Sociedade

A polêmica sobre os transgênicos deixou de ser restrita a técnicos e passou a envolver várias organizações da sociedade civil. Parece que o Brasil desperta para as implicações para a segurança alimentar, a economia, a saúde e o meio ambiente, do avanço da biotecnologia no campo da manipulação genética

Transgênico ou organismo geneticamente modificado (OGM) é aquele organismo cujo material genético (DNA ou RNA) tenha sido modificado por técnicas de engenharia genética, tendo recebido genes provenientes de outro organismo (genes exógenos). O desenvolvimento da capacidade técnica para retirar o gene de uma espécie e introduzi-la no código genético de outra, a denominada engenharia genética, possibilita o rompimento das barreiras sexuais que impedem o cruzamento genético entre espécies diferentes. A soja transgênica Roundup Ready, por exemplo, é uma variedade que recebeu genes de uma bactéria para tolerar a aplicação de gliphosate, um tipo de herbicida.

Riscos ao meio ambiente

Um dos mais graves perigos dos seres transgênicos refere-se à possibilidade de haver o "cruzamento" de cultivares transgênicas com plantas da mesma espécie e com parentes da cultivar domesticada, existentes na biodiversidade brasileira. Isso ocorre em pequeno percentual, mas é admitido por todos os cientistas. Por essa forma, as plantas nativas (ou mesmo as cultivares domesticadas, mas não transgênicas) poderiam incorporar esses genes, fora do controle humano.

Poderá, por exemplo, o gene Bt do milho transgênico transferir-se espontaneamente para a enorme diversidade de variedades tradicionais (que se constituem em fonte genética de melhoramento da espécie) ou, mesmo, para outras gramíneas, contaminando geneticamente essas plantas, já que o gene da bactéria Bt não faz parte de seu código genético. Com isso a característica conferida por este gene, que é de agir como um "inseticida natural", poderá se expressar nestas outras plantas, afetando o equilíbrio ambiental pela destruição de insetos benéficos e mesmo inimigos naturais de algumas pragas.

Nestas hipóteses, teme-se que outras plantas venham a adquirir tolerância a insetos ou a herbicidas, tornando-se "superpragas", já que seria dificultado o controle sobre elas. Ou, de outra parte, poderão ser transferidos, espontaneamente, genes a espécies e variedades que sejam alimento de insetos benéficos, provocando sua morte. Uma planta que incorpore o caráter "inseticida" pode afetar, além das pragas, os insetos benéficos ou os predadores naturais de outras pragas.

Evidências em estudos realizados na Escócia sugerem que os pulgões são capazes de incorporar a toxina das plantas Bt e transferi-la para seus predadores (as "joaninhas"), afetando a reprodução e a longevidade destas espécies benéficas. Estudos conduzidos pelo Scottish Crop Research Institute relatam que pássaros inimigos naturais de pulgões foram afetados ao comerem pulgões alimentados com batatas geneticamente modificadas para produzir toxinas de resistência ao afídeo.

Estas possibilidades ensejariam ocorrências que redundariam em importantes alterações no equilíbrio dos ecossistemas. Este é um ponto crítico da análise da liberação de transgênicos no meio ambiente. Trata-se de uma decisão que, tomada, torna-se, de certa forma, irreversível. Uma vez disseminado na natureza, o gene pode se propagar sem controle. Não cabem, no caso, o recolhimento e destruição de estoques nas fábricas e no varejo, tão comuns quando se opta por liberar um produto comercial e, posteriormente, decide-se por apreendê-lo. No caso dos genes, na Natureza será impossível reverter o processo.

Riscos à saúde humana e animal

Não há até o momento estudos verossímeis que atestem a inocuidade dos transgênicos à saúde humana e animal. Relata-se o potencial efeito alergênico derivado da presença do transgene e a possibilidade de haver alterações no metabolismo humano, com geração de novos compostos ou modificação nos níveis de concentração dos já existentes.

Pesquisas relatam alterações no sistema imunológico e em órgãos vitais de ratos alimentados com batata transgênica. Essa descoberta originou imensa polêmica, em razão da demissão do pesquisador Arpad Pusztai (responsável pelos estudos na Escócia) que, logo após, foi apoiado por cientistas de 16 países da Europa, ampliando com isso a discussão em torno do potencial de danos que os transgênicos podem causar à saúde e que hoje são ocultados.

Já foram relatados casos de morte de 37 pessoas e doenças em 1500, no Japão, a partir de 1989, presumivelmente provocadas pelo consumo de triptofano – um aminoácido – produzido com o concurso de uma bactéria geneticamente modificada. Também foi noticiado o caso de ocorrência de fortes reações alérgicas em consumidores de feijões nos quais havia sido inserido o gene de castanha.

A questão é mais complexa do que parece, por estender-se por toda a cadeia agroalimentar. Isto significa que um determinado gene introduzido no milho, por exemplo, significará potencial risco à saúde de todos aqueles que consumirem o milho in natura, bem como seus derivados: óleo, farinha e todos os produtos dela derivados, frango ou suíno alimentados com milho, enfim um sem-número de produtos consumidos.

Também se aponta, como fator de risco à saúde, o fato de que a tolerância induzida às plantas, com relação a herbicidas (e futuramente, a outros agrotóxicos), ocasionará um incremento dos níveis de resíduos desses produtos nos alimentos, elevando sua ingestão pelo ser humano e pelos animais, do que decorre óbvia apreensão com as conseqüências para a saúde. A propósito, lembra-se que o Ministério da Saúde do Brasil elevou – "coincidentemente" às vésperas da liberação da soja RR pela CTNBio – o limite máximo de resíduos de Glifosate aceito para soja, de 0,2 ppm para 2 ppm.

Estudo encomendado pelo governo da Noruega, que trás uma vasta bibliografia sobre o assunto, apresentado por Ângela Cordeiro (1999), cita diversos outros casos de forte impacto dos organismos geneticamente modificados sobre a saúde e o ambiente. Dentre os quais, pode-se citar:

i) um hormônio bovino, o BGH, teve a substância epsilon-N-acethilisina substituída por lisina no hormônio produzido por transgênicos. O leite dos animais tratados com este hormônio apresenta altas concentrações de IGF-1, substância que aumenta riscos de câncer da mama;

ii) na safra de 1996, foi observada queda das maçãs no algodão transgênico tolerante ao herbicida, sem a expressão do gene de tolerância;

iii) o fumo transgênico utilizado para produzir Ácido G-Linolênico, acabou por gerar produto tóxico que não ocorre em fumo sem o uso dessa técnica;

iv) levedura modificada para aumentar a fermentação acumulou methil-glyoxal em concentrações tóxicas e mutagênicas;

v) assim como estes, outros 335 casos são enumerados para mostrar novas viroses resultantes de cultivos transgênicos, além de inúmeras outras sequelas.

Portanto, a despeito da possível validade técnica e interesse à humanidade da inovação biotecnológica e, ainda, da existência de um aparato normativo e institucional, persistem muitas dúvidas sobre o impacto da tecnologia. As decisões tomadas o são de uma forma precipitada, sendo necessário proibir – pelo menos por alguns anos – a liberação comercial desses produtos.

Como vimos, há razões de sobra para se considerar a questão dos transgênicos como de alta relevância e com sérias e profundas implicações para vários setores da sociedade brasileira. Ela afetará tanto os campos econômico – a agricultura especificamente – como os relacionados ao meio ambiente, à saúde da população, à política de ciência e tecnologia, com rebatimentos nas questões éticas e políticas, inclusive no que se refere a aspectos de soberania nacional.

Consta, na Convenção da Biodiversidade, assinada pelo Brasil, o Princípio da Precaução, que dá base às justificativas para instituir-se uma moratória dos produtos transgênicos. A análise das questões legais que envolvem o tema no Brasil indica a necessidade de se aprimorar os instrumentos existentes, após já completados cinco anos de aplicação da Lei de Biossegurança.

Há a necessidade de testes com mais tempo de duração. Como dizem alguns cientistas, a ausência de evidência jamais é evidência de ausência. Mas no caso do Brasil, a CTNBio e o governo têm feito exatamente o inverso.

O marco regulatório

A Lei 8.974, de 1995, chamada Lei de Biossegurança, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização para o uso das técnicas de engenharia genética em construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de OGMs, visando proteger a vida e a saúde do homem, dos animais, das plantas e do meio ambiente. O Decreto 1.752/95 regulamentou a Lei de Biossegurança e dispôs sobre a vinculação, competência e composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio.

A CTNBio, de acordo com a Lei de Biossegurança e os decretos regulamentadores, teria, dentre outras, as funções de propor uma política nacional de biossegurança; o Código de Ética de Manipulações Genéticas e emitir parecer técnico prévio conclusivo sobre o registro, uso, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, liberação e descarte de produto contendo OGM ou derivados, encaminhando-o ao órgão de fiscalização competente; exigir, se necessário, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (Rima).

Tendo iniciado seus trabalhos em 1996, a CTNBio colocou o carro na frente dos bois, apreciando solicitações para implementação de experimentos com OGMs antes de cumprir sua primeira função: propor uma política nacional de biossegurança. No mesmo caminho atabalhoado, a CTNBio aprovou "campos demonstrativos" de OGMs e finalmente aprovou a liberação comercial de algumas variedades de soja transgênica da companhia Monsanto, conhecidas como Roundup Ready, em 1999, sem sequer exigir EIA/Rima.

Diante de tais descalabros, as organizações da sociedade civil Greenpeace e Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) questionaram na justiça a liberação comercial das referidas variedades. A decisão do Juiz Federal da 6a Vara de Brasília, Dr. Antonio de Souza Prudente, determinou a proibição da soja Roundup Ready, até que fosse apresentado o estudo prévio de impacto ambiental. O Juiz determinou, simplesmente, que a CTNBio cumpra a lei!

Na realidade, as decisões da CTNBio são passíveis de questionamento não apenas pelo seu desrespeito à legislação ambiental. Quando da promulgação da Lei de Biossegurança, o presidente da República vetou os artigos 5o e 6o, que criavam a CTNBio e determinavam suas atribuições. Portanto, a CTNBio foi criada, efetivamente, pelo Decreto 1752/95. Esta criação necessariamente deveria ocorrer por meio de lei, portanto toda a existência da CTNBio pode ser considerada ilegal e seus atos nulos.

A partir do ocorrido, seria lógico supor que o governo passasse a respeitar a legislação ambiental e buscasse exercer o princípio da precaução. Contudo, em 29 de dezembro de 2000, o Diário Oficial da União publicou a Medida Provisória nº 2.137, que acresce e altera dispositivos da Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Nesta medida o governo tenta corrigir a ilegalidade da existência da CTNBio e amplia suas atribuições.

Agravando sobremaneira a generalizada bagunça que permeou todo o processo de criação da CTNBio, a medida provisória, em seu artigo 3º, convalida todos os atos praticados pela "inexistente" CTNBio. Se considerarmos que a criação de tal órgão não poderia se dar por meio de decreto, nos termos do artigo 61, inciso II, alínea e da Constituição Federal, teremos que os atos praticados por tal comissão no período entre janeiro de 1995 e dezembro de 2000 são nulos de pleno direito, visto que praticados por órgão inexistente, portanto sem competência para tanto. O Partido dos Trabalhadores apresentou representação junto ao Ministério Público contra essa medida provisória.

Como pode-se observar, o governo, ao contrário do princípio da precaução, busca acelerar a liberação dos transgênicos em claro atendimento aos pleitos das companhias multinacionais e sem qualquer zelo pela saúde dos consumidores brasileiros e pela integridade do meio ambiente. Por outro lado, os partidos de oposição apresentaram vários projetos de lei, principalmente no sentido de uma moratória à liberação comercial dos organismos geneticamente modificados.

Propriedade intelectual

O tema tem também profunda vinculação a outro tipo de legislação, as leis de propriedade intelectual. Por intermédio destas leis as companhias detentoras da tecnologia dos transgênicos passam a deter monopólio sobre seus produtos. Essas companhias passam a deter o total controle sobre as sementes dessas variedades, passando a usufruir do controle de parte da produção alimentar brasileira.

A Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, conhecida como Lei de Propriedade Industrial ou Lei de Patentes, é uma das legislações com maior impacto sobre a segurança alimentar. Esta lei permite o monopólio das "invenções" por meio da consagração de direitos de propriedade intelectual em diversas áreas, inclusive alimentos e medicamentos.

Esta nova lei veio substituir a antiga regulamentação de patentes, datada de 1971, que impedia o patenteamento de fármacos e alimentos. A implantação do novo sistema de patentes foi conseqüência de um poderoso processo de pressão internacional, principalmente por parte do governo norte-americano.

O texto final da Lei de Patentes atende às principais reivindicações da indústria farmacêutica e biotecnológica transnacional. O patenteamento foi ampliado para medicamentos, alimentos, modernas biotecnologias e microorganismos transgênicos classificáveis como invenções, atendendo plenamente as exigências do GATT.

Na realidade, a Lei de Patentes, promulgada em clima de festa pelo governo FHC, vai muito além do GATT na defesa dos interesses privados das transnacionais. No que se refere ao patenteamento de formas de vida, a lei estabelece que os produtos e processos biológicos naturais não são patenteáveis, bem como plantas e animais. Apesar desta proibição, a lei permite seu patenteamento indireto de duas maneiras. Primeiro, a patente de processo concede direitos sobre os produtos (plantas transgênicas, por exemplo) resultantes da utilização deste processo. Segundo, plantas e animais poderão ser submetidos a patentes sobre todos os genes a eles transferidos por meio de processos que utilizem microorganismos transgênicos.

A Lei 9.456, de 25 de abril de 1997, conhecida como Lei de Cultivares, é outra iniciativa recente em termos de direitos de propriedade intelectual com alto impacto sobre a segurança alimentar e a biodiversidade agrícola. Ela visa proporcionar direitos de propriedade intelectual ao melhorista (ou empresa de melhoramento) de plantas. A lei permite que o melhorista ou empresa solicite o registro da cultivar por ela desenvolvida. O registro, quando concedido, confere direitos de monopólio sobre a cultivar, tais como a prerrogativa de autorizar a reprodução da cultivar protegida por terceiros, e a percepção de royalties pela sua comercialização. Ou seja, as sementes da cultivar protegida só poderão ser reproduzidas com finalidade comercial com a autorização do detentor do registro, o mesmo ocorrendo com a comercialização propriamente dita.

Enfim, a Lei de Cultivares e a Lei de Patentes asseguram às companhias detentoras das tecnologias de engenharia genética o total monopólio sobre as variedades de plantas. Ou seja, o agricultor que passar a utilizar essas variedades transgênicas, duplamente protegidas por patente e registro de cultivar, estará impedido de se utilizar de parte da colheita para o plantio da próxima safra ou de intercambiar sementes. A Monsanto, por exemplo, processou centenas de agricultores norte-americanos por violação de patentes. Cabe lembrar que as variedades h tiveram requeridas patentes no Inpi além do registro de cultivar.

Impactos econômicos

Este quadro jurídico, que por um lado acelera a tentativa de liberação dos OGMs e por outro assegura o monopólio das variedades às companhias, tem profundos impactos econômicos. A grande polêmica suscitada em torno dos produtos transgênicos, envolvendo aspectos das políticas alimentar, de saúde e de meio ambiente, incorpora, em alto grau, um componente de grande interesse econômico, especificamente vinculado à face comercial da tecnologia. Estima-se que o setor de biotecnologia mundial, que representou algo como US$ 500 milhões em 1995, alcance US$ 6,6 bilhões em 2006 e até US$ 20 bilhões em 2010. Se em 1987 havia apenas cinco testes com cultivares agrícolas transgênicas nos EUA, hoje já se contam aos milhares em toda parte do mundo.

Um primeiro impacto é a perda de direitos por parte dos agricultores, que se tornam cada vez mais dependentes das companhias sementeiras (geralmente multinacionais) para produzirem. Como vimos, os agricultores perdem seu direito milenar de guardar parte da colheita para replantio na safra seguinte. Ademais, haveria uma tendência de aumento nos preços das sementes.

Outro impacto importante é sobre a segurança alimentar. Por um lado, o insumo básico da produção agrícola, a semente, deixa de estar sob o controle de milhões de agricultores para se transformar em monopólio de algumas companhias multinacionais. Ou seja, nossa segurança alimentar passa a sofrer enorme influência dos interesses privados dessas companhias. Por outro lado, a quebra do direito de replantio pelos agricultores significa a destruição do processo de desenvolvimento, adaptação e uso sustentável da biodiversidade agrícola.

Embora a liberação comercial de transgênicos continue proibida por decisão judicial, há um impacto direto que já se faz sentir claramente na sociedade brasileira: a oligopolização e trasnacionalização do setor sementeiro. As leis de propriedade intelectual, associadas às inimagináveis possibilidades de lucro pela associação de uma variedade transgênica ao uso de um produto químico da mesma companhia, estão levando a uma profunda reestruturação do mercado brasileiro de sementes.

O setor de híbridos de milho já tinha a participação de multinacionais desde as décadas de 60 e 70. O que surpreende é a velocidade com que essas empresas deslocam as empresas nacionais e o espantoso crescimento da Monsanto. Se antes tínhamos uma empresa nacional (Agroceres) entre as maiores – com 26% do mercado –, após 1997 as empresas nacionais detêm somente 5% do mesmo e a Monsanto já domina 60% do mercado.

O mesmo processo, embora em intensidade distinta, ocorre no mercado de variedades. Esta diferença de intensidade se deve à recente inserção das multinacionais no setor, iniciada a partir das leis de propriedade intelectual. Até então, as multinacionais se concentravam no mercado de híbridos de milho. De toda forma, o espantoso crescimento da Monsanto, de zero para 18% do mercado, demonstra a voracidade desta companhia. Chama a atenção, ainda, que até 1997 todas as empresas eram nacionais e a partir de então as multinacionais já dominam mais de 20% do setor! É evidente que há uma tendência a que a médio prazo as multinacionais venham a dominar também o mercado de variedades, como já faz com os híbridos.

Este crescimento das multinacionais se deu por meio da compra de várias empresas que atuavam no Brasil. Esse quadro de profunda concentração e transnacionalização da indústria sementeira traz graves conseqüências. Nossa agricultura perde autonomia e torna-se dependente de algumas companhias multinacionais. Nem mesmo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa, sai ilesa. Apesar de sua importante presença no mercado de variedades, esta empresa pública vem firmando convênios com as multinacionais para introdução de transgenes (patenteados por aquelas) em suas variedades. Os contratos têm regras de sigilo e asseguram que a Embrapa respeitará plenamente as patentes das transnacionais.

Dentre os três maiores exportadores, EUA e Argentina plantam soja transgênica sem restrição, sem rotulagem e sem condições de rastreamento. O Brasil não planta comercialmente OGMs. Esta vantagem competitiva, que só o governo se recusa a enxergar, obviamente vem motivando algumas estratégias curiosas por parte das empresas. A Monsanto, por exemplo, ao mesmo tempo em que processava agricultores norte-americanos por violação de patentes, iniciou a venda de sementes de soja transgênica na Argentina sem o mesmo zelo por seus direitos de propriedade intelectual. Coincidentemente, a Argentina goza de extensas fronteiras com o Brasil!

Esta vantagem comparativa chegou até mesmo a motivar declarações absurdas em jornais norte-americanos de que 30% da soja brasileira seria transgênica. Todas essas ações, inclusive a pressão para que o Brasil libere os OGMs, têm como motivação impossibilitar aos consumidores a escolha de produtos não transgênicos.

Conclusões

Há uma série de outros aspectos dos OGMs que poderiam ser tratados. Contudo nossa intenção é iniciar um debate, que por sua complexidade certamente será retomado. Por fim, abordamos alguns aspectos que julgamos imprescindíveis.

A Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, coordenada pelas ONGs Esplar, Greenpeace, Idec e Inesc, contando com a participação de diversas outras entidades como ActionAid Brasil, AS-PTA, Cecip, Cae etc., vem desenvolvendo uma série de atividades da maior importância. A campanha vem acompanhando os processos jurídicos, promovendo ações de esclarecimento à sociedade, elaboração de cartilhas, júris populares, análise de alimentos comercializados e denúncia dos que contêm OGMs. Esta iniciativa da sociedade civil vem conseguindo, na prática, obstar a liberação dos OGMs, ao mesmo tempo que questiona o modelo de desenvolvimento associado aos mesmos.

Os movimentos sociais do campo também estão se mobilizando. Destacamos as ações do MST ao ocupar navio com milho transgênico e destruir algumas lavouras de soja transgênica. Na realidade, essas ações vêm no sentido de corrigir as ilegalidades do governo e da CTNBio. Além desses movimentos sociais, algumas associações de consumidores e ambientalistas denunciam fortemente a entrada ilegal de OGMs, a exemplo das ações do grupo Argonautas em supermercados de Belém.

Os partidos de oposição vêm cumprindo um papel importante, seja no parlamento seja em governos estaduais e municipais. As ações contra a medida provisória, os projetos de lei de moratória, em tramitação, e as diversas leis estaduais e municipais aprovadas demonstram o acúmulo de propostas que os partidos democráticos e populares têm sobre este tema. Dentre as ações governamentais, destacamos diversas do Rio Grande do Sul, como sua proposta de criação de uma zona livre de OGMs, suas ações contra experimentos irregulares e sua forte fiscalização para coibir o contrabando de transgênicos. Infelizmente, o governo federal vem procurando obstar, de todas as formas, a ação deste governo estadual no cumprimento da lei.

É absolutamente necessária uma moratória na liberação comercial de OGMs até que se tenham dados mais conclusivos sobre seus impactos. É necessário também dar continuidade às pesquisas, mas com ênfase em todos os estudos de impacto e absoluta proibição até assegurada a segurança propugnada.

Finalmente, devemos observar que os OGMs trazem consigo um modelo de desenvolvimento baseado no controle da produção agrícola pelas multinacionais, no incremento do uso de insumos químicos, na retirada de direitos dos agricultores e na ameaça à segurança alimentar. Deste ponto de vista, a busca por um Brasil livre de transgênicos significa a luta por uma agricultura sustentável, em harmonia com o meio ambiente e sob controle dos agricultores familiares. Enfim, uma agricultura voltada para a garantia da segurança alimentar do país, e não para os lucros das companhias.

Adriano Campolina é engenheiro agrônomo, coordenador de campanhas da ActionAid Brasil.

José Evaldo Gonçalo é engenheiro agrônomo, assessor técnico da bancada do PT na Câmara dos Deputados.