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O PT disputa a hegemonia no Acre com uma proposta abrangente de desenvolvimento

Sob vários aspectos, o Acre é um estado ímpar. É a única, entre todas as unidades da federação, que pertencia a outro país, a Bolívia; tem um fuso horário próprio (duas horas a menos que Brasília). Para o PT, o Acre também tem suas singularidades. O partido governa o estado em aliança com o PSDB; é o único estado em que elegeu dois senadores; venceu as eleições municipais com candidato próprio em 7 dos 22 municípios e tem o vice-prefeito em mais três; tem vereadores em 20 municípios, isto é, em 90% do total; portanto, relativamente é, em termos institucionais, o PT mais forte do Brasil.

A luta para ser Brasil

Com um território de 152.589 km2, até meados do século passado o Acre era habitado apenas por algumas tribos indígenas. Sua metade sul pertencia à Bolívia e sua metade norte ao Peru. Por esta terra distante e desconhecida de vez em quando aventuravam-se cientistas estrangeiros. Até que um certo dia um desses aventureiros descobriu um objeto estranhíssimo, que desafiava a lei da gravidade, pois jogado ao chão batia e subia. Estava descoberta a borracha e com ela mudava a face do território. Começavam os seringais organizados, numa colonização que se fez contra índios, mas também contra bolivianos e peruanos. As grandes secas que assolaram o Ceará na década de 1870 forneceriam a mão-de-obra. A borracha acreana faria o fausto de Manaus.

O Vale do Acre, centro da produção, no sul do estado, pertencia à Bolívia. Porém, a ocupação boliviana naquela região tão distante e diferente do altiplano não ia muito além de um posto do exército em Puerto Alonso.

Território boliviano, mas ocupado por brasileiros. Produção de grande valor comercial na Europa, exportada via Manaus, mas que pagava taxas à Bolívia. Na década de 1890, a tentativa de formar um truste com capital norte-americano, o Bolivian Syndicate, que arrendaria uma parte do território e controlaria a produção foi o estopim. Os governos do estado do Amazonas e do Brasil incentivaram a revolta. Em 1º de maio de 1899 uma junta revolucionária liderada pelo cearense José de Carvalho expulsou os bolivianos e passou a administrar o território. Teve curta existência. Porém, em 14 de julho do mesmo ano, as tropas do aventureiro espanhol Luíz Galvez tomaram Puerto Alonso. Não foi bem da maneira que conta Márcio Souza no divertido Galvez, Imperador do Acre. O espanhol proclamou uma república independente e, para forçar o reconhecimento internacional e poder passar a cobrar taxas de exportação da borracha, promoveu um boicote da venda. Tanta ousadia não poderia durar muito. Contrariando os interesses dos bolivianos, dos seringalistas, dos atravessadores de Manaus e do governo do Amazonas, a república independente foi dissolvida. Mas em 1903, o gaúcho Plácido de Castro organizou um exército de seringueiros, desta vez com uma promessa básica: distribuir terra.

No dia 24 de janeiro os bolivianos são vencidos e Puerto Alonso tornou-se Porto Acre. O objetivo era a anexação ao Brasil, mas o Acre permaneceu como território independente e o Brasil o reconheceu como região em conflito. O Exército brasileiro controlava parte do território e Plácido de Castro controlava sua porção mais ocidental. Nesse mesmo ano porém o Exército desarmou Plácido de Castro. Como afirma o historiador Antonio Alves, presidente da Fundação Elias Mansour (que faz as vezes de secretaria de cultura do estado): "Um estado que tinha o segundo produto de exportação, com um líder carismático, um exército autônomo, um povo em armas, era muito perigoso para o Brasil". Paralelamente, o Barão do Rio Branco negocia o Tratado de Petrópolis, pelo qual a Bolívia reconheceu a soberania brasileira sobre o Acre em troca de alguns milhares de libras esterlinas e da promessa de construção de uma ferrovia que possibilitaria a saída dos produtos bolivianos pelo Atlântico. Plácido de Castro é assassinado poucos anos depois. Mas temeroso daquele povo em armas, o governo brasileiro criou a figura esdrúxula do território para enquadrar o Acre. Prossegue Antonio Alves: "O Brasil é a união dos estados da federação. Mas cria-se um território que não é estado. Ele pertence e é administrado pelo conjunto dos outros estados e passa a ser governado por interventores federais. Isso cria na população um sentimento de revolta. Este longo período sem autonomia – o Acre só se torna estado em 1962 – criou um sentimento oposicionista, que às vezes ganhava até um tom meio separatista". O governador Jorge Viana considera: "Passamos 60 anos sem poder eleger nosso governador. Logo depois de se eleger o primeiro, vem o golpe em 64, cassa o governador e aí ficamos mais 20 anos sem eleição. O acreano sempre reagiu fortemente a isso."

Em 1913, com a introdução no mercado da borracha plantada pelos ingleses na Malásia, o preço da borracha amazônica despencou e o Acre começou a viver um longo período de decadência econômica, brevemente interrompido durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos se foram, mas os seringueiros que ficaram obtêm a permissão para plantar (atividade proibida no auge da borracha). Começou a haver agricultura. Também outras riquezas da floresta passam a ser exploradas, como a castanha, a madeira, pele de animais, óleos, ervas etc. Inicia-se uma nova ocupação da floresta. Forma-se assim uma economia um pouco mais diversificada, realmente florestal e uma sociedade cuja convivência com a floresta deixou de ser de conflito com os índios, de conquista, de colonização. Estabelece-se um padrão civilizatório com uma vertente indígena e uma vertente nordestina muito forte. Passa-se a ter a formação da consciência de um povo, noção de regionalidade e uma linguagem comum.

A pecuária e os seringueiros

Em 1970, com os incentivos fiscais da Sudam, chega a grande pecuária à Amazônia. O Acre tem 15 milhões de hectares e só no período 1970-74 um terço das propriedades mudou de dono. Nos últimos 30 anos, cerca de 1,5 milhão de hectares foram desmatados. As populações da floresta foram expulsas para as cidades. Rio Branco, que em 1970 tinha 35 mil habitantes, hoje atinge 250 mil. Ao mesmo tempo, o Incra propôs uma colonização semelhante à de Rondônia, de pequenas propriedades rurais em áreas desapropriadas.

Porém, os projetos de assentamento do Incra não correspondiam aos interesses dos seringueiros. "A distribuição de lotes de 100 hectares não era adequada. Na floresta, não é tão importante a extensão da terra, mas sim a quantidade de recursos nela existentes. Você pode ter uma colocação de seringa de 500 hectares, mas que tenha apenas 200 árvores, que seja ruim de caça e tenha pouca água. E você pode ter outra colocação bem menor, mas onde haja duas estradas de seringa, água abundante e muita caça", explica Antonio Alves. Quando a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), também na década de 70, começou a organizar os sindicatos de trabalhadores rurais no Acre, ela encontrou seringueiros que lutavam não propriamente pela terra, mas pela floresta. Eles tinham estabelecido um modo de vida que devia muito ao aprendizado com os índios. Os seringueiros começaram a se organizar. Nesse processo se formou o Conselho Nacional dos Seringueiros, com a presença de lideranças como Chico Mendes e Wilson Pinheiro. Elaborou-se uma visão própria de desenvolvimento, em convivência com a floresta. Assim nasceram as propostas da Aliança dos Povos da Floresta e das reservas extrativistas.

PT: a constante ascensão
Na década de 70, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) tinham desta cada atuação no Acre. Nesse mesmo período, a Contag decidiu se organizar no estado e para lá enviou João Maia, aquele mesmo que teve seu mandato de deputado federal cassado no episódio de compra de votos na Câmara. João Maia teve importante atuação organizando os sindicatos de trabalhadores rurais no estado e o PT. Como conta Francisco Afonso Nepomuceno, o Carioca, assessor para assuntos políticos e institucionais do gabinete do governador: "O PT pegou uma carona neste movimento. Foram duas vertentes principais: as CEBs e o trabalho da Contag. Depois vem o movimento dos seringueiros e o PT bebe muito nessa fonte. Em Rio Branco, havia um PCdoB forte no movimento sindical e o PT tinha dificuldade de avançar. Tinha alguma expressão no movimento estudantil, principalmente o setor ligado à corrente O Trabalho".

Nas eleições de 82, o PT lançou o atual deputado federal Nilson Mourão para governador. Num quadro nacional de fracos resultados, até que o Acre não se saiu tão mal, pois foi um dos quatro estados onde o PT conseguiu eleger deputado estadual. É eleito Ivan Melo, expulso porém do partido no primeiro ano de mandato. O PT fica sem representação institucional no estado até 1988, apesar de manter relação com o forte movimento dos seringueiros e de crescer no movimento sindical em Rio Branco. Na formação da CUT, a hoje senadora Marina Silva é eleita sua primeira presidente no estado. Como diz Carioca: "Era um período de muito sectarismo interno. Havia muita disputa e se o candidato majoritário era de uma corrente, nem todos da outra corrente se empenhavam pra valer na campanha".

A virada começa a se dar nas eleições de 1988, quando o partido elegeu uma vereadora em Rio Branco: Marina Silva, a mais votada da cidade. A partir daí, há um crescimento constante. Continua Carioca: "Houve uma mudança de mentalidade à medida que o sectarismo interno diminuiu e o PT começou a ver que existia algo contra o que brigar fora do partido". A campanha Lula presidente em 89 impulsionou este processo e em 90 o PT, lançando Jorge Viana, polarizou a disputa eleitoral no estado.

Filho de Wildy Viana, um político tradicional que por várias vezes foi deputado estadual e federal, engenheiro florestal, Jorge estudou em Brasília enquanto seu irmão, o hoje senador Tião Viana estudava Medicina em Belém. Jovem, nascido em Rio Branco, tinha a herança do nome do pai e a força de um PT em ascensão. Jorge conseguiu ir para o segundo turno e só perdeu a eleição para Edmundo Pinto porque os três candidatos da direita se unificaram.

Saindo da eleição com grande prestígio, Jorge foi eleito prefeito de Rio Branco em 92. Em 96, o hoje deputado federal Marcos Afonso, candidato do PT à sucessão, é derrotado de forma fraudulenta. Conta Clélio Rabelo, assessor de comunicação do governo: "Na época eu era correspondente do Globo e denunciei. Segundo o Ibope, na véspera da eleição o Marcos Afonso tinha 12 pontos à frente, se não me engano. Eles injetaram R$ 900 mil em espécie no dia da eleição na compra de votos num eleitorado de 150 mil eleitores. O Mauri Sérgio ganhou com 7 pontos à frente!" Mas o prestígio da gestão petista à frente da Prefeitura de Rio Branco, aliado ao conhecimento da fraude nas eleições de 96 fizeram com que a população desse o troco em 98.

Azul x vermelho

Desde o início do século o sentimento de revolta e o oposicionismo entre os acreanos foram uma constante. Explica Antonio Alves: "Aqui convivem historicamente dois campos. Um governismo muito forte, que vicejou nesses anos de dependência. É um estado onde o desenvolvimento econômico foi abafado, crescendo apenas atravessadores. Um estado em que se formou uma casta governante subordinada primeiramente a Manaus e Belém e depois a São Paulo e Brasília. Um estado baseado no coronelismo dos seringalistas. De outro lado, havia uma elite urbana, os trabalhadores e o funcionalismo público mantendo um sentimento oposicionista". Por décadas essa polarização se expressou pelo PSD e pelo PTB. Depois do golpe, o MDB herdou a tradição oposicionista. Vale a pena lembrar aliás que seu primeiro presidente nacional, Oscar Passos, era um senador acreano.

Na década de 90, o crescimento do PT faz com que essa polarização passe a se expressar por meio de outros atores: de um lado, a direita se unifica no MDA – Movimento Democrático Acreano –, que tem o PMDB, o PFL e o PPB como expoentes; de outro, a Frente Popular, hegemonizada pelo PT, que nas eleições de 98 abrangia 12 dos 17 partidos existentes no estado, inclusive o PSDB, que a integra desde a eleição para a Prefeitura de Rio Branco em 92. O estado está polarizado. Ao azul do MDA se contrapõe o vermelho da Frente Popular e do PT.

Jorge Viana explica: "Não tinha como governar o Acre se não houvesse uma aliança com setores até mesmo conservadores mas que têm dignidade e não estavam ligados ao crime organizado. Fizemos uma opção de, sem abrir mão dos princípios, fazermos uma aliança ampla. Não descaracterizamos a administração do PT, estamos conseguindo desmontar o crime organizado, mudar um pouco o perfil da economia e construímos uma condição melhor de governabilidade".

Com essa concepção, a Frente Popular concorreu em 98 com Jorge Viana para governador e Edson Cadaxo, do PSDB, para vice. Cadaxo, um senhor de 80 anos, tem larga trajetória política e uma reputação muito sólida. Filiado ao MDB e depois ao PMDB, foi vereador em Cruzeiro do Sul e deputado estadual por seis legislaturas. Eleito vice-governador em 86 chegou a exercer o governo por quase um ano. Cruzeiro do Sul, terra de Cadaxo, é o segundo município do estado, com 67 mil habitantes, localizado no vale do Juruá, e é quase obrigatório que, numa composição eleitoral, se o cabeça de chapa for de Rio Branco, o vice venha daquela região. Conta-nos o vice-governador que, quando convidado por Jorge Viana para fazer parte da chapa, pensou: "Conheço o Jorge como um rapaz sério. Como prefeito de Rio Branco fez um ótimo trabalho. E aí aceitei". Não se arrepende e avalia: "O patrimônio do estado estava se deteriorando, a sociedade estava se acabando e ninguém sabia o futuro do Acre. Hoje é outra coisa. Os governadores anteriores visavam a capital, o interior era sempre relegado. E o Jorge está mexendo em todo o estado".

Por trás do azul e do vermelho existem duas concepções de desenvolvimento. O azul representa a visão predominante entre as elites da região amazônica, baseada nos grandes projetos agropecuários e madeireiros, na tentativa de atrair indústrias, sem nenhuma preocupação com a preservação da floresta. É a linha da moto-serra. Expressa a junção das velhas elites tradicionais com novos setores associados ao comércio e principalmente às empresas que se estabeleceram com a construção civil, a pecuária e a exploração madeireira. Sua força vem basicamente da reprodução das práticas clientelistas, do poder econômico e do controle dos principais meios de comunicação.

O vermelho expressa os interesses de trabalhadores, índios, seringueiros, populações pobres urbanas, classes médias, estudantes. Dialoga com setores empresariais modernos que perceberam que a corrupção dominante nas relações políticas favorecia as grandes empresas de fora. Sua concepção de desenvolvimento tem origem numa certa leitura da realidade acreana e de sua história. Inspira-se na experiência das comunidades indígenas e mais particularmente na luta dos seringueiros e em suas propostas de reservas extrativistas. Explica Jorge Viana: "A coisa mais bonita aqui no Acre é que a gente conseguiu somar a um projeto de organização partidária, que é o PT, uma visão de organização da sociedade não só para o Acre, mas para toda a Amazônia, um modelo de desenvolvimento sustentável. Construímos um conceito completamente novo, que ninguém ainda definiu exatamente os contornos, que é o de florestania, a idéia de um desenvolvimento que associe o conhecimento tradicional das populações locais com o que há de mais moderno em tecnologia". Marina Silva desenvolve: "Os programas e projetos do governo do Acre derivam de um acúmulo de lutas de mais de 20 anos. Nós nos opomos a uma concepção que compreendia a floresta como obstáculo para o progresso. Construímos uma visão segundo a qual, ao contrário, ela é a condição da nossa sobrevivência. Nosso projeto faz da floresta o espaço não só de sobrevivência econômica, mas também do exercício coletivo dos direitos sociais, políticos e ambientais". Antonio Alves acrescenta: "Criou-se um modelo de desenvolvimento para a Amazônia segundo o qual ela só poderia se desenvolver se deixasse de ser Amazônia. O que queremos dizer com florestania é uma inversão desta lógica. Dos valores da floresta, do tipo de economia e de organização social adequados a ela, segundo seus recursos naturais, segundo os laços de tribalidade, de familiariedade e de solidariedade estabelecidos, pode-se deduzir uma outra concepção de economia, de organização social, de cultura, de civilização. Mesmo as cidades que temos aqui são clareiras. Elas são cidades da floresta, que têm ainda uma relação íntima com as áreas rurais".

O governo da floresta

Uma das primeiras medidas que o governo da Frente Popular tomou, no dia 13 de janeiro de 99, foi a aprovação da Lei Chico Mendes, de incentivo à produção da borracha, que em 98 era de apenas 1800 toneladas. Já em 2000 passou para 4500. O número de famílias envolvidas pulou de 2571 para 5700. O preço da borracha passou de R$ 0,60 para R$ 1,00. Com o subsídio oferecido pelo governo do estado, no valor de R$ 0,40, o seringueiro chega a receber R$ 1,40 por quilo. Muitas famílias de seringueiros, que tinham migrado para as cidades, voltaram para a floresta.

Na área do extrativismo há também outros projetos: o de manejo comunitário, que é a exploração de madeiras de forma sustentável por comunidades de pequenos produtores; a exploração de outros produtos, como óleos, fibras, castanha etc. Explica o professor José Fernandes do Rego, secretário de produção do estado: "Toda a estratégia do governo é de desenvolvimento sustentável com base extrativista e agroflorestal, com o aproveitamento econômico da floresta e das áreas já desmatadas e que estão em processo de degradação". Nessas áreas, o governo vem criando os chamados pólos agroflorestais. Há 14 em implantação. Situados perto das cidades, neles recebem um lote de 2 a 3 hectares famílias migrantes de origem rural. Sem deixar a cidade, elas voltam a trabalhar na atividade que conhecem: a agricultura. Em 98, havia uma área plantada de 5.237 hectares no estado. Como fruto desta política, hoje são 7.318 hectares.

Houve grande incremento também no crédito rural. Nos dois governos anteriores tinha-se investido um total de R$ 50 milhões em crédito rural. Só nos dois primeiros anos do governo petista foram aplicados R$ 48 milhões. A rede de assistência técnica agrícola foi ampliada de 55 profissionais para 164, criando-se escritórios em todos os municípios do estado. Os resultados já aparecem. Em dois anos, a produção de borracha cresceu 150%; a de café, 126%; a de grãos, 57%; a de leite, 42%.

No plano de governo apresentado durante a campanha, a Frente Popular se comprometia a criar, nos quatro anos de governo, 40 mil novos empregos. A oposição cobra, mas só em dois anos já foram gerados 20104 novos empregos permanentes.

Participação popular

Toda a ação de governo no interior visa a fortalecer a organização dos pequenos produtores rurais. Existem mais de 400 associações desse tipo, mais do que o dobro das que havia até 1998. Diz o professor Rego: "O que acontece em outras regiões da Amazônia é que em geral se forma uma associação só para pegar o crédito. Aqui não! A associação é organizada para gerenciar a vida da comunidade, e um aspecto disso é a produção. Por exemplo, no vale do Juruá há um sindicato que coordena 32 associações. Ninguém toma uma decisão se o sindicato não reuni-las. No Alto Acre tem o sindicato, mas tem também uma cooperativa que coordena as associações. Cada região tem seu modelo. Em geral, o sindicato trata do acesso às políticas públicas e a cooperativa, dos negócios. E tem também a CPT, que cuida da formação de líderes, treinamento etc. Esse tripé funciona muito bem. Para se ter uma idéia de quanto isto é forte, em convênios com essa estrutura de sindicatos, cooperativas e associações nós aplicamos cerca de R$ 1,5 milhão no ano passado". Na área da educação, há escolas comunitárias que não são do estado. Pertencem a sindicatos ou ONGs, têm convênios com o estado, que às vezes paga o salário do professor, mas quem o nomeia é a comunidade. Considera o governador Jorge Viana: "Nós centramos muito nossa política social no fortalecimento das ONGs, com convênios, com repasses de recursos para ampliar seu trabalho. O grande segredo de uma política social é articulá-la a um processo de participação e de envolvimento da sociedade".

Para implantar o Orçamento Participativo, o estado foi dividido em cinco regiões. São realizadas reuniões setoriais e plenárias abertas nos municípios, nas quais se discutem prioridades e são eleitos delegados para os encontros regionais. O processo culmina num grande encontro na capital. No último ano, 3 mil pessoas participaram do processo e o objetivo para este ano é alcançar 5 mil, ou seja, 1% da população do estado.

O crime organizado
A exemplo do que aconteceu no país, a década de 90 assistiu a um crescimento vertiginoso do crime organizado no Acre. Relata Jorge Viana: "A política velha conviveu nos últimos anos, de forma pacífica, com grupos de extermínio e com o narcotráfico. A um ponto que os próprios políticos tradicionais estavam virando reféns daquilo que eles deixaram que fosse criado à sua volta". Antonio Alves acrescenta: "Aqui o Estado serviu de incubadora para esses negócios criminosos. Alguns deles conseguiram se viabilizar, mas outros ainda estavam muito dependentes do poder de Estado. Estes, com a nossa chegada ao governo, foram desarticulados, mas obviamente o crime organizado tem seus sustentáculos em todas as instituições da sociedade".

Esta presença é menor do que nos outros estados amazônicos. Nem se pode comparar com o Amapá, por exemplo. O governo do estado jogou um papel extremamente importante no combate a essa rede. O próprio governador e sua família chegaram a receber ameaças de morte no período mais crítico do enfrentamento. É certo que o crime organizado continua existindo no estado. Mas a prisão de Hildebrando Pascoal – coronel da PM que era um dos comandantes do narcotráfico – e de mais 50 policiais civis e militares envolvidos foi um marco importante na luta contra o crime. "Estou convencido de que nem mesmo o presidente da República tem força para desmontar o crime organizado. Quem tem força é somente uma grande mobilização de instituições e de todo o povo. Aqui no Acre, não foi a ação isolada do nosso governo que desmontou o crime organizado. Foi uma ação conjunta de várias instituições, que envolveu o Ministério da Justiça, os Ministérios Públicos federal e estadual, as Justiças federal e local, a Polícia Federal, a polícia local, a imprensa nacional etc., com grande apoio popular. E a presença da CPI do Congresso aqui foi decisiva", analisa o governador.

Relações com o governo federal

Não só no combate ao crime organizado houve uma cooperação efetiva entre o governo do Acre e o governo federal. Em 1998, 92% do total de recursos do estado provinham de repasses do governo federal. Hoje, com as medidas adotadas no sentido do aumento da arrecadação própria e de combate à sonegação, este percentual baixou para 86%. Analisa o senador Tião Viana: "Este quadro faz com que sejamos absolutamente dependentes do ponto de vista econômico. Não teríamos condições de desenvolver políticas sociais e a infra-estrutura do estado sem uma parceria com o governo federal. Então temos que preservar o nosso conteúdo ideológico e ético e achar, no tocante ao governo federal, uma forma respeitosa de relação institucional entre esferas de governo". Marina Silva acrescenta: "Nós invertemos a política tradicional. Ao contrário dos governos anteriores, que vinham com o pires na mão buscar dinheiro do governo federal para depois decidir em que seria aplicado, preferimos adotar uma estratégia de apresentar projetos tecnicamente consistentes e legitimados pela sociedade para com eles reivindicarmos os recursos".

Tensões internas

No dia-a-dia, o encontro do ponto de equilíbrio nesta relação nem sempre é simples. O momento de maior tensão entre o partido e o governador se deu quando, em meados do ano passado, Jorge Viana assinou, junto com outros governadores, uma moção de solidariedade ao presidente da República no episódio Eduardo Jorge. Em reunião ampliada do Diretório Regional, contando com a participação de membros da Executiva do PT de Rio Branco, foi aprovada por unanimidade uma nota de crítica ao governador. Num estado pequeno, onde há cerca de 250 quadros petistas ocupando cargos de confiança no governo, entre eles vários dirigentes, as instâncias partidárias souberam manter naquele episódio sua autonomia. Até onde pude ouvir, não houve depois nenhuma pressão do Executivo a algum dirigente que fosse também funcionário do governo e portanto subordinado ao governador. Francisco Cartaxo, presidente do Diretório Municipal de Rio Branco e secretário-adjunto da Produção, analisa: "Eu acho que o Jorge poderia ter sido mais cauteloso. Mas ele entendeu bem a posição tomada pelo partido e eu diria que a partir daí as relações melhoraram substancialmente". O próprio governador afirma: "É um episódio completamente superado. Só quem vive situações como as que eu vivi pode tomar uma decisão errada. O certo mesmo era eu ter achado outra forma, mas naquele momento eu não encontrei".

Tensões nas relações entre partido e governo têm sido constantes na vida do PT em diversos municípios, ainda que com bem menor intensidade nos últimos anos. A senadora Marina Silva pondera: "A tensão é inevitável porque ao partido cabe apresentar um projeto e zelar por ele. Ao governo cabe governar para a sociedade. As demandas da sociedade se processam num ritmo diferente da dinâmica do partido. E dizem respeito a interesses que vão além dos partidários. Aprendemos a dialogar para resolver estas tensões. Aprendemos a não permitir que estas contradições se convertam em crise. Procuramos nos antecipar a elas. Hoje o diálogo interno é maior e a ele se deve atribuir a solução dos conflitos que enfrentamos". E o deputado Tião Viana acrescenta: "A idéia de governabilidade é ampla, horizontalizada e não deve atender a privilégios mas sim ao todo: as políticas públicas necessárias com as prioridades devidas. O partido por sua vez tem influência e sofre influência direta dos sindicatos e organizações populares. E aí está dado um conflito natural. Temos que ter muita maturidade para resolver. Um tem que aprender com o outro". Sebastião Machado, o Sibá, vice-presidente do partido no estado e secretário de Governo, afirma: "Quando o PT ganha uma eleição para o Executivo há uma certa crise, porque muitos militantes são convidados para a administração e os papéis ficam meio confusos. De dia você é secretário e de noite é um militante normal. Esses dois anos foram de muita dificuldade no relacionamento, houve momentos muito tensos que agora começam a se resolver. O PT sempre foi feito de reunião, de debate. É isso que tem que acontecer. Essa é a nossa metodologia. Nosso militante não sabe viver de outra forma. Tenho insistido para que a gente volte a trabalhar desse jeito".

O funcionalismo público

Durante os oito anos em que esteve à frente do governo estadual, o PMDB contratou 10 mil funcionários. Nos oito anos subseqüentes, a administração PFL/PPB contratou outros 10 mil. O governo da Frente Popular encontrou um quadro de 33 mil servidores, com salários atrasados em quatro meses, desmotivados e habituados às velhas relações de apadrinhamento. Logo no primeiro mês, a nova gestão implantou uma reforma administrativa que, sem demitir nenhum servidor, reduziu o número de cargos em comissão no governo de 2500 para 480. Em oito meses foram pagos todos os salários atrasados e hoje a folha está em dia. Foram feitos planos de carreira para os dois principais setores do funcionalismo: educação (cerca de 15 mil servidores) e saúde (outros 5 mil).

A oposição trabalha – até certo ponto com êxito – a imagem de que o governo da Frente Popular é perseguidor, de que quem não reza na cartilha do PT não tem chance. O governador comenta: "Reconheço que às vezes há uma certa intolerância de companheiros que assumem algum cargo de chefia e, na ânsia de fazer as coisas andarem, atropelam quem já estava ali. Mas a oposição acha que é intolerância trazer de volta para trabalhar funcionários que estavam no Rio, no Nordeste, até mesmo no exterior, ganhando dos cofres públicos. O governo criou um grande programa de capacitação do servidor e a oposição chegou ao ponto de dizer que nós perseguimos tanto que agora estamos obrigando o servidor a fazer curso!"

Rio Branco: a pedra-de-toque

Depois da gestão de Jorge Viana na Prefeitura de Rio Branco, a Frente Popular perdeu duas eleições para prefeito. A primeira em 86, no episódio citado da compra de votos, e a segunda no ano passado. O MDA lançou Flaviano Melo, ex-prefeito, ex-senador, ex-governador, um candidato peso pesado. A Frente Popular lançou o petista Raimundo Angelim, chefe do gabinete civil do governo do estado, uma jovem liderança que disputava um cargo majoritário pela primeira vez. Apesar do bom desempenho, Angelim perdeu por cerca de 3 mil votos. O PT, que tinha quatro vereadores em Rio Branco, viu sua bancada ser reduzida a dois parlamentares.

A capital concentra metade da população do Acre e a prefeitura será sem dúvida o núcleo da oposição ao governo do estado. As políticas de incentivo ao extrativismo, à agricultura e à volta dos migrantes para o interior, ainda que extremamente importantes do ponto de vista estratégico, não dão conta, a meu juízo, da miséria da maioria dos habitantes da capital. É necessário que políticas específicas para uma população urbana pobre, mas que não deixará de ser urbana em sua imensa maioria, sejam desenvolvidas sob pena de Rio Branco determinar a derrota eleitoral da Frente Popular em 2002.

Dois projetos do governo poderão causar forte impacto. O primeiro deles, não restrito a Rio Branco, mas de forte incidência na capital, é o Adjunto da Solidariedade, programa para reduzir a miséria e a fome e elevar a escolaridade no estado, que visa a atender 18.260 famílias, até dezembro de 2001, com o pagamento de bolsas e auxílios.

O segundo é o encantado Canal da Maternidade. Obra essencial de saneamento para Rio Branco, há mais de dez anos atrás o escândalo do seu superfaturamento provocou a queda do então ministro Rogério Magri. Cerca de dois anos após, o então governador Edmundo Pinto foi misteriosamente assassinado num hotel em São Paulo. O crime não foi devidamente esclarecido, mas comenta-se em Rio Branco que estaria relacionado ao escândalo. O Ministério Público federal entrou com uma ação civil pública sustando a obra, mandando fazer um novo projeto e uma nova licitação. O governo da Frente Popular conseguiu resolver as pendências na Justiça Federal e fez o novo projeto. O que seria o canal da Maternidade passa a ser o Parque da Maternidade que, além do tratamento da drenagem da bacia do igarapé, cria áreas de lazer. A obra, que custaria cerca de 100 milhões de dólares, na nova licitação custará cerca de 20 milhões e será realizada por empresas locais. Os recursos já estão liberados pelo Ministério da Fazenda e pela Caixa Econômica Federal. Em Rio Branco se diz que essa obra não sairá nunca. Mas, ao mesmo tempo, se tem a convicção de que se realizada, mudará o panorama da cidade.

Disputa de hegemonia

O Acre está hoje polarizado. Não apenas eleitoralmente. A disputa fez com que a eleição da Mesa da Assembléia Legislativa, ocorrida em fevereiro, com a vitória do vermelho por 13 a 11, fosse alvo de inusitada atenção por parte da população local. E, coisa rara no campo da esquerda, o PT acreano tem um projeto global para o estado, uma proposta econômica, social, política e cultural articulada, que nasce de uma leitura da realidade acreana, com raízes na história do estado. Que propõe uma forma específica de inserção do Acre no país e no mundo. Uma concepção que, para além de divergências e disputas outras, unifica o discurso dos petistas e dos setores populares. Florestania é um conceito usado por parcelas significativas da população. Segundo conta o senador Tião Viana, no dia 20 de janeiro quando estava em Xapuri, acompanhando a procissão de São Sebastião, uma multidão presente e uma das frases mais ouvidas, puxada por um padre da Igreja progressista, era: "viva a auto-sustentabilidade!".

2002 será um grande momento no enfrentamento entre estas duas forças. A Frente Popular tem grandes condições de manter o governo do estado e ampliar seu espaço no campo institucional. Mas independentemente e para além disso, há um projeto progressista enraizado no estado do Acre.

Ricardo de Azevedo é coordenador editorial de Teoria e Debate.