Política

Sob qualquer enfoque de avaliação, o PT conquistou uma vitória eleitoral extraordinária em todo o país e, particularmente, no Rio Grande do Sul

Sob qualquer enfoque de avaliação, o Partido dos Trabalhadores conquistou uma vitória eleitoral extraordinária em todo o país e, particularmente, no Rio Grande do Sul. Com a justa euforia que nos contagia, mas com a necessária ponderação que se impõe, é importante identificar alguns fenômenos que irromperam durante e após o pleito de outubro.

Com todos os cuidados, é possível afirmar que as eleições municipais estabelecem um novo período no país. De 1989 a 2000, de Collor a Fernando Henrique, o neoliberalismo cumpriu um ciclo de destruição de direitos e agravamento da crise nacional, constituindo um massacrante cenário de redução dos espaços do povo. Este modelo perdeu as eleições. O vigor popular manifestado nas urnas representa uma derrota contundente do neoliberalismo, ainda que, em algumas cidades, utilizando o velho modelo da política tradicional e seus instrumentos de dominação – violência, coerção, ameaças e estímulos materiais –, seus candidatos tenham obtido vitórias.

O PT e seus aliados emergem destas eleições com a representatividade popular suficiente para se afirmarem como alternativa concreta ao neoliberalismo e à direita. Tentam agora estabelecer que quem venceu foi um determinado PT, no esforço histórico feito pela direita para nos tratar como território dividido.

Os espetaculares resultados eleitorais do PT têm uma característica comum. Eles se dão nas grandes capitais e nas metrópoles importantes, embora na grande maioria dos pequenos municípios a direita tenha mantido a sua força, o que é um dado importante para entender a dinâmica de como as elites agem para sustentar o poder que têm.

No Rio Grande do Sul, a peculiaridade de estarmos no governo estadual tornou o resultado ainda mais expressivo. Na quase totalidade dos estados brasileiros, fizemos campanha em oposição tanto ao governo federal quanto aos governos estaduais. No nosso caso, há dois anos governamos um estado que, até nossa posse, servia como um autêntico laboratório do neoliberalismo. Foi o primeiro estado a privatizar a telefonia e grande parte da energia elétrica e a adotar um plano de demissões voluntárias que afastou 15 mil funcionários do serviço público, além de praticar uma política de renúncia fiscal que destroçou as finanças públicas.

Transformar este modelo privatizado num Estado democrático e, especialmente, recompor a estrutura financeira pública têm sido tarefas árduas, por se darem em um quadro de polarização política permanente, em que a maioria oposicionista na Assembléia, apoiada por setores importantes da mídia, atua como em uma guerra de alta intensidade no enfrentamento a nosso governo.

O dado extraordinário é que, num quadro de dificuldades do governo, a população teve discernimento para entender o conteúdo político de cada projeto e identificar quem são os responsáveis pelo que ocorre.

Fizemos a maioria dos votos1, conquistamos 35 prefeituras, inclusive de cinco dos seis principais colégios eleitorais. Vencemos em três das quatro cidades onde houve segundo turno: em Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas, sendo que Canoas nos escapou por um fio, ou seja, apenas 1800 votos.

Na capital, a Frente Popular venceu pela quarta vez consecutiva, com o companheiro Tarso Genro (63,51%). Em Caxias, o segundo município do estado, reelegemos o companheiro Pepe Vargas (50,20%), numa eleição em que o Estado maior do PMDB, liderado pelo senador Pedro Simon que é de Caxias, acampou na cidade, jogou sua alma no segundo turno e despejou o dinheiro que tinha e o que não tinha. Em Pelotas, onde já havíamos disputado o segundo turno em 96, o deputado federal Marroni (52,94%) confirmou a vitória do primeiro turno, numa eleição decidida pela política e não pela celeuma em torno da famosa brincadeira do companheiro Lula.

Enfrentamos, nas quatro cidades onde houve segundo turno, a união das forças que sustentam o governo federal com o PDT (que abandonaram o governo no início do segundo turno). No primeiro turno, conquistamos prefeituras importantes como as de Santa Maria e Bagé, e avançamos na Região Metropolitana, mantendo as prefeituras que detínhamos e conquistando mais a de Cachoeirinha.

Representamos a ética na política e isto nos dá um voto de confiança. Mas não é apenas de uma vitória dos que não roubam, mas também dos que lutam, dos que não se conformam e dos que têm trajetória. O reducionismo à questão ética busca despolitizar o balanço do resultado eleitoral.

Falo disso para tratar do tema da demonização que, se existia antes, nunca fora tão explorado como agora. Não se trata de um truque eleitoral, mas um elemento da composição do cenário político. Maluf usou à exaustão contra a candidatura de Marta. Em Recife, quando começou a perder para João Paulo, Roberto Magalhães reproduziu a truculência da tática malufista. Houve inclusive episódios caricatos. Um comunicador de uma rádio influente de Porto Alegre afirmava diariamente que, caso Tarso ganhasse, os jovens não teriam mais Internet. Em Caxias, nossos adversários espalharam o boato de que, se reeleito, Pepe fecharia as igrejas.

Na capital, Alceu Collares (PDT) assumiu o antipetismo, levando a demonização do PT às últimas conseqüências, o que acabou conduzindo-o para o segundo turno, quando se esperava que ele ficasse atrás da tucana Yeda Crusius, com seu slogan "vamos abraçar a igualdade".

Em 98, o ex-governador e ex-prefeito da capital Collares elegeu-se deputado federal a duras penas, ficando com a última vaga de sua bancada. Este ano, concorreu em coligação com o PTB, prenunciando um acordo que começa a ganhar contornos de fusão orgânica e, no segundo turno, teve apoio dos outros três principais candidatos: Yeda (PSBD-PPB), Busatto (PMDB) e Bonow (PFL). Durante sua campanha e sua busca de apoios, importantes trabalhistas históricos afastaram-se do PDT, denunciando o caráter direitista de sua candidatura. Seu principal slogan, presente inclusive no jingle da campanha, era "Basta da ditadura do PT", que sintetiza o conteúdo de sua campanha.

O terreno do antipetismo, na verdade, já vinha sendo constituído pela oposição na Assembléia, informalmente liderada pelo PMDB, e em alguns segmentos empresariais, boa parte da mídia e alguns intelectuais de direita. No último ano, o neofilósofo Olavo de Carvalho passou a fazer visitas freqüentes a Porto Alegre, proferindo palestras sustentadas por entidades e institutos empresariais, em que os ataques ao PT eram o prato principal. Além disso, virou moda escrever livros sobre o PT, segundo a ótica da direita, imputando ao partido distorções históricas da esquerda mundial.

Sob esta visão, somos violentos, totalitários, stalinistas, cultuamos o conflito permanente e não aceitamos a pluralidade, quando exatamente o PT nasceu, cresceu e adquiriu vigor por ter entendido os ensinamentos da história e por seu caráter popular e profundamente democrático, tanto nas suas instâncias internas, quanto no exercício de governos e de mandatos parlamentares. É a velha tática de nos criticar não pelo que somos, mas pelo que "certamente viremos a ser".

Assim, a campanha contra nós afundou o pé na demonização, no antipetismo, na denúncia de nossa "suposta ditadura" de 12 anos na Prefeitura de Porto Alegre. Até mesmo, um fantasmagórico abuso nosso na mídia institucional paga era motivo de críticas.

A campanha de Collares enfatizou esta intoxição ideológica brutal, adquirindo um caráter fascistóide de estímulo à violência de direita. Mas o que aconteceu é que este método funcionou muito pouco. Saltamos de um percentual de 48,8% obtido no primeiro turno para 63,5% no segundo, o maior índice conseguido por um prefeito eleito no segundo turno.

As eleições municipais estabelecem um novo cenário para 2002. O que identifico como começo do fim da hegemonia neoliberal não garante o início da nossa hegemonia. Significa, isto sim, a caráter da luta que vem pela frente.

No bojo de nossa mais expressiva vitória desde a conquista do governo do estado, nós temos, como eternamente se repete ao longo de nossa história, imensos desafios. A direita vai redobrar os seus esforços para fortalecer seus espaços políticos. Mas, em relação ao governo do estado, nunca tivemos uma situação tão favorável. As eleições significam a retomada do orgulho de ser petista, a afirmação da identidade dos nossos valores e o reconhecimento das massas populares que começam a discernir que, apesar dos problemas, existe um projeto que é contrário ao modelo neoliberal.

Portanto, estamos atuando num cenário que tivemos a honra de construir, o prazer de desfrutar e a alegria de viver. A bola está conosco. O PT espera muito do que os gaúchos construírem do governo e nas prefeituras.

Flavio Koutzii é secretário de Governo do Rio Grande do Sul.