Política

Entrevistas com sete prefeitos

O crescimento do PT e dos demais partidos de esquerda nas últimas eleições, em especial a conquista de importantes capitais e de cidades de porte em vários estados e em todas as regiões do país, tornou obrigatório o debate sobre o papel e o trabalho das administrações de oposição no cenário dominado pelo neoliberalismo.

O desempenho dessas prefeituras interferirá diretamente no projeto nacional de 2002. Elas podem ajudar ou atrapalhar a luta pela Presidência da República e pelo Congresso Nacional. Podem ou não, com sua influência local e regional, criar e consolidar bases políticas fundamentais para a ruptura com o atual modelo econômico.

Uma questão obrigatória nesse debate é a identificação do que vem sendo chamado de "modo petista de governar", se está devidamente fundamentado em propostas e ações transformadoras ou apresenta tão-somente medidas técnicas para uma "boa administração". Outra questão, importante para o futuro das esquerdas, é saber como se articulam as ações administrativas e políticas locais com o projeto de transformação nacional.

Além disso, um desafio constante das administrações municipais de esquerda é encontrar a medida certa de suas relações com os partidos que lhes dão sustentação e com os movimentos sociais e populares que atuam em função de carências reprimidas durante décadas. A questão é saber como essas administrações conseguem manter a vontade política e a característica de luta exigidas por suas bases sociais.

Na busca de respostas para essas questões, Teoria e Debate entrevistou o prefeito Célio de Castro, de Belo Horizonte (MG), que é do PSB, e mais seis prefeitos petistas1: Celso Daniel, de Santo André (SP), que está na terceira gestão; Edmilson Rodrigues, reeleito em Belém (PA); João Paulo, eleito no Recife (PE); Marcelo Déda, eleito em Aracaju (SE); Pedro Wilson Guimarães, eleito em Goiânia (GO) e Tarso Genro, que volta à Prefeitura de Porto Alegre (RS) para sua segunda gestão e a quarta do partido na cidade.

Quais são os desafios dos prefeitos de esquerda – do PT e de outros partidos – na gestão que se inicia?
Célio de Castro - A primeira premissa: não podemos iludir a população. Temos de colocar claramente quais são os limites de cada prefeitura, o que se pode fazer. Segunda: construir uma aliança com a sociedade é fundamental. Se partirmos do pressuposto de falar a verdade sempre, não iludir, não prometer, e fazer aliança com a sociedade, poderemos daqui a um ano e meio dizer o que realmente foi possível realizar. A sociedade prefere isso a promessas sem realizações. Em Belo Horizonte tomamos uma decisão: vamos, logo no início do governo, apresentar um plano de governo para quatro anos e diremos à cidade o que é possível realizar a cada momento. Por isso, considero essas premissas fundamentais. Nossos partidos políticos, o PSB, o PT, têm uma responsabilidade muito grande. A sociedade é plural, temos de fazer aliança com todos os setores, não dá para excluir. Evidentemente que não vamos fazer um tipo de aliança com setores que queiram o tempo todo sabotar a ação de uma prefeitura democrática e popular, mas o princípio norteador das alianças é o de que a sociedade quer participar, e ela pode participar de maneira plural. Talvez seja esse o caminho que devemos trilhar, porque seremos vitrine a partir de um ano. A sucessão presidencial vai ser assim: se as prefeituras democrático-populares derem certo serão exemplos, caso contrário serão estigmas. Nosso projeto de 2002 está muito na nossa dependência.

Celso Daniel - Primeiro é o desafio de afirmar de forma definitiva e abrangente para o conjunto da opinião pública brasileira que o PT, além de ser bom de denúncia, de protesto, de organização da população, é bom de governo. E bom com estilo próprio, que é o estilo de governar de esquerda, democrático e popular. E isso em função da importância das administrações que estamos assumindo a partir de agora. O fato de sermos hoje o partido que tem o maior número de prefeitos de capitais nos dá uma responsabilidade maior enquanto partido que quer governar esse país e um grande número de estados. Em segundo lugar, considero que esse desafio, do ponto de vista de cada uma das gestões, deve levar em conta o momento, que é diferente do início de 89, quando a primeira maior leva de prefeitos do PT foi eleita.

Muitas coisas mudaram no mundo e no Brasil durante esses 12 anos. Por isso considero que, entre os desafios, está o de redefinir a nossa agenda enquanto governantes, em termos do que significa o modo petista de governar. Não basta o governo ser tecnicamente adequado, porque há governos bem avaliados que são conservadores. Não basta apenas, embora seja fundamental, governar com a mais absoluta ética, é preciso que o governo esteja sintonizado com o município, com os desafios colocados por uma proposta de governo de esquerda nesse momento. Isso envolve mais do que participação popular e inversão de prioridades. No campo da inversão de prioridades é básico que se leve em consideração o aprofundamento da exclusão social e a necessidade de políticas integradas para dar conta do processo, porque ele é multidimensional. Ele é econômico, mas é cultural, é ambiental, social, urbano mesmo.

Tem muita gente morando em condições precariíssimas. Isso significa que, em termos de participação popular, nós temos de estar sempre atentos ao fato de que este é um processo contínuo, que exige o tempo inteiro redefinições, para não corrermos o perigo de que nossas conquistas congelem e, portanto, paralisem um processo que tem de continuar sendo rico, vivo. Então, esse processo, o tempo inteiro, tem de ser submetido a críticas e transformações para melhorar. Isso quer dizer que é preciso, sempre, pensar criticamente o orçamento participativo e todas as outras formas de participação que criamos ao longo desse período. Significa, por exemplo, que, se o OP é excelente para dar conta das carências mais imediatas da população que se organiza para dele participar, talvez não seja o único instrumento de participação comunitária.

Muitas vezes os níveis mais absolutos de pobreza não são atingidos pelo orçamento participativo, e, em outras, os desafios colocados para o futuro da cidade não conseguem ser atingidos por este mecanismo, que é, por sua própria natureza, um planejamento apenas para o ano subseqüente. Muitas cidades passam por transformações importantes e precisam de planejamento de longo prazo, que pode ele também ser participativo. Além disso, creio que há outros temas fundamentais que devem ser integrados à nossa agenda. Um deles é o desenvolvimento econômico local, volto a insistir: quando digo desenvolvimento econômico local é mais do que políticas de geração de trabalho e renda. Elas são necessárias, são possíveis, são fundamentais como parte dos governos petistas, mas são insuficientes, porque o município, ou um conjunto de municípios, tem uma identidade em geral própria do ponto de vista econômico e uma dinâmica própria que pode ser ativada com um perfil conservador, pode ser ativada com um perfil progressista, democrático, ou pode pura e simplesmente ser deixada de lado e as coisas correrem apenas como o mercado manda, como quer o governo federal.

Edmilson Rodrigues - Penso que o PT e os governos que o partido acaba de conquistar, ou reeleger, têm de construir um movimento cívico, de defesa da autonomia administrativa, política e financeira dos municípios. Isso significa defender o próprio pacto federativo estabelecido na Constituição. Os municípios são responsáveis por 18% da folha de servidores públicos da nação, 31% do custeio nacional, 29% das despesas com educação, 30% com as despesas de saúde e 50% dos investimentos fixos do país, segundo dados do BNDES. A metade de todos os investimentos; por mais que o governo fale em energia, nos grandes projetos, são os municípios que sustentam na verdade o emprego e o desenvolvimento do país. A crise não é mais profunda porque os municípios garantem a metade do que se investe no país. Apesar disso, de 1991 a 1998 houve uma redução em 12% dos recursos municipais, segundo o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam). Os municípios participavam com 19,1%, em 1991, da receita nacional. Então, a redução em 12% desse percentual é uma violência muito grande. No entanto, a carga tributária no país é de 30,32% do PIB.

Esse volume de recursos dos tributos brasileiros está assim distribuído: 70,5% para a União; 25,5% para os estados; e apenas 3,97% para os municípios. Significa dizer que 5.559 municípios têm acesso apenas a 4% dos tributos do país; significa que o IPTU, ISS e a parte repassada pela União e pelos estados aos municípios são muito pouco significativos para sustentar as demandas da população que vive no país, vive nos estados, mas efetivamente sua vida se dá no município.

É fundamental, e aí penso que são desafios, em termos políticos, para o PT, além da afirmação do princípio da autonomia, o fortalecimento financeiro dos municípios. E há algumas lutas imediatas a travar: os municípios poderão ficar sem luz e sem coleta de lixo porque as taxas como as de iluminação pública e limpeza urbana não estão regulamentadas na Constituição e nem em leis complementares. Os tribunais estão cassando a cobrança dessas taxas e os municípios vão sofrer com isso. É uma luta que o PT tem de se propor a assumir imediatamente.

Outro desafio é a comunicação, porque não há como pensar democracia sem ter os instrumentos para enfrentar o monopólio dos meios de comunicação. Penso que nesse ponto o PT já teve altos desafios, com jornais nacionais. Hoje há mecanismos de comunicação, mas ainda insuficientes para divulgar, fazer a defesa do que é uma das construções políticas do PT: o modo petista de governar. Por maiores que sejam as diferenças locais e regionais, construímos uma unidade na forma de governar municípios e estados. Temos de consolidar não só a unidade dos prefeitos em nível nacional, por meio da Frente Nacional, mas devemos constituir o que eu chamo de uma frente vermelha de cidades, ou uma frente de cidades, que inclua não só PT, PSB, PPS, mas outros partidos do campo democrático-popular. Eventualmente do PMDB, que possam afirmar essa disposição de lutar em defesa desses prefeitos.

João Paulo - O primeiro desafio é mostrar à população esse modelo econômico de desenvolvimento do capitalismo internacional. Mostrar que a política e a estratégia dos bancos internacionais e dos grandes países têm impacto no nosso Brasil, na nossa cidade, que não é uma ilha isolada do resto do país. O grande desafio é conscientizar a população dessa política econômica totalmente nefasta às parcelas mais pobres, à grande maioria do povo, que passa desse processo de exclusão para outro de extermínio da população. Recife é uma das capitais mais violentas do Brasil. Entre os grandes desafios temos o desemprego. Recife perde só para Salvador, 20% de sua PEA (população economicamente ativa) está desempregada. Tem menos de 30% de esgoto sanitário, e somente 8% é tratado. Recife é a capital latino-americana da filariose, por causa também da falta de esgoto sanitário. Tem um déficit habitacional de 160 mil, sendo 80 mil em condições subnormais e 80 mil que não têm um teto. Tem um problema de trânsito seriíssimo, tem violência...

Nós entendemos que nossa primeira responsabilidade, dentro dos limites da prefeitura, é responder a essas expectativas do povo. É necessário mostrar que estamos administrando ainda dentro de um modelo altamente concentrador de renda e de poder, que tem uma hegemonia, um projeto político nefasto à maioria da população. Em linhas gerais, acredito que se conseguirmos melhorar a qualidade de vida da população, adicionando a isso um processo de conscientização política da sociedade, faremos um bom governo.

Marcelo Déda - O desafio dos prefeitos do PT, nessa conjuntura nacional, independentemente do tamanho da cidade, ou da região onde ela se encontra, é mostrar que seremos capazes de estabelecer o equilíbrio fiscal sem abrir mão da responsabilidade social. Qualquer conceito de responsabilidade fiscal que tenha por conseqüência aumentar a desigualdade, a exclusão, a pobreza e a miséria é ilegítimo. Ele não pode ser usado como paradigma para nenhuma administração no Brasil. Podemos e devemos aceitar é o desafio de buscar, com a nossa referência política e ideológica, com o nosso programa, construir administrações equilibradas, aumentar a arrecadação, sanear financeiramente os nossos municípios, sem abrir mão dos investimentos sociais e dos compromissos que são a marca do PT: o combate a toda espécie de exclusão e à injustiça social no Brasil.

Pedro Wilson - O grande desafio do PT é manter a ética, a honestidade, a integridade administrativa. Ganhamos as eleições por causa do desejo de mudança, das propostas partidárias, e também em virtude cansaço do povo com a corrupção, a manipulação. Há um grande desafio para a nossa administração e para o PT de um modo geral nessa nova geografia brasileira. O partido tem de provar que persegue a honestidade, mas que, além disso, tem eficiência, competência, planeja a participação popular – com a população, não sobre ela. Esses são os pontos iniciais que darão visibilidade ao PT. É preciso despertar o sentimento de auto-estima em quem nos deu o seu voto e, mais do que isso, provocar esse sentimento em quem não votou, que essa pessoa passe a nos apoiar. Que além de dar visibilidade, dê confiança e esperança ao povo. Que ele perceba que estamos no caminho correto de resgatar os sonhos, desejos, necessidades, aspirações, principalmente das populações excluídas, marginalizadas de Goiânia e das grandes cidades.

Tarso Genro - É muito importante para nós que estamos voltando à prefeitura, e para os novos prefeitos, que consigamos fixar um conceito comum de "bom governo", para que os nossos governos não sejam vistos apenas como organizadores da máquina pública e voltados à saúde fiscal do município. Ser bons organizadores da máquina pública, fazê-la funcionar com regularidade, com respeito ao cidadão e capacidade para dar saúde fiscal ao município não são características somente da esquerda. Algumas dessas características podem ser assumidas por qualquer pessoa séria, independentemente de partido. Isso é comprovado por outras experiências de governo que existem em nosso país.

Temos a obrigação, enquanto prefeitos de esquerda, socialistas e comprometidos com a transformação social, com o enfrentamento ao projeto neoliberal, de agregar uma outra qualidade a nossas prefeituras. Fazer com que o município tenha saúde fiscal e com que a máquina pública funcione com regularidade e com respeito à cidadania, mas que desses dois elementos se retire a capacidade de desenvolver um projeto político que crie uma base social nova, de suporte político para um projeto de esquerda e que permita o enfrentamento do projeto neoliberal em escala local, regional e seja um exemplo de disputa política nacional.

Então, os nossos governos locais, de certa forma, devem encaminhar, no âmbito do município, alguns elementos centrais do que seria um projeto regional ou nacional, ou seja, um projeto de país. Isso significa: 1º) O enfrentamento, no plano político e cultural, ao modelo de vida e à ética neoliberal; 2º) reformas econômicas que dêem ao município capacidade de intervenção e regulação econômica, e que se contraponham à lógica espontânea do projeto econômico do neoliberalismo; 3º) que crie no município um espectro, um exemplo nuclear do que é uma base social de um projeto de esquerda em escala nacional, para disputar a hegemonia.

Nosso compromisso estratégico é fazer do governo municipal um instrumento de disputa pela hegemonia política, pela capacidade de governar, e em última instância pela capacidade de conciliar aquilo que é um fundamento da maturidade de um partido político moderno, de esquerda, socialista e democrático: continuar sendo um partido de movimento, de luta, e saber ser um partido de governo. Ou seja, que não renuncie a seu programa, à sua capacidade de transformar a realidade em que ele se insere, para que não percamos a dimensão utópica, ou seja, a função política da esquerda transformadora que o nosso partido representa.

Os métodos de transformação da estrutura fiscal, as formas de sanidade financeira têm de estar relacionados já com o projeto alternativo de sociedade, a visão de um novo modo de vida, a visão de novas formas de controle da sociedade sobre o Estado. Se as duas coisas não forem combinadas, a tendência é que os governos sejam meramente governos de reforma burocrática do Estado e de reforma financeira ao modo da sanidade financeira recomendada pelo governo Fernando Henrique.

As nossas reformas no âmbito local têm de ser fruto de uma nova visão de futuro, porque, se não forem, as respostas serão meramente pragmáticas.

Quais são as prioridades de sua administração?
Célio de Castro - Precisamos avançar em três setores: 1º) Políticas urbanas – Belo Horizonte está carente de algumas intervenções urbanas, necessárias, para que a cidade adquira uma nova configuração. Estamos trabalhando com três principais projetos: a recuperação da Pampulha, o metrô e a abertura de uma avenida que é essencial para a cidade, a Pedro II. A esses três adicionamos a chamada recuperação de favelas, por meio de 23 planos globais, dirigidos à população pobre da cidade, pois hoje 22% estão nas favelas, o que significa 450 mil pessoas. É preciso uma política urbanista mais agressiva. 2º) Promover o desenvolvimento econômico, mas integrado com a região metropolitana, que é composta de 23 municípios e tem uma população de aproximadamente 5 milhões de pessoas. Desenvolvimento econômico, auto-sustentado e integrado. 3º) Finalmente, continuar o que iniciamos em nosso mandato e cresceu, mas ainda precisa avançar mais: a internacionalização da cidade. Belo Horizonte participa de cinco redes mundiais de cidades, em todos os continentes, mas queremos implementar esse processo para dar a BH o caráter de uma capital da cultura. E nada melhor para isso que a internacionalização.

Resumindo, é preciso consolidar algumas conquistas, que já são hoje patrimônio da cidade, e avançar mais. Para isso, precisamos fazer uma reforma da máquina administrativa. É decisão de governo. Vamos fazer essa reforma para descentralizar todos os nossos serviços. Daremos o máximo de poder possível às administrações regionais, para que elas possam colocar ao alcance do cidadão, na proximidade dele, os serviços que devem ser prestados. E queremos resultados.

Marcelo Déda - Temos a prioridade natural de "arrumar a casa", ou melhor, de adequar a administração ao programa que foi vitorioso nas eleições. Precisamos realizar as mudanças que são urgentes na máquina administrativa para que tenhamos condições operacionais de implantar o nosso programa. Temos algumas questões urgentes a serem tratadas, como a pobreza, especialmente, a situação do menor de rua. A nossa idéia é ter, já nos primeiros meses de governo, um projeto para retirar todos os meninos das ruas. Seja devolvendo-os às famílias por meio de programas de renda mínima, permitindo a elas mantê-los no seio familiar, ou por meio da construção de um projeto de escola-parque que temos lá, que é a idéia de construir um projeto pedagógico, um projeto de escola específico para a realidade do menino de rua. Trata-se de um conceito de escola integral que reúna tanto a educação formal como a profissional, o lazer e os espaços para que ele não sinta dramaticamente a ruptura com a sua cultura de vida, oferecendo abrigo integral a esses meninos em situação de risco.

Queremos iniciar um programa de pequenas obras voltadas prioritariamente para as áreas de periferia da cidade, onde há problemas de risco, como em favelas, ou áreas em que não há qualquer salubridade para a permanência das pessoas. Iniciar uma série de ações rápidas, a curto prazo, melhorando as condições de vida dessas pessoas que estão em situação extrema de risco nos lugares onde habitam. Temos o desejo de ampliar o programa de saúde da família, de introduzir o cartão do SUS, de ampliar a municipalização, que hoje é apenas de serviço ambulatorial. Queremos avançar a curto e médio prazo com relação à municipalização para as especialidades e, posteriormente, para os exames laboratoriais.

Pedro Wilson - Temos três prioridades iniciais: 1) Não pararmos a máquina administrativa, principalmente na área de serviços, saúde, educação, para que a prefeitura não sofra com processo de transição; 2) As questões básicas, que envolvem aspectos de infra-estrutura e também de segurança, quer dizer, ter bairros asfaltados, iluminados, urbanizados, para que passem a ter melhores condições de vida e de segurança. Segurança e desemprego continuam sendo pontos que a prefeitura não pode atuar diretamente, a não ser junto com o estado, a União e com a própria mudança da política econômica neoliberal do governo; 3) Implementar políticas públicas para a área social. Uma das marcas do PT é a inversão de prioridades e queremos dar ênfase à educação. Não basta falar que a criança tem de estar na escola, é preciso que permaneça, aprenda e sinta que a escola é importante para ela. Na saúde, o atendimento, a valorização do servidor público, priorizando também a valorização do atendimento ao usuário.

Há uma reclamação generalizada de que o serviço público, principalmente na área da saúde, não atende à demanda e não tem o atendimento humanizado. Na assistência social em geral, e em segmentos como a terceira idade, portadores de deficiência, criança e adolescente, violência contra a mulher, contra o negro, a discriminação racial e de gênero.

São questões pontuais, mas necessárias para a política geral de assistência social, para resgatar a cidadania, a dignidade, o respeito às pessoas que estão nas ruas, ou num asilo, ou relegadas a um segundo plano.

Qual a diferença entre um bom governo de um partido de esquerda e um bom governo de qualquer outro partido?
Celso Daniel - As diferenças podem ser muito grandes, e variar caso a caso. Existem algumas características que distinguem os nossos governos de governos conservadores.

Há a nossa grande tradição, que é da inversão de prioridades. Os gastos sociais, os gastos com as inversões nas periferias das cidades. Isso faz parte do patrimônio do nosso modo de governar. Esse é um elemento absolutamente fundamental. É impossível pensar a cidade, de maneira efetiva, sem direito a saúde, educação, moradia, sem maior igualdade em termos de equipamentos de infra-estrutura urbana ao conjunto da cidade, que são referências básicas da inversão de prioridades.

Há governos conservadores que promovem iniciativas de desenvolvimento econômico, mas de maneira excludente. Por exemplo, promovem iniciativas de atrair empresas por meio da guerra fiscal, doação indiscriminada de terrenos, vantagens, benefícios, e da renúncia fiscal. A renúncia fiscal e essas doações indiscriminadas – porque doações seletivas podem acontecer, dependendo da realidade local – não só comprometem de maneira pesada o nosso pacto federativo, como comprometem em perspectiva as próprias finanças do município considerado.

Há muitos paralelos que podem ser feitos no que se refere a outros temas que podem fazer parte de nossa agenda e que têm a ver com a nossa forma de administrar. O mais característico deles é exatamente a participação popular. Naturalmente, uma administração conservadora não dará prioridade para a participação efetiva da comunidade, do nosso princípio de co-gestão, de partilhar o governo de maneira efetiva com a sociedade.

Edmilson Rodrigues - Vários governos podem realizar programas de inclusão social, como renda-mínima, bolsa-escola, saúde da família. A diferença do PT é que nós, ao mesmo tempo que fazemos as reformas no sentido de garantir direitos ao povo, trabalhamos com uma dimensão do direito que é a dimensão cultural. Trabalhamos com as mudanças em termos de valores culturais, com a elevação da auto-estima, com o reconhecimento do povo, com o valor de sua cultura e sua história. Com a necessidade da afirmação do futuro a partir da recuperação da sua memória histórica.

Um povo que tem passado tem presente. Um povo sem passado, sem presente, não é um povo que possa ter um futuro feliz. Ao mesmo tempo, como nós investimos no campo das reformas no campo da saúde, da educação, damos também melhores condições de vida, de forma concreta e propositiva, garantimos melhoria da qualidade de vida.

Alimentamos a esperança e o sonho na medida em que mostramos, apesar de não podermos mudar a estrutura, um pouco do quanto poderemos fazer com o governo central na mão e, portanto, com a possibilidade de mudar a política econômica e implementar um governo democrático e popular no país – que faça a reforma agrária, desenvolva uma política industrial capaz de gerar emprego, diminuir a capacidade ociosa da indústria e, ao mesmo tempo, garantir o acesso do povo mais pobre não só ao emprego mas aos produtos de consumo populares, que lhes garantam dignidade, comida todos os dias, saúde, educação...

Como a sua administração vai se relacionar com os partidos de sustentação política e com os movimentos populares?
Célio de Castro - O Partido dos Trabalhadores deu o exemplo em BH de como ele trabalha a política de alianças. Eu sou do PSB, compus com o petista Fernando Pimentel a chapa Frente BH Participativa, e a participação do PT na campanha foi fundamental, decisiva, e legitimada pela direção nacional, que esteve na cidade participando ativamente. Acho que a política de alianças, do ponto de vista partidário, configura a unidade das esquerdas, e a ampliação dela se dá para a sociedade. Claro que, quando eu falo sociedade, não excluo setores progressistas de outros partidos. O PMDB de Minas tem um setor progressista histórico, que é nosso aliado, não o PMDB como um todo. Essas alianças têm de ser trabalhadas em cada cidade. Não vejo hoje nenhuma dificuldade de que os partidos de esquerda façam alianças com os setores progressistas de outros partidos que não são de esquerda.

João Paulo - Estou com 28 anos de militância política, comecei muito jovem. Tenho 28 anos de administração de conflitos, de conversas, de negociação. Acredito que não vamos ter problema. Tem de estar claro para os partidos e movimentos sociais o nosso desejo, o nosso sonho de melhorar a qualidade de vida da população. Mas tem de estar claro também que nós não fizemos uma revolução social, não foi modificada a relação de poder, as instituições continuam prevalecendo, as regras do jogo são as do capitalismo internacional. É importante que essas coisas fiquem claras para não se ter ilusão de que nós, em vez de termos ganhado uma eleição, tomamos o poder e mudamos a relação econômica da sociedade, a relação capital e trabalho. Não foi isso que aconteceu. Acho importante que esse limite esteja claro. Nessa virada de século, num momento em que encontramos tantas contradições, quando nunca se viu tanta concentração de renda e poder, tanta disputa por tantos interesses, o papel de um prefeito tem de ser esse – de negociador, de buscar alternativas – e, nesse sentido, acho que tenho bastante experiência.

Marcelo Déda - Uma das primeiras preocupações nossas, trabalhando com a equipe de transição, estudando o organograma da prefeitura, é criar uma secretaria aparelhada especificamente para fazer a interface com os movimentos sociais, com o movimento sindical, e servir de instrumento para a criação de espaços de participação popular e de controle social. Já no início de nosso governo vamos lançar as bases para a edificação do orçamento participativo. É nossa intenção construir, no âmbito municipal, uma lei de parcerias similar àquela que relatei, como deputado federal, que permita à Prefeitura de Aracaju dialogar, interagir com o terceiro setor, buscando parcerias na realização de políticas públicas, de modo a mobilizar ou utilizar esse potencial que o movimento social dispõe naturalmente.

Um fator de diferenciação do governo do Partido dos Trabalhadores em Aracaju e da experiência petista na cidade é esse prisma da participação popular e do controle social. Seja por meio do diálogo constante com setores da sociedade, tanto de trabalhadores como de empresários, interessados na discussão de políticas públicas, seja no constante estímulo para que o povo participe, se organize para pressionar democraticamente o município, para controlar socialmente o governo e para deliberar a respeito das ações governamentais e da geração de políticas públicas.

Pedro Wilson - São três ações básicas. A primeira é manter um nível de negociação, abertura, respeito e promoção das organizações representativas dos servidores municipais, do movimento popular, dos empresários e trabalhadores. Vamos fazer comitês, nos quais os organismos estarão representados, para se manter o diálogo, reivindicações, pressões, denúncias, críticas, sugestões permanentemente. Isso não significa que teremos apenas concordância, mas teremos o respeito e audiência para saber quais as demandas da cidade as mais significativas, justas, e próximas de serem realizadas.

Além desse instrumento de comunicação, manter, por meio dos organismos de participação, de representação (conselhos e comissões), as plenárias, que serão estimuladas no sentido de manter canais permanentes de abertura, debate, confronto, apoio, crítica, sugestão para o trabalho. Vamos valorizar os instrumentos coletivos de representação da sociedade, além dos partidos políticos. E, terceiro, criar instrumentos de permanente relação com a sociedade, seja ouvidoria, fóruns, plenárias, audiências públicas, capazes de canalizar as reivindicações, e a gente trabalhar as questões ou resolvê-las sem manipulação e sem jogo. Pode ser difícil, mas eu me proponho o desafio de manter uma permanente comunicação com a população.

Myrian Luiz Alves é jornalista (entrevistas).
Hamilton Octavio de Souza é jornalista (texto final).