Política

No estado bloco de poder estava muito unido, a dominação "carlista" eliminou a oposição

As eleições municipais de 2000 se desenvolveram dentro de um quadro nacional de desgaste político do projeto neoliberal de FHC e seus aliados, especialmente por suas conseqüências no campo social e econômico. Já no período eleitoral, surgiu a possibilidade de amplas mobilizações nacionais, em particular quando surge o caso Eduardo Jorge que envolvia o presidente da República em corrupção. Mobilizações que, entretanto, não vieram de fato a ocorrer significativamente. Em termos de mobilizações, portanto, os processos se deram mais em nível regional, exceção ao Plebiscito da Dívida Externa e ao Grito dos Excluídos, realizados nacionalmente na primeira semana de setembro, após um bom período de preparação.

Outro dado nacional era e é a crescente imagem do PT como competente para governar dando prioridade à chamada "área social".

Mas os resultados para o PT foram bem diferenciados de uma região ou cidade para outra. Basta ver a diferença de nossa performance em cidades como São Paulo e Aracaju, onde obtivemos excelentes resultados, e no Rio de Janeiro ou Florianópolis, onde fomos derrotados eleitoral e politicamente, apesar de já termos, em outras ocasiões, obtido vitórias importantes.

A vitória nacional do PT em 2000, eleitoral e política, só poderá ser bem entendida, portanto, se a compreendermos combinando a análise da situação política e social nacional, com as realidades locais: a correlação de forças de modo geral, o prestígio ou desgaste e o grau de unidade do bloco de poder e seus principais líderes localmente, o acúmulo dos movimentos sociais, do PT e demais partidos à esquerda, as estratégias e campanha utilizadas etc.

Bloco de poder e eleições

Na Bahia, por um lado, o bloco de poder estava muito unido, voluntária ou forçosamente. O período mais recente da dominação do grupo "carlista" eliminou ou reduziu drasticamente quase toda oposição mais antiga. Grande parte foi cooptada ou destruída.

As classes dominantes e seu grupo político dirigente, o "carlismo", conseguiram, pelo convencimento ou pela força, soldar o bloco de poder formando a maior aliança da direita do país no primeiro turno. Seja por sua presença nos setores de ponta da estrutura econômica, seja por sua presença no estado, seja na grande mídia e grande parte da sociedade civil.

Além disso, em Salvador, tínhamos um cenário de representação da política mais favorável à candidatura de Imbassahy, mas com importantes contradições. Para a maioria das pessoas, apesar do prefeito dar prioridade às áreas nobres do município, a cidade tinha melhorado em comparação com a gestão anterior, encabeçada pela prefeita Lídice da Mata, na época no PSDB e hoje no PSB, partido coligado com o PT e que indicou o candidato a vice-prefeito, Eliel Santana, evangélico da Assembléia de Deus e membro do MEP.

A outra é a de que, desde a administração do PMDB no governo do estado (86 a 90) e de Lídice da Mata na prefeitura, predomina a idéia de que a "oposição" ou a "esquerda", genericamente falando, não tem competência, ou não consegue governar porque ACM não deixa. Porém, já vinha se desenvolvendo a idéia de que o PT tem demonstrado competência para governar.

Na Bahia, a campanha do grupo dominante, desde o primeiro turno, já anunciava o que assistimos em outras capitais no segundo turno: o abuso do poder. Além de ter montado a maior aliança de direita de todas das capitais do país (PFL-PPB-PTB-PL-PMDB-PSC-PRN-PSD-PRTB-PGT-PTdoB, além de parcela do PSDB) que lhe garantiu o triplo do tempo do horário gratuito, o arbítrio foi a tônica da campanha. O abuso do poder econômico; inúmeras irregularidades nas propagandas de rua; o clientelismo eleitoreiro ilegal, tipo compra de votos; seguidos direitos de resposta concedidos à coligação das elites (e nenhum para a nossa coligação); e panfletos apócrifos de ataque a Nelson Pelegrino (inclusive um caso que o distribuidor dos panfletos foi identificado na PF como soldado da PM). Obras foram realizadas na periferia parcialmente no período eleitoral com a chantagem de só serem concluídas depois das eleições.

A propaganda deslavada do governo do estado (rádio ou TV) esteve voltada para cada cidade na reta final de campanha para as ações ditas de parceria com a prefeitura e sincronizada com sua campanha eleitoral. Tudo diante do império da impunidade da "justiça" que garantiu todos os direitos de resposta que o senador ACM pediu, mesmo desobedecendo aos prazos de defesa legalmente definidos. Dois casos, pelo menos, vão para a história do descalabro completo da justiça eleitoral. Uma inserção da campanha de Pelegrino que comparava "alguém" com Hitler e Pinochet (sem nenhuma referência direta que pudesse ligar a ACM e permitir o direito de resposta) foi tirada do ar pelo TRE, sob a alegação de estarem sendo usadas imagens de "figuras já esquecidas pela história como Adolf Hitler". Se não bastasse, a mesma justiça não deu nenhum direito de resposta a uma peça em que Pelegrino foi literalmente xingado de "sórdido", "ladrão de sindicato" e "rato de esgoto". Sem falar da utilização ilegal, seguidas vezes, das imagens e falas de lideranças petistas fazendo menções, de algum modo elogiosas, a ACM, no tristemente famoso seminário sobre a pobreza.

A submissão da mídia local, com exceção do jornal A Tarde é tamanha que, talvez, Salvador tenha sido a única capital onde nenhum meio de comunicação (rádio ou TV) tenha convocado debates entre os candidatos no primeiro turno.

Negação e afirmação de projeto

Nosso objetivo era ir ao segundo turno o que seria possível se chegássemos a cerca de 35% dos votos e os demais candidatos a cerca de 15%. E tentar dar a virada no segundo turno. Não era a hipótese principal, mas consideramos possível, apesar de mais difícil do que em 96 (devido a impressão na população de que havia uma melhora na cidade e uma aliança mais forte ter sido viabilizada pela direita). Para isso, nossa estratégia visava combinar o espaço gratuito de mídia com ações de campanha de massa voltadas prioritariamente para as populações mais pobres e a mobilização social.

Conseguimos formar o arco de alianças pretendido (PT, PC do B, PSB, PCB, PPS e PV). Combinando afirmação e negação, razão e emoção, fomos oposição municipal, estadual e nacional e apresentamos um programa concreto para Salvador, respaldado pelo exemplo das administrações petistas ("onde o PT governa, já faz") e a credibilidade do candidato. Como pano de fundo, a afirmação da independência política e o resgate da história de 500 anos de resistência, a começar pelo nome da coligação "Frente Popular Dois de Julho", data da independência da Bahia.

Enfim, nossa campanha em Salvador obteve uma importante vitória política. Não somente por ter ampliado significativamente a votação para prefeito e a bancada de vereadores em relação a 1996 (8 vereadores, sendo 4 do PT), como também por ter enfrentado a disputa política, pautando o debate sobre os principais problemas de Salvador e denunciando o bloco de poder. Pelegrino obteve 35,3% dos votos válidos, igual ao obtido pela média dos candidatos do PT que foram para o segundo turno nas capitais. Em números absolutos, 349 mil votos (115 mil a mais do que em 1996). Sendo que Imbassahy, mais uma vez, foi eleito sem a maioria do total dos votos (47,1%). O resultado da votação dos outros três candidatos (PDT, PSDB e PCO), entretanto, foi inferior aos 15% necessários. Além disso, os institutos de pesquisa foram derrotados também em Salvador. Nas pesquisas de véspera das eleições, o Datafolha e o Ibope anunciaram, respectivamente, uma diferença de 16% e 20% entre Imbassahy e os demais candidatos, quando esta não passou de 7%.

A campanha no interior

Em nível estadual, havia uma boa perspectiva e os resultados foram muito bons. A administração de Vitória da Conquista foi uma importante referência para a campanha em todo o estado, inclusive em Salvador, pois era ponto de apoio para desmistificar a idéia de que não era possível governar sem o apoio do governo estadual e do senador ACM.

A reeleição dos prefeitos dos partidos da Frente em Vitória da Conquista (com 60% dos votos), Irecê (PSB) e Pintadas e a vitória em Itabuna (que havíamos governado entre 92 e 96) e outros importantes pólos regionais como Juazeiro, Alagoinhas e Senhor do Bonfim, além de Mutuípe, mostra que a Bahia está buscando uma alternativa. E que hoje o PT não é somente o principal partido de oposição no estado, fato já anunciado nas eleições de 1996, mas uma alternativa real.

Jorge Almeida foi o coordenador de Comunicação e Pesquisa da campanha de Nelson Pelegrino à Prefeitura de Salvador.