Política

Entre os resultados eleitorais de 2000, o do Paraná ganhou destaque

Entre os resultados eleitorais de 2000, o do Paraná ganhou destaque. Afinal de contas, o estado nunca esteve na vanguarda das boas votações do PT. A construção do partido no estado não foi fácil. Marcado pelo conservadorismo, com dificuldade de construir uma identidade unificadora, o Paraná que já ficara famoso por eleger o integralista Plínio Salgado deu a Collor um dos maiores índices de votação.

Com início frágil nas áreas urbanas, o PT paranaense ganhou impulso com a incorporação de lideranças de trabalhadores rurais em 85. Se em 82 não conseguimos eleger sequer um vereador, em 86 elegemos nosso primeiro deputado estadual, Pedro Tonelli, liderança do sindicalismo rural. Em 90 elegemos três deputados estaduais e três federais e em 88 dois prefeitos, sendo que um deles saiu rapidamente do partido. As eleições de 92 foram marcadas pela vitória em Londrina, a segunda cidade do estado. Já em 96, perdemos Londrina e elegemos 4 novos prefeitos, sendo que um deles deixou o partido antes do final do mandato.

Dentro desse quadro, não havia grande expectativa para 2000. No entanto, um conjunto de fatores alteraria substancialmente o processo eleitoral. O esquema do governador Jaime Lerner envelheceu e toda a propaganda foi incapaz de esconder a inoperância e os traços de pesada corrupção, em grande parte evidenciados pela CPI do narcotráfico (presidida no estado pelo deputado Ângelo Vanhoni, que viria a ser o candidato a prefeito de Curitiba). Além disso, a cumplicidade com os setores mais retrógrados do estado fez deste governador um dos campeões da repressão aos movimentos sociais, particularmente ao MST. Este aspecto é muito importante na medida em que abala a imagem de "progressista" e moderno construída pela propaganda lernista ao longo dos anos.

Os prefeitos de duas das principais cidades paranaenses, Londrina e Maringá, envolveram-se em escândalos de corrupção e foram afastados. Um grande movimento pela ética na política, gerado como reação a estes escândalos, com forte participação das Igrejas, ganhou corpo. Diferentemente de outros processos eleitorais, o apoio das Igrejas progressistas aos nossos candidatos foi explícito e contou até com depoimentos em nossos programas de TV.

O PT realizou uma campanha competente, ligada ao movimento de luta pela ética na política e aos movimentos sociais. O MST teve conduta destacada e madura. Alvo de um processo inédito de repressão e criminalização pelo governo Lerner e com grande repercussão na imprensa nacional, o MST apoiou os candidatos petistas, mesmo quando sua defesa não era feita com a ênfase necessária pelos próprios candidatos. É importante ressaltar que no Paraná a tática da direita buscou vincular os candidatos do PT ao MST, tentando deixar no ar a ameaça de badernas e "invasões" urbanas caso o partido vencesse as eleições.

Estes fatores permitiram o surgimento de um quadro inédito no estado. O PT venceu as eleições nas três principais cidades do interior (Londrina, Ponta Grossa e Maringá) e ainda viu eleito, com seu apoio, o candidato do PDT em Cascavel. O partido renovou seu mandato numa cidade de lutas históricas, Medianeira, totalizando vitória eleitoral em dez cidades e elegendo 144 vereadores. A perda em União da Vitória foi a derrota de peso, pelo bom governo que o partido realiza naquela cidade.

Curitiba é destaque à parte. Ao longo destes 20 anos, jamais chegáramos aos 10% de votos na capital paranaense. Cassio Taniguchi, do grupo de Lerner, era dado como favorito e segundo indicavam as pesquisas venceria folgadamente as eleições no primeiro turno. No entanto, no decorrer do processo eleitoral, além dos fatores apontados, dois novos aspectos tiveram peso decisivo na mudança do quadro: de um lado, o PMDB cumpriu um importante papel de denúncia, batendo muito pesado e desmascarando o esquema Lerner; de outro, a campanha de Angelo Vanhoni com o partido, foi correta, apresentando propostas e credenciando-se como alternativa. Estes fatores, acrescidos da "onda vermelha" nacional e de um entusiasmo que tomou conta da militância, permitiram nossa superação e, para surpresa geral, terminamos o primeiro turno no segundo lugar mas em ascensão fulminante. O susto provocou forte reação do esquema lernista. O bom mocismo aparente deu lugar a toda sorte de apelação e de baixarias que não ficaram devendo nada ao esquema malufista em São Paulo. Caiu a máscara, a ponto de haver divergências no interior da equipe de publicitários de Taniguchi, com algumas vozes protestando contra a baixaria que a campanha assumia, assacando contra a honra de Vanhoni. É possível que neste momento tenhamos cometido o erro tático de seguir apresentando propostas, evitando o confronto. Com o debate ganhando aspecto técnico, de disputa de propostas e de experiência de gestão, a balança foi pendendo para o lado de Taniguchi, que apresentou vertiginosa recuperação no final da campanha.

Apesar disso, seguimos literalmente empatados até o dia 29 de outubro. Num colégio eleitoral de um milhão de eleitores, fomos derrotados por 26,5 mil votos. Para isso, além das baixarias, o esquema Lerner desembolsou fortunas e mobilizou prefeitos e deputados de todo o estado que fizeram chegar a Curitiba, no dia do pleito, mais de quinhentos ônibus de "militantes" assalariados para a boca de urna pró Taniguchi.

A maior prova de derrota foi dada pelo próprio governador Lerner que, dias após as eleições, realizou mudança radical em seu secretariado, buscando marcar com caráter social seu governo que vive momento de desprestígio evidenciado pelas urnas.O grupo do governador (como se autodenominam, ignorando sempre a sigla PFL) perdeu as eleições em cidades importantes como Foz do Iguaçu, Guarapuava e Pato Branco. Tenta agora demarcar os diversos "governos" de Lerner, afirmando que houve um primeiro governo de quatro anos (94-98), um segundo (desastrado) de 99 a 2000 e que agora se iniciaria um terceiro governo... Não há reconhecimento de derrota mais explícito. Na verdade, Lerner colheu os frutos de sua política de conluio com a corrupção mais descarada no estado; recebeu o resultado de sua política de repressão aos movimentos sociais e de servidores, aliada à incapacidade de dar conta dos problemas estruturais do estado; o próprio processo agressivo de conquista da instalação de empresas multinacionais no estado é realizado com tanta falta de transparência, tantas concessões inconfessáveis, que tende a ter seu possível impacto positivo muito reduzido; colheu ainda os frutos do desgaste de uma prolongada permanência de seu grupo no poder. O primeiro governo Lerner em Curitiba ocorreu com sua nomeação como prefeito pela ditadura militar em 70. Desde então, salvo em dois períodos em que foi ocupada pelo PMDB, a Prefeitura de Curitiba esteve com Lerner ou um de seus prepostos.

Perde expressão no estado a figura do senador Roberto Requião. Na verdade, é preciso reconhecer o papel importante que tiveram Requião e seu grupo, mas os resultados eleitorais demonstram que o senador (que nos apoiou no segundo turno em Curitiba) perde espaço como alternativa ao grupo dominante.

Já o ex-governador e hoje senador Alvaro Dias (PSDB) pode se credenciar como alternativa das elites ao desgaste do grupo Lerner, menos por algum resultado expressivo do PSDB e sim pelo peso que possa obter da máquina federal numa disputa com o PFL.

O PT, sem dúvida, surge das urnas no Paraná como grande e surpreendente vitorioso. Ninguém, em sã consciência, poderia prever este resultado até meados do processo eleitoral. Para ilustrar, nosso companheiro Nedson Micheletti, eleito prefeito de Londrina, com seu proverbial bom humor, não esconde que havia entrado na disputa eleitoral para "perder bonito"...

Por outro lado não se pode deixar de mencionar alguns aspectos preocupantes: o desempenho nas pequenas cidades continua tímido, com crescimento pouco significativo. Vale a mesma preocupação com relação às bancadas de vereadores: com exceção de Curitiba, onde tivemos ótimo desempenho, elegendo seis vereadores, mesmo onde vencemos elegemos bancadas pequenas.

Finalmente, a enorme responsabilidade assumida com as cidades que passaremos a governar. Quem já viveu o episódio de Londrina, não pode guardar ilusões a respeito das dificuldades de governar bem e dar continuidade a nossos governos. Num estado de perfil conservador, o bom desempenho político e administrativo é fundamental para se criar um efeito "irradiador", capaz de influenciar positivamente as eleições de 2002. A própria distribuição geográfica das cidades que vamos governar – sobretudo se pudermos contar com uma aliança consolidada em Cascavel, que cobriria com Medianeira a região oeste do Estado – e seu peso político nestas regiões e no conjunto do estado favorecem muito este processo de crescimento. Acrescente-se a isso uma atuação forte e coesa do partido, o crescimento que já se verifica nos movimentos sociais e o Paraná vai estar consolidando um salto capaz de mudar sua imagem no contexto político e social do país. Essa é nossa crença e nossa esperança.

*Agradecemos a contribuição de César Sanson e seu artigo "Análise das eleições municipais 2000 - O Brasil e o Paraná que saem das urnas", publicado no Boletim do Cepat-Paraná, de 14/11/2000.

Gilberto Carvalho é coordenador do Núcleo de Comunicação da Prefeitura de Santo André (SP), ex-presidente do DR-PT/PR.