Política

Em que pese o caráter nacional da vitória do PT em 2000, no estado de São Paulo o crescimento do partido foi ainda mais expressivo

Em que pese o caráter nacional da vitória do PT nas eleições municipais de 2000, no estado de São Paulo o crescimento do partido foi ainda mais expressivo. O que é válido qualquer que seja o indicador escolhido para análise.

Dos 4,045 milhões de votos a mais que os(as) candidatos(as) majoritários(as) petistas de todo o país receberam no 1º turno deste ano – que representam crescimento de 51,2% em relação ao total de votos do 1º turno de 96, ou um aumento de 33% (de 10,6% para 14,1%) dos votos válidos em disputa –, praticamente a metade (49,3%) veio de São Paulo (1,994 milhão), embora o estado concentre "apenas" 22% do eleitorado do país.

O crescimento da votação petista no estado foi maior tanto na capital (813,9 mil votos a mais), onde passou de 24,5% em 96 para 38,1% dos votos válidos do 1º turno deste ano (aumento de 55,5%, contra os 21,9% de crescimento observados na média do conjunto das capitais), quanto no restante do estado, em que atingiu 1,180 milhão de votos a mais, passando de 12,3% para 19,4% dos votos nominais (aumento de 57,7%, acima dos 43,7% de crescimento observados na média do país, excluindo as capitais).

Em 1996, São Paulo foi proporcionalmente o quarto estado com maior votação em candidatos(as) petistas (16,1%), ficando atrás do Pará (17,4%), Rio Grande do Sul (20,1%) e Acre (28,5%). Neste ano, com 24,8% dos votos válidos no 1º turno, o estado só ficou atrás do Acre, cujos votos em petistas atingiram 33%.

Se em número de municípios o crescimento nacional de administrações do PT, excluindo as paulistas, aumentou 48% (das 101 que iniciaram o mandato 1997-2000, para 149 que tomarão posse em janeiro de 2001), em São Paulo o partido governará quase o triplo de cidades, passando de 13 para 38 gestões municipais (aumento de 192%).

Mesmo em taxa de reeleição, o PT paulista superou o bom desempenho nacional do partido: se ao todo o PT reelegeu ou fez o sucessor em 53% dos municípios em que disputou (contra cerca de 20% da média dos demais partidos), em São Paulo a sucessão foi vitoriosa em 11 de 13 disputas (85%).

Como no restante do Brasil, o mérito dessas vitórias e votações expressivas em São Paulo é coletivo: do empenho dos(as) candidatos(as) e coordenações de campanha, do Diretório Regional, dos GTEs paulista e nacional, em muitos casos das militâncias locais e de cabos eleitorais especiais como Lula, José Dirceu, deputados federais e estaduais, cujo prestígio e andanças certamente tiveram papel relevante junto ao eleitorado. Mas a votação obtida contou com outros elementos decisivos, a começar pela imagem de compromisso ético do PT, historicamente construída, sobretudo, pelo empenho crítico e saneador das bancadas petistas nos vários níveis de governo. A influência desse fator incidiu tanto no grande crescimento do PT e aliados nas câmaras municipais quanto nas disputas majoritárias, de acordo com os antecedentes locais – a exemplo da capital paulista, frente a oito anos de domínio de máfias malufistas na administração da cidade.

O desempenho eleitoral do PT contou ainda com a ajuda de fatores objetivos, tanto conjunturais como resultantes do acúmulo político do partido no campo administrativo. De um lado, os frutos da aplicação dos princípios neoliberais às políticas públicas, geradores de exclusão social, este ano se fizeram mais evidentes, diminuindo o apelo dos candidatos da frente governista. Isto fomentou ainda uma consciência crescente da perversidade desses princípios e a disposição ao risco da mudança por parte de um contingente maior do eleitorado. De outro, ocorreu a generalização de uma "nova" identidade petista: antes cunhada com a marca de oposição e alternativa de protesto ao projeto vigente, nesta eleição agregaram-se à identidade petista elementos de governabilidade, a partir de um maior conhecimento do sucesso de projetos internacionalmente premiados – bolsa escola, banco do povo, médico de família e orçamento participativo, aplicados pela maioria das administrações petistas, em formatos e denominações variados.

Em casos como os de Santo André, com Celso Daniel (reeleito para um terceiro mandato, sem que o segundo tenha sido contínuo ao primeiro), e de Ribeirão Preto, com Antonio Palocci (reconduzido ao segundo mandato, também descontínuo), ambos reeleitos já no primeiro turno, o reconhecimento do modo petista de governar adquiriu, ainda, forte poder de influência regional, a julgar pelos vários prefeitos(as) eleitos(as) ou reeleitos(as) no sul da região metropolitana de São Paulo e no norte do estado.

Considerando-se o desempenho nacional do PT no 2º turno, em que levou 13 das 16 administrações que disputava (em São Paulo, além da capital ganhou em Diadema, Guarulhos e Mauá), a despeito do caráter antipetista das campanhas adversárias, puxadas pelo tom de terrorismo ideológico e moralista orquestrado por Maluf na capital paulista, evidencia-se o papel que a nova identidade petista desempenhou na contenção dessa ofensiva conservadora, legitimando o PT como alternativa viável e criativa de governo.

Finalmente, como ressalta Bia Pardi, coordenadora do GTE-SP, o desempenho do PT paulista teve como pano de fundo forte organização e unidade partidárias, expressa na escolha dos(as) candidatos(as) – seja por consenso ou no respeito aos indicados em prévia –, na antecipação do processo, com a realização de conferências nas macrorregiões do estado desde 99, na discussão programática, por meio de intercâmbio de projetos e na solidariedade entre candidatos, a partir de uma postura ativa da direção.

Em suma, muito empenho e mais profissionalismo nas campanhas, organização e unidade partidárias, maior consciência crítica e insatisfação conjuntural do eleitorado, exemplo ético e de administração eficiente (pela ótica dupla da inversão de prioridades e da democratização da esfera pública), parecem ter sido os componentes decisivos para o desempenho eleitoral do PT este ano. Deles depende, assim, a continuidade do crescimento eleitoral do partido.

Ainda que o governo estadual e o poder central estejam potencialmente ao alcance de alianças de esquerda, encabeçadas pelo PT, já em 2002, com certeza essas metas estão mais distantes do que tendemos a enxergar, ofuscados pela luminosidade da vitória recente. Os 14,1% dos votos obtidos nacionalmente apenas aproximam o PT do patamar de PSDB (16,0%), PMDB (15,7%) e PFL (15,4%). Mesmo em São Paulo, os 24,8% dos votos válidos no partido, embora o coloquem como primeira força político-eleitoral do estado, provavelmente hoje seriam insuficientes para derrotar uma frente governista em um 2º turno, encabeçada pelo PSDB (20,3%), com apoio do PFL (9,3%), PTB (7,0%) e PMDB (8,1%))– sem falarmos da força pessoal de Maluf no estado e do seu posicionamento estratégico como alternativa ao "petismo".

Dentro de pouco mais de um ano, quando começar pra valer o processo eleitoral de 2002, os novos governos petistas provavelmente estarão atravessando um período difícil, em que o crédito da opinião pública estará minguado diante de ainda poucos resultados palpáveis, face à herança das dívidas públicas, ao baixo controle sobre o orçamento do primeiro ano de gestão e à perspectiva de agravamento da concentração dos recursos na esfera federal.

Ou seja, a extensão da vitória atual do PT é a extensão da vitrine que definirá a imagem das administrações petistas, influenciando fortemente as eleições de 2002. E é justamente porque as dificuldades serão tantas, frustrando no curto prazo as expectativas da maioria por melhores condições de vida, que os governos petistas em municípios de todos os portes devem encarar com seriedade a possibilidade de radicalizarem a democracia em suas administrações.

Iniciativas como o orçamento participativo, a dinamização de conselhos municipais de educação, saúde, cultura e outros, a criação de conselhos profissionais consultivos, a convocação de plebiscitos municipais etc, além de exigirem relativamente baixo investimento financeiro, apontam para a construção de nova hegemonia político-cultural. Enquanto instâncias informativas permitem partilhar as dificuldades presentes e a co-responsabilidade pela gestão; enquanto instâncias de interação social tendem a transformar duradouramente a perspectiva e os valores das pessoas que delas participam.

Ao mesmo tempo tática e estratégica, a radicalização democrática pode ser o único traço a diferenciar os governos de esquerda de uma direita esclarecida emergente que já se deu conta de que cuidar do social é um imperativo para sua própria sobrevivência. Não avançar criativamente nessa direção é correr o alto risco de terminar as gestões com uma percepção da opinião pública talvez um pouco melhor, talvez um pouco pior que a deixada por outras administrações, reforçando o senso-comum da cultura política brasileira de que, afinal, partidos e ideologias não têm importância, são todos iguais, o que importa mesmo é a pessoa do(a) governante.

Gustavo Venturi é doutorando em Ciência Política pela USP, é coordenador do Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo.

Colaboraram Marisol Recamán e Rita Dias, integrantes do NOP.