Nacional

A caducidade dos parâmetros tradicionais do Estado-nação e o impasse do modelo neoliberal indicam que a esquerda deve formular as bases de um novo modelo de Estado

O Brasil vive uma crise de governabilidade que decorre da conjugação de vários fatores. Trata-se de uma crise de modelo combinada com crise econômica, crise do modo de governar, crise político-institucional e crise moral. Crise de modelo, no sentido de que o eixo estruturante do projeto de poder do governo FHC se assentou apenas sobre as reformas liberalizantes e sobre as privatizações. Esgotado este ciclo, o governo não tinha mais nada a oferecer à sociedade.

É neste contexto que o PT está desafiado a oferecer uma alternativa de esquerda, capaz de diferenciar-se de outras alternativas de oposição que estão se gestando. A premissa é a de que o Brasil, no seu desenvolvimento, não conseguiu maturar a constituição plena de um Estado nacional. Na Europa e nos EUA, já no início do século 19, os contornos dos projetos nacionais estavam definidos pelas suas elites. No Brasil, somente a partir da década de 30, com o getulismo, se esboçaram alguns elementos de projeto nacional. Subentende-se aqui por projeto nacional o conjunto de vetores sociais, políticos, econômicos e culturais que articulam as noções de sentido e de destino de uma sociedade unida e organizada num Estado independente, num ambiente internacional formado por individualidades estatais.

Alguns dos principais pilares do Estado nacional autárquico, erguidos na era Vargas, foram demolidos pelas reformas neoliberais implementadas pelos governos Collor e FHC. À medida que chegamos ao século 21, caracterizado por uma realidade na qual as figurações tradicionais do Estado nacional mudaram profundamente, o desafio é se o nosso projeto se articula com a reconstituição de premissas inatas do Estado-Nação, ou se um projeto de esquerda deve transcendê-las, lançando as bases de um novo modelo de Estado. Há que se considerar que estamos inseridos no contexto de uma economia internacionalizada e de uma realidade na qual a resposta a uma série de problemas que antes estavam subjacentes ao Estado nacional hoje precisa ser dada a partir de uma relação de interdependência, numa coletividade de Estados associados em formas complexas.

A caducidade dos parâmetros tradicionais do Estado-nação – no qual podem se inserir as experiências do reformismo social-democrata, do liberalismo tradicional, do socialismo real, dos nacionalismos, do nacional- desenvolvimentismo, entre outras – e o aparente impasse do modelo neoliberal indicam que a esquerda deve formular as bases de um novo modelo de Estado. No cenário que está se configurando para 2002, pode se articular um conjunto de forças suscetível de tangenciar um programa nacional-desenvolvimentista. A eventual candidatura de Itamar Franco poderá ser seu foco aglutinador. A de Ciro Gomes, ao que tudo indica, ficará num meio-termo entre o nacional-desenvolvimentismo e o projeto neoliberal.

O Brasil vive uma crise de governabilidade que decorre da conjugação de vários fatores. Trata-se de uma crise de modelo combinada com crise econômica, crise do modo de governar, crise político-institucional e crise moral. Crise de modelo, no sentido de que o eixo estruturante do projeto de poder do governo FHC se assentou apenas sobre as reformas liberalizantes e sobre as privatizações. Esgotado este ciclo, o governo não tinha mais nada a oferecer à sociedade.

É neste contexto que o PT está desafiado a oferecer uma alternativa de esquerda, capaz de diferenciar-se de outras alternativas de oposição que estão se gestando. A premissa é a de que o Brasil, no seu desenvolvimento, não conseguiu maturar a constituição plena de um Estado nacional. Na Europa e nos EUA, já no início do século 19, os contornos dos projetos nacionais estavam definidos pelas suas elites. No Brasil, somente a partir da década de 30, com o getulismo, se esboçaram alguns elementos de projeto nacional. Subentende-se aqui por projeto nacional o conjunto de vetores sociais, políticos, econômicos e culturais que articulam as noções de sentido e de destino de uma sociedade unida e organizada num Estado independente, num ambiente internacional formado por individualidades estatais.

Alguns dos principais pilares do Estado nacional autárquico, erguidos na era Vargas, foram demolidos pelas reformas neoliberais implementadas pelos governos Collor e FHC. À medida que chegamos ao século 21, caracterizado por uma realidade na qual as figurações tradicionais do Estado nacional mudaram profundamente, o desafio é se o nosso projeto se articula com a reconstituição de premissas inatas do Estado-Nação, ou se um projeto de esquerda deve transcendê-las, lançando as bases de um novo modelo de Estado. Há que se considerar que estamos inseridos no contexto de uma economia internacionalizada e de uma realidade na qual a resposta a uma série de problemas que antes estavam subjacentes ao Estado nacional hoje precisa ser dada a partir de uma relação de interdependência, numa coletividade de Estados associados em formas complexas.

A caducidade dos parâmetros tradicionais do Estado-nação – no qual podem se inserir as experiências do reformismo social-democrata, do liberalismo tradicional, do socialismo real, dos nacionalismos, do nacional- desenvolvimentismo, entre outras – e o aparente impasse do modelo neoliberal indicam que a esquerda deve formular as bases de um novo modelo de Estado. No cenário que está se configurando para 2002, pode se articular um conjunto de forças suscetível de tangenciar um programa nacional-desenvolvimentista. A eventual candidatura de Itamar Franco poderá ser seu foco aglutinador. A de Ciro Gomes, ao que tudo indica, ficará num meio-termo entre o nacional-desenvolvimentismo e o projeto neoliberal.

Um projeto de esquerda deve articular cinco grandes eixos estruturantes: 1) definição de uma concepção de Estado; 2) um projeto de desenvolvimento econômico e de repactuação social; 3) inserção e relação do Brasil na economia internacionalizada; 4) reforma do sistema tributário e federativo; 5) reforma política e institucional. A crise do Estado nacional e a perda de parcelas de soberania, tanto para agências de governabilidade internacionais quanto para estruturas de poder e agências intra-estatais, estabelecem a exigência de redefinir o papel do Estado. Outro fator que enfraquece sua ação e a efetividade das normas diz respeito ao amplo processo de desregulamentação e de orientação da economia para o mercado. Restaurar a autoridade do Estado como centro legítimo de definição de normas e reconstituir a governabilidade sobre várias esferas que hoje caíram sob o domínio de poderes privados e particularistas são necessidades que se impõem para recuperar o sentido civilizatório do processo social.

Por outro lado, se é verdade que o Estado já não dispõe de instrumentos poderosos de intervenção na economia, isto não significa que não haja necessidade de regulação. Num contexto em que a produção econômica se define pela intervenção dos insumos do conhecimento e da tecnologia, em que se caracteriza pela mobilidade do capital e pela desregulamentação das relações de trabalho, o Estado deve desempenhar novas funções. Mediar conflitos, impedir que a modernização desestruture coletividades e estabelecer contrapartidas ao capital são algumas das novas tarefas. Nesses processos de modernização da produção, o Estado deve desempenhar um novo papel de indutor, gerindo programas de qualidade, principalmente para as pequenas e médias empresas, requalificando a mão-de-obra e buscando estabelecer uma nova regulamentação das relações de trabalho. Adensar as cadeias produtivas existentes, estruturar novas, coordenar a competição, impedindo que ela seja destrutiva, são novas esferas de articulação da ação do Estado. Numa economia internacionalizada, este passa a cumprir um papel decisivo na articulação e inserção dos setores dinâmicos da produção no contexto dos mercados globais. Definir interesses nacionais, articulá-los internacionalmente e apoiá-los com uma diplomacia comercial competente passaram a ser novas atividades estratégicas. O Estado deve também apoiar, orientar e financiar projetos de produção cooperativa, incentivando as variadas formas de economia solidária. Deve cumprir, ainda, um papel estratégico no financiamento da ciência e da tecnologia e na modernização da infra-estrutura.

O novo modelo econômico deve ter no desenvolvimento sustentável e no crescimento com distribuição de renda os seus eixos. Este modelo implica a diminuição da vulnerabilidade e da dependência externas, a orientação dos investimentos externos para o setor produtivo e para as exportações, um novo padrão de investimentos públicos e de financiamento da produção e a renegociação da dívida pública em parâmetros compatíveis com as necessidades do nosso desenvolvimento. A distribuição de renda e o combate à pobreza não podem ser pensados fora do eixo do desenvolvimento: crescer e distribuir renda deve ser um movimento combinado com a recuperação da capacidade do Estado de oferecer políticas públicas, principalmente saúde e educação universal básica e de qualidade. Adotar programas de renda mínima, de recuperação dos salários, alimentares, entre outros, compõe um conjunto de medidas que articulam o desenvolvimento econômico e social.

Para que o Brasil tenha uma relação adequada com o mundo globalizado, devemos definir interesses e objetivos estratégicos e operar instrumentos e forças políticas e econômicas para realizá-los. Os atuais termos da globalização são desfavoráveis aos países em desenvolvimento. Por isso, além de defender nossos interesses, somente uma nova correlação de forças internacional poderá redefinir os parâmetros das relações internacionais. Construir um bloco de forças capaz de exigir contrapartidas e de condicionar a agenda de negociações constituiu-se fator decisivo para o desenvolvimento das economias atrasadas. É a partir deste enfoque que o Brasil deve definir sua relação com a Alca e com as agências internacionais como OMC, FMI etc. Ao mesmo tempo que não pode aceitar uma relação de dependência e de subalternidade, o Brasil não deve se isolar do movimento de internacionalização da economia e das agências internacionais de governabilidade.

Um dos pressupostos imprescindíveis do desenvolvimento sustentado com distribuição de renda consiste na reforma tributária e do pacto federativo, que elimine o caráter regressivo da tributação e as distorções centralistas e assimétricas da federação. Impõe-se acabar com os impostos cumulativos, racionalizar o sistema tributário, desonerar de cargas tributárias excessivas o trabalho, a produção e as exportações e introduzir o princípio da justiça fiscal com a progressividade. A repactuação federativa é necessária para acabar com as conseqüências destrutivas da guerra fiscal, para conferir mais autonomia aos entes federados, favorecer o desenvolvimento regional e democratizar mais o poder, colocando-o mais próximo e sob o controle dos cidadãos.

Os principais pontos de uma reforma política e institucional democratizadora são: adoção do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais; fidelidade partidária; mudança no sistema eleitoral com a adoção do voto proporcional em lista partidária; redefinição da representação dos estados na Câmara Federal; fim da imunidade parlamentar para crimes comuns; limitação da edição de medidas provisórias; reforma do Judiciário com controle externo e transformação dos Tribunais de Contas em auditorias contábeis subordinadas aos legislativos. Alargar a esfera da democracia participativa e de outras formas de controle do Estado pela sociedade também é imprescindível à radicalização da democracia, com novas instituições transparentes, capazes de inibir as práticas da corrupção. A participação dos consumidores nas agências de regulação e sua completa reformulação são exigências que visam universalizar serviços e garantir sua acessibilidade e qualidade. Estas são preliminares de um programa para que um governo de esquerda, apoiado por uma nova maioria política e social, realize as mudanças que o Brasil precisa.

José Genoino é deputado federal pelo PT/SP.