. Para a periferia internacional, o resultado foi abdicar da soberania nacional e adotar submissamente políticas neoliberais, pondo suas economias sob os desígnios dos EUA. Aos efeitos da "crise da dívida" da década anterior, somaram-se os destas políticas, aumentando a desestruturação das economias nacionais e agravando a crise do Estado e do balanço de pagamentos2.

A dinâmica do atual modelo

O exame destas duas últimas décadas, na América Latina, não deixa dúvidas3. A crise mostrou a supremacia do capital financeiro, exigindo a quebra de nossa soberania nacional, liberando as vias para sua intermitente valorização. Isto exigiu: desmantelar o Estado; desregulamentar entrada e saída de capital; abrir o comércio e a finança; transformar várias instituições em cassinos financeiros; privatizar e desnacionalizar nossas melhores empresas. Tudo com a submissão e o aplauso de nossos governos e de parte de nossas elites.

Essas políticas resultaram em débil crescimento médio anual para nossos países nos últimos doze anos: taxas altas em três ou quatro anos, baixas em outros tantos, e débeis ou negativas em outros três ou quatro. Mas seu maior efeito foi o aumento das importações (bens e serviços) muito acima das exportações, acumulando enormes déficits externos, exigindo mais financiamento externo e maiores pagamentos de amortizações e juros, aumentando ainda mais o financiamento e a dívida externa pública e privada. O investimento direto financiou parte disto, mas gerou crescentes remessas de lucros, acima do aumento das exportações.

Isto contamina as contas públicas internas, pela esterilização do alto influxo de divisas, ampliando a dívida pública interna (que, no Brasil, quintuplicou desde o Plano Real). O aumento dessas duas dívidas impõe extorsivas taxas de juros que ampliam ainda mais o déficit público, quebram empresas nacionais e inutilizam os sacrifícios dos cortes nos gastos sociais. A estabilidade monetária obtida graças aos altos juros e valorizações cambiais é também perniciosa, distorcendo os preços relativos e alterando as priorizações privadas de investimento. Há ainda seus efeitos sociais: queda do salário real, aumento do desemprego, da violência e deterioração dos serviços sociais, presentes em quase todos os países e cidades.

Essa dinâmica conduz a economia a um desastre cambial, com violenta desvalorização do câmbio, do que pode resultar reativação de exportações, redução ou estagnação das importações e "retomada" do crescimento. Mas a ilusão dura pouco: à medida que se acentue o crescimento, a dinâmica do modelo reporá o processo, as importações voltarão a crescer, o consumo se expandirá, o financiamento externo retornará e nova crise surgirá em pouco tempo, com o que, nova recessão, mais desemprego etc.

Reformas ou ruptura radical?

Por isso, não há como "reformar" parcialmente o modelo, embora alguns ingênuos creiam nisso. Se os juros baixam, o capital externo foge e implode o modelo; se os gastos sociais crescem, o orçamento explode, pelo alto peso dos juros; restringir importações é difícil, face à reestruturação já feita nas empresas e à desestruturação de cadeias produtivas; se estimularmos exportações, nos acusarão de subsidiá-las, sofrendo retaliações externas. Por isso propomos a ruptura com o modelo atual, retomando a soberania nacional e o manejo da política econômica, transitando para outro modelo com alto crescimento da renda e do emprego, voltado principalmente (mas não exclusivamente) para o mercado interno e a população de baixa e média rendas.

Esta alternativa não é a equivocada idéia de uma autarquia econômica: a proposta é de alterar nossa inserção externa, por meio da integração com os integráveis, a reformulação do Mercosul e a ampliação de seu espaço. Procura ampliar nossas tradicionais correntes de comércio, porém em bases mais justas e dignas para nós. Esta proposta implica enfrentar fortes interesses cristalizados pela adoção das políticas neoliberais, pela globalização e reestruturação. Elas ampliaram nossos constrangimentos externos, que já eram elevados face ao endividamento externo, dificultando ainda mais a formulação e execução de um novo projeto nacional de desenvolvimento econômico e social. Esses constrangimentos podem assim ser resumidos:

- a dívida externa, embora parcialmente renegociada, cresceu, pressionando ainda mais o balanço de pagamentos e exigindo contínua ampliação do financiamento externo;

- a Tríade, com seu discurso e suas políticas multilateralistas, estreitou o campo da negociação bilateral. Além disso, é ela que concentra os maiores benefícios da multilateralização. A fácil adesão brasileira à Rodada Uruguai e à OMC reforçou ainda mais nosso comprometimento internacional;

- as novas empresas transnacionais, por meio de alta reconcentração privada de capital, ampliaram muito seus poderes monopólicos de mercado, financeiro, tecnológico e de decisão para o investimento interno;

- as transformações tecnológicas que, entre outros, nos causam os seguintes problemas principais:

a) substituição de trabalho (principalmente o menos qualificado), fator abundante nos países subdesenvolvidos, e ampliação do desemprego estrutural;

b) substituição de produtos tradicionais (aço, cobre, chumbo, açúcar de cana, etc.), basicamente produzidos aqui, por outros produzidos pelas novas tecnologias, notadamente nos países desenvolvidos;

c) grande e rápido sucateamento de equipamentos e instalações relativamente novos, estruturados no antigo padrão tecnológico;

d) necessidade de grandes investimentos em infra-estrutura adequada às novas tecnologias;

e) incerteza sobre o futuro de parte de nossa agricultura que, no início do século, graças à biotecnologia, poderá perder parte de nossas vantagens atuais;

f) "transferência implícita" de países desenvolvidos para subdesenvolvidos de grande parte da produção que causa graves danos ecológicos ou que consome muita energia (aço, alumínio, celulose etc.);

g) com as privatizações e rupturas dos monopólios públicos, o Estado encolheu ainda mais o investimento, perdendo a capacidade de conduzir as principais políticas setoriais e regionais;

h) o predomínio das decisões pelas transnacionais dirige o progresso técnico para setores mais compatíveis com a distribuição regressiva da renda ou que a acentuam.

A crise da dívida externa, os erros de nossa política econômica e outras adversidades dos últimos vinte anos geraram um formidável conjunto de constrangimentos internos inibitórios à solução da crise:

- o recente processo de estabilização não garante que novas desvalorizações cambiais e remarcações de preços e tarifas públicas não venham a recrudescer a inflação. Ela está em níveis baixos devido à recessão, ao retardamento das remarcações, à grande queda real de preços agrícolas internos e externos. Some-se a isso a inadiável necessidade do equacionamento da dívida interna;

- deterioração do Estado, fragilização fiscal e financeira, corrosão, incapacidade de planejamento e de política econômica, deterioração qualitativa do funcionalismo público e da eficiência administrativa;

- o efeito acumulado da redução do investimento público nos últimos vinte anos deteriorou quase todos os serviços públicos básicos e a própria infra-estrutura;

- há urgente necessidade de readequação das empresas estatais e de reexame das privatizações agendadas;

- o atraso tecnológico relativo de vários setores produtivos;

- a debilidade do sistema nacional de financiamento de longo prazo;

- a ausência de vontade política das elites para formular um projeto nacional. Estas, em grande parte, se converteram em rentiers, beneficiando-se ainda da livre entrada e saída do capital para o exterior.

Considerados os anos em que estamos ficando à margem do processo de reestruturação tecnológica e o tempo necessário para alocar recursos e investimentos necessários à recuperação do que deixou de ser feito nas duas últimas décadas (estradas, telecomunicações, saneamento básico etc.), não é difícil prever que nosso "atraso" rumo à Terceira Revolução Industrial já contabilizaria algo em torno de quarenta anos.

Formulação de alternativas

A esse atraso técnico e material, junta-se o cultural e social, ampliado no período. É preciso definir como objetivos básicos do projeto: retomar altas taxas de crescimento da renda e do emprego; implantar políticas científica, tecnológica e cultural autônomas; responsável conservação ambiental; distribuição de renda e de ativos. Apenas a instituição de uma economia solidária é insuficiente para enfrentar a questão social, e mais ainda para as questões do crescimento e do emprego. Há que aprofundar e detalhar o diagnóstico macroeconômico e social e examinar as perspectivas externas, para demonstrar que a continuidade do atual "modelo" aprofunda cada vez mais a crítica situação do Brasil.

Há que desmascarar as absurdas propostas para implantar a dolarização, a "moeda única latino-americana", ou a conversibilidade de nossa moeda, cujos efeitos tirariam o resto de poder nacional do país, ampliando o dos EUA. Devemos denunciar também as propostas para criar a Alca e o Acordo Multilateral de Investimentos, que aprofundariam a atual submissão do país e do continente. Se entendido que o atual "modelo" não comporta "meros reparos", e sim ruptura, só nos cabe propor uma alternativa progressista e democrática a esse fascismo de mercado, o que exige uma clara consciência dos problemas a enfrentar e o esclarecimento da nação sobre suas dificuldades e seus efeitos. Significa portanto entender que:

- é inadiável a ruptura com o atual modelo, substituindo-o pelas alternativas propostas;

- é indispensável reestruturar as dívidas interna e externa, para desafogar a crítica situação das finanças públicas e do balanço de pagamentos;

- é imprescindível o controle drástico do câmbio e dos fluxos de capitais do e para o exterior;

- é necessário reestruturar os mecanismos de proteção tarifária e não tarifária e rever nossos acordos e obrigações internacionais (OMC, Mercosul);

- é necessária uma rigorosa reformulação das diretrizes que regem as instituições financeiras públicas e privadas, criando um novo sistema financeiro para garantir a alocação priorizada do crédito e conter a especulação;

- dada a restrição interna (pública) e externa de recursos, que poderá piorar após a ruptura, as alternativas deverão buscar, no início, a utilização de capacidade ociosa da economia, minimizando e priorizando as necessidades de novos investimentos, mormente dos que demandem elevados recursos externos;

- para a transição, é indispensável a implantação de uma política emergencial de abastecimento e, posteriormente, uma política de segurança alimentar;

- será impossível a consecução destas proposições sem que se faça uma completa e urgente reformulação dos aparelhos de Estado voltados para a implantação das alternativas e seu acompanhamento.

Advirta-se mais uma vez que os propósitos acima podem gerar vários conflitos externos (EUA, FMI. Bird, OMC, banca internacional etc.) e internos (elites, partidos à direita, empresários, sistema financeiro, alguns sindicatos etc.), exigindo portanto a prévia construção de um novo e difícil pacto de poder político.

Este implicará negociações com partidos, sindicatos, empresariado, regiões e setores, exigindo acurado preparo político. Sem isto, é difícil pensar em alternativas dentro da democracia. Mas um agravamento maior (interno e externo) da crise internacional diminuiria as dificuldades políticas. Se o pacto não se realizar até as eleições, seus proponentes (um partido ou coligação partidária) deveriam apresentar a proposta à opinião pública, na campanha eleitoral, como condição básica para o exercício do mandato no caso de vitória.

Alternativa não-neoliberal

A alternativa proposta privilegia a criação de um amplo mercado interno de massas, pois os constrangimentos internos e externos apontados impedem a escolha por apenas um único e determinante vetor de crescimento, seja o "drive exportador" ou o hacia dentro com forte aumento do investimento interno. A exclusiva opção interna exige elevados investimentos públicos e privados nos próximos dez anos para repor os não realizados nos últimos vinte anos. O modelo também não evitaria altas e necessárias importações de máquinas e insumos.

Somos um país continental e de grande população, mas não contamos com grande produção de alta qualidade para poder transformar nossas exportações na variável determinante da renda. Isso no passado foi possível com o café, para nós, e o milho, trigo e carne, para a Argentina; hoje isto não é mais possível. Há que selecionar setores menos demandantes de importações, que aumentarão face à necessária modernização de alguns setores exportadores. Assim, qualquer dos dois vetores nos coloca problemas sérios de financiamento interno e externo e portanto de inflação e balanço de pagamentos. Mas o crescimento possível com qualquer deles – isoladamente – é pequeno e insuficiente para dar conta do desemprego e de nossa crise social.

Por isso é necessário uma estratégia que não se concentre num só vetor, mas que utilize "de tudo um pouco". Ela contemplaria vários setores ao mesmo tempo, priorizando atualização tecnológica de alguns segmentos, escalonando no tempo o uso dos recursos mais escassos (câmbio e finanças públicas). Mesmo assim, uma combinação "ótima" de setores/tempo/espaço pressionaria a capacidade de pagamentos externos, obrigando-nos a reforçar a política de exportações.

Para atingir nossos objetivos, temos que nos libertar do neoliberalismo. Para isto é imperativo e urgente que se formule uma estratégia para um programa: organizado – para não deixar só ao mercado a "solução" de problemas econômicos e sociais; defensivo – porque temos a maior estrutura industrial do "Terceiro Mundo" e ainda muito a perder em ativos e empregos se permitirmos a continuidade da atual política neoliberal. Para isto é imprescindível reestruturar o Estado para retomar soberanamente os destinos da política econômica e social. Isto exige a elaboração de quatro complexos projetos interdependentes:

1) Para evitar que a inflação retome níveis altos e para arbitrar perdas decorrentes da política de estabilização com maior justiça social, tal projeto deve ser implementado simultaneamente a algumas das reformas propostas, sinalizando necessidades e oportunidades de inversão privada que estimulem o crescimento e impeçam a fuga ou a realocação especulativa de capitais. Há que formular uma política de abastecimento para itens de alimentação, cuja demanda crescerá com o aumento do emprego. Nos principais bens-salário (têxtil, calçados e confecções), há capacidade produtiva ociosa, mas será necessário fiscalizar seus preços. Para rever a efetiva variação do custo de vida é preciso reexaminar as estruturas de cálculo dos índices de preços, muito afetadas pela valorização cambial e pela queda real dos preços agrícolas.

2) Uma difícil engenharia política que repolitize a economia para uma ampla negociação nacional, que passe não apenas pelos partidos políticos, e que examine, discuta, negocie e promova os atendimentos possíveis à população – notadamente às classes médias e baixas – e à economia. Tal negociação deve "passar a limpo" as relações trabalho/capital; as da interação das pequenas, médias e grandes empresas; as do tripé capital estrangeiro/capital nacional público/capital privado; e as dos interesses e conflitos inter-regionais.

3) É preciso um conjunto de reformas estruturais para que se possa fazer a "arrumação da casa", para formular as políticas de curto, médio e longo prazos. É sumamente importante lembrar que estas reformas, em sua maior parte, devem ser implantadas concomitantemente, mas sempre que possível ou necessário, convém escalonar algumas em desdobramentos de curto, médio e longo prazo:

- reforma do Estado: para ganhar maior agilidade administrativa, equacionando e reabilitando o funcionalismo público, reinstaurando o sistema de planejamento, de política econômica e de priorização do gasto público;

- estudar e propor pautas adicionais de exportação e importação que poderão ser criadas via acordos especiais, com ampla integração comercial com a América Latina e outros países periféricos, principalmente com os três outros "continentais" – China, Índia e Rússia. As pautas teriam caráter complementar entre o Brasil e esses países, expandindo as vendas de produtos de difícil ingresso nos demais mercados;

- equacionamento do serviço da dívida externa, condicionado à nossa capacidade fiscal de amortizá-la e compatibilizado com um orçamento cambial que ampare a retomada do investimento e do crescimento;

- equacionamento da dívida pública interna, para disciplinar as contas públicas e conter a pressão estrutural sobre a taxa de juros. Todas as dívidas entre órgãos públicos deverão ser examinadas para uma possível e simples compensação. Dado que as três esferas de governo encontram-se financeiramente comprometidas, esse equacionamento deverá abranger a todas. O alongamento das dívidas públicas poderá ser atenuado para a alocação direta ou indireta de recursos em investimentos privados aprovados pelo governo, em caráter prioritário, bem como no pagamento de dívidas vencidas com órgãos públicos;

- políticas fiscal e tributária com maior eqüidade, para readequar as contas públicas regionais e locais, simplificar o sistema tributário nacional e normalizar as finanças exigidas por um Estado eficiente e justo;

- reestruturação do sistema financeiro nacional para dificultar a especulação, fortalecer o mercado de capitais e solucionar nosso estrutural estrangulamento do financiamento de longo prazo;

- reformas sociais (agrária, abastecimento, urbana, saúde pública, previdência social, educacional e ambiental) projetadas tanto para ataques emergenciais aos problemas dos mais carentes quanto para se atingir toda a sociedade, numa perspectiva de prazo maior, certamente superior ao de um mandato presidencial;

- reforma da empresa, visando adequá-la aos novos requisitos produtivos, administrativos e financeiros e permitindo maior transparência em seus resultados, sua eficiência e seu papel social numa sociedade moderna e mais justa.

4) O desenho estratégico do "modelo", cujos limites são os orçamentos cambial e fiscal, a capacidade interna de financiamento e o processo seletivo de priorizações sociais e produtivas. Estes limites devem atender aos princípios políticos básicos que norteiam o modelo. Embora tenhamos que alocar recursos em muitas coisas ao mesmo tempo (restauração da infra-estrutura, ampliação das exportações, modernização produtiva e gastos sociais), a limitação dos recursos impede-nos de atender a tudo e a todos ao mesmo tempo. Por isso, o modelo socioeconômico terá, como diretriz básica, priorizações seletivas para o crescimento e a distribuição da renda. Há que construir uma "engenharia socioeconômica" que combine o máximo possível de áreas-problema e use os recursos com metas claras de crescimento, modernização e justiça social. Ao priorizar áreas, teremos que desenhar projetos específicos que abarquem selecionados segmentos sociais, regionais e setoriais:

- grupos de empresas que mais exportam ou que têm maior relevância na produção de um setor prioritário – material de construção, por exemplo – para a política habitacional;

- regiões, objetivando desenvolvê-las e manter a unidade e a harmonia nacional via desconcentração da atividade econômica, mas considerando também o lado social;

- questões sociais, tanto emergenciais, como frentes de trabalho, programas especiais de emprego, atendimento a carentes, como de caráter estrutural e permanente, como a reforma agrária, a distribuição e acesso a ativos, a profunda reformulação dos sistemas de saúde, educação e cultura, e programas de renda mínima;

- a questão científico-tecnológica, para desenvolver criatividade, assegurando maior autonomia nacional e diminuindo o elevado grau de dependência tecnológica do país com as empresas transnacionais.

Trata-se também de produzir projetos que possam atingir metas múltiplas como, por exemplo, os habitacionais, que simultaneamente podem proporcionar altos efeitos positivos diretos e indiretos de emprego, crescimento e distribuição de renda. Seriam as seguintes suas principais metas:

1) área social: crescimento com distribuição; combate à pobreza.

No início do plano, gastos e investimentos deverão privilegiar setores de maior impacto social e que também sejam multiplicadores de renda e emprego (como o habitacional, de saneamento etc.). É uma área que requer poucos gastos em divisas, altamente empregadora mas forte demandante de recursos públicos e de financiamento de longo prazo. A reforma agrária é prioritária, pelos menores recursos que exige e menor investimento por emprego gerado. A saúde e a educação públicas incluirão metas para a urgente erradicação do analfabetismo e outras de maior abrangência. Programas do tipo renda mínima deverão ser implantados, com previsão de gradativa redução a longo prazo, em função do aumento do emprego, da melhoria de salários, de política tributária progressiva e de aumento da oferta de bens-salário. Políticas de emprego emergencial priorizarão o uso intensivo de mão-de-obra em obras públicas e em sua manutenção, obrigatoriamente condicionadas pelas fontes supridoras de recursos. Aumento gradativo do salário mínimo.

2) infraestrutura

No início, só haverá grandes investimentos em poucos setores, priorizando-se a distribuição setorial de gastos para atenuar a carência e deterioração de áreas, tornando-as gradativamente aptas a apoiar a modernização, as exportações e a retomada do crescimento. Nesse setor, a relação capital/produto é alta, mas vários de seus segmentos podem ser produzidos (e mantidos) com uso mais intenso de trabalho e menor de capital.

3) modernização produtiva

Aqui a priorização estratégica será usada com maior rigor, dado que a maior parte dos setores tem que ser modernizada. A seletividade contemplará algumas áreas mais prioritárias, como: manter ou expandir exportações para as quais estamos hoje capacitados; desenvolver segmentos de high tech (para o mercado interno e para diversificar exportações); eliminar "gargalos" da infra-estrutura e da área social. Cadeias produtivas parcialmente destruídas pelas políticas neoliberais serão objeto de programa especial, tendo em vista o crescimento, a economia de divisas com importações e a recomposição da estrutura produtiva.

Wilson Cano é economista, professor na Unicamp.

A primeira versão (mimeo) é de 1990 (Unicamp), publicada em 1992 (Cano (coord.), São Paulo no Limiar do Século XXI, F. Seade, SP, v.1), depois ampliada (Cano, Reflexões sobre o Brasil e a Nova (Des)Ordem Internacional, Unicamp, 1995, 4a. ed). Nesta resumidíssima versão incorporo sugestões de colegas, notadamente de Maria C. Tavares, mas a responsabilidade pelo texto é exclusivamente minha.