Nacional

Um espesso, caudaloso e brasileiro rio separa a liderança de Lula nas pesquisas eleitorais de hoje e a vitória nas eleições presidenciais de 2002. A travessia desse rio é o grande desafio para o PT: trata-se de pôr fim ao ciclo neoliberal e iniciar um ciclo republicano liderado pelos socialistas democráticos

Há ordem na incerteza. É certo que sempre um certo acaso, um acontecimento fortuito ou fora do campo de visão jogam o seu papel. Mas o resultado das eleições de 2002 depende, de forma preponderante e substantiva, de como os diversos atores coletivos vão se posicionar e agir perante um desafio central e comum a todos. Este desafio comum é a crise do paradigma neoliberal de refundação do Estado brasileiro.

A primeira forma de se aproximar desta crise é compreender que a nova conjuntura que hoje vivemos no Brasil é diferente daquelas que predominaram a partir de 1989 e, de forma mais clara e estável, a partir da vitória político-eleitoral da poderosa coalizão liderada por FHC em 1994. Ficou para trás um período marcado pela legitimidade incontestável das doutrinas neoliberais, cimentado por uma unidade partidária e parlamentar amplamente majoritária, que não deixava aos partidos de esquerda e aos movimentos sociais nenhuma outra alternativa senão resistir. As eleições municipais de 2000, as primeiras na década em que houve um avanço nítido das posições de esquerda, expressaram e alimentaram esta mudança de período.

Em segundo lugar, foi ficando evidente que a crise do paradigma neoliberal estava sendo vivida, com ritmos próprios e particulares, pelos países da América Latina que, no período anterior, mais haviam exercido e simbolizado este paradigma. O caso da Argentina é certamente exemplar, mas de modo algum único. Foi se construindo uma noção do caráter internacional desta crise, da interrupção ou drástica diminuição dos fluxos financeiros para os países chamados "emergentes" e do vínculo deste fenômeno a problemas mais profundos de regulação da nova ordem internacional. O neoliberalismo como doutrina mostrava sua incapacidade de assegurar um ciclo virtuoso de crescimento da economia mundial, seus temas centrais passaram a ser colocados em questão em países e instituições chaves. E, mais importante, desde Seattle ia se conformando um novo movimento internacionalista, crítico à dinâmica anti-social do neoliberalismo e apontando para a construção de uma agenda alternativa. O Fórum Social Mundial de Porto Alegre foi neste sentido um marco internacional de um novo período de possibilidades abertas.

Crise de paradigma

A raiz internacional da crise do paradigma neoliberal foi vivida em um tempo particular no Brasil, país que aplicou este receituário tardiamente. Desde 1999 o governo FHC administra a crise de seu projeto estratégico. Teve que fazer uma mudança importante na política econômica no que diz respeito à paridade do real com o dólar, viu diminuídos o consenso e a possibilidade de introdução de novas reformas neoliberais e, principalmente, passou a viver um patamar alto de impopularidade frente à opinião pública do país.

Indicados os sentidos histórico e internacional da crise do paradigma neoliberal, trata-se de defini-la mais precisamente. O que esta crise revela é o fracasso da tentativa de inaugurar um novo ciclo de crescimento do capitalismo no Brasil por meio de uma profunda reestruturação dos fundamentos que organizam o Estado brasileiro. Pela leitura neoliberal, a crise do Brasil, vivida dramaticamente nos anos 80, tinha seu epicentro na crise do Estado, cujos padrões eram simplificadoramente e de modo mistificador pensados como tendo se estendido de Vargas ao regime militar. Duas gerações do liberalismo brasileiro – a crítica udenista ao varguismo e a crítica liberal ao regime militar – fizeram, então, uma síntese muito particular com as correntes internacionais do neoliberalismo sob a direção do núcleo político e intelectual liderado por Fernando Henrique Cardoso. Esta refundação, com o ciclo aberto de reformas constitucionais e o uso massivo das medidas provisórias na década de 90, alterou fundamentos básicos do Estado brasileiro: a relação da soberania do país com os mercados internacionais, os marcos de ordem patrimonial e de regulação historicamente construídos entre Estado e mercado, o campo dos direitos – em particular os relativos ao mundo do trabalho –, os trâmites da relação entre Executivo e Legislativo e o pacto federativo entre União, estados e municípios.

A crise do paradigma neoliberal é assim a crise de legitimidade deste projeto de refundação do Estado brasileiro, de sua coalizão política, da coesão de suas bases empresariais, de seu apoio difuso na opinião pública, em parte transferido pelos sucessos iniciais do plano de estabilização.

Coube a Francisco de Oliveira chamar decisivamente a atenção para o fato de que o domínio deste projeto neoliberal não tinha uma vocação hegemônica no sentido gramsciano, isto é, não apresentava uma dinâmica política e economicamente incorporadora de vastos setores sociais. Ou seja, houve, mesmo no auge das idéias neoliberais, uma defasagem entre o seu poder econômico, institucional e midiático e a amplitude de suas bases sociais.

Com base na análise seminal de Giovanni Arrighi em O longo século XX, foi se maturando no Brasil toda uma crítica ao caráter financeiro que nucleava a agenda neoliberal, muito distante de um mero livrecambismo. Esta financeirização crescente da dinâmica brasileira nos anos 90 implicou redução dramática dos patamares de investimento produtivo e de políticas sociais do Estado, diminuição da autonomia na gestão econômica e crescimento da vulnerabilidade perante os mercados especulativos internacionais. Assim, a financeirização foi operando como um grande vetor de estreitamento das bases sociais da coalizão dominante, inclusive nos meios empresariais.

Mas não seria correto derivar automaticamente a crise de legitimidade do paradigma neoliberal do insucesso de suas metas econômicas. Entre uma e outra, foi se desenvolvendo um leque de resistências ao neoliberalismo, que vai desde o exemplo heróico do MST às campanhas da CNBB, da oposição liberal de base jurídica aos meios intelectuais e universitários, do movimento sindical à luta parlamentar de oposição, das grandes batalhas eleitorais conduzidas pelo PT, por outros partidos e lideranças de oposição a uma nova consciência popular crítica. A crise do paradigma neoliberal é, assim, um transcrescimento das lutas de resistência a ele. E coloca nitidamente a necessidade de construção de uma alternativa.

Crise e eleições

As eleições de 2002 já organizam toda a conjuntura atual. E a disputa que nela será travada pode ser entendida como o confronto entre as diferentes respostas à crise.

Em 1994, FHC venceu as eleições no primeiro turno com base na popularidade alcançada pelo Plano Real somada à formação de uma ampla coalizão. Em 1998, venceu novamente no primeiro turno, mas por estreita margem de votos. Desta vez, com menos apelo do Plano Real e valendo-se de forma mais decisiva da ampliação das coalizões. Agora, submetido a um desgaste forte junto à opinião pública, em eleições que prometem dois turnos, o projeto continuísta do governo deve contar com uma coalizão mais fraca, erodida por um sem número de dissidências. O problema central para o governo é que uma candidatura limpidamente continuísta dificilmente poderá ser vitoriosa. Age, então, em quatro frentes. Procura separar o tempo do governo do tempo da sucessão, adianta ao máximo a definição de seu candidato, preservando-o de um desgaste precoce. Parece dirigir preferencialmente a sua atenção para uma candidatura como a de Serra, que pode se apresentar, com algum grau de veracidade, como um gestor de políticas sociais. Serra, além disso, no interior da coalizão, parece ser favorável à reorientação de alguns elementos da política econômica, seja por meio de uma política industrial mais ativa, seja por uma gestão menos monetarista da crise, seja tomando distância de um alinhamento automático com os EUA. Em terceiro lugar, o governo procura conter o avanço das candidaturas dissidentes em sua base, como o documenta a vitória política mais importante de FHC este ano, impedindo o acesso de Itamar ao controle do PMDB. Por fim, busca criar no meio empresarial e na opinião pública o receio frente à turbulência de uma mudança radical de paradigmas na gestão do país.

As dissidências da coalizão governista – Itamar e Ciro – apresentam, diante do paradigma neoliberal, um problema central de identidade. O leito principal da estratégia partidária de Itamar, o PMDB, aferra-se até agora ao ninho governista por critérios nitidamente fisiológicos. Ciro Gomes organiza sua base partidária vacilante em partidos e legendas com muitas conexões, não de todo desfeitas, com o núcleo governista. Esta base partidária instável e precária pode colocar obstáculos decisivos. Por suas alianças, nem Ciro nem Itamar podem se apresentar como alternativas éticas na gestão do público. Assim, o seu perfil oposicionista é difuso e não inteiramente nítido para a opinião pública.

Para o PT, o desafio maior é aprofundar a crise do paradigma neoliberal por meio de uma alternativa que consolide, em uma dinâmica crítico-propositiva, as mudanças em curso na opinião pública. Sem a construção pública da legitimidade de um novo paradigma, pode ficar comprometida a passagem da liderança de Lula para a condição majoritária, mesmo em um segundo turno. A não construção deste novo paradigma é exatamente o espaço político no qual pode se reconstruir o neoliberal, em uma nova configuração, ou mesmo prevalecer uma dissidência dele que não apresente de fato uma ruptura com seus fundamentos centrais.

A transição de paradigmas

Toda grande mudança política de caráter histórico em um país só pode ocorrer em meio a transformações profundas da cultura política, das perspectivas e valores, dos projetos e sentimentos que alimentam o posicionamento e a atividade das dezenas de milhões de pessoas. A eleição de um candidato do PT à Presidência da República é um fato de significado e implicações que não têm paralelo na tradição elitista da política brasileira. Por isto mesmo, não cabe em um campo de visão que analise esta possibilidade somente a partir de uma ótica estritamente eleitoral, de estratégias de campanha e marketing.

Chamamos esta mudança de transição do paradigma neoliberal para um outro, republicano. Todo paradigma de Estado tem uma idéia nuclear, que se desdobra e dá coerência a toda uma série de princípios e agendas. O centro do paradigma neoliberal pode ser localizado na afirmação radical das virtudes da lógica mercantil contraposta ao que é público (ardilosamente reduzido ao Estado). Um foi elevado à condição de exemplaridade, de criatividade e produtividade, de liberdade e de consumo, sinal por excelência da modernidade. O outro foi reduzido à qualidade de burocrático e oneroso, de improdutivo e corrupto, a herança atrasada do varguismo da qual nos deveríamos ver livres. O real, a moeda nacional dolarizada, parecia ser o símbolo popular de um novo ingresso nesta modernidade mercantil.

É deste princípio nuclear privatista mercantil que o neoliberalismo formou suas agendas: a abertura aos mercados internacionais, comerciais e financeiros, acentuando uma lógica de inserção passiva contra uma lógica sistêmica nacional; as políticas sociais, de uma virtualidade universalista como prometia a Constituição de 1988, passaram a ser focais, concebidas como compensatórias, abrindo os serviços básicos ao mercado. De produtor e planejador, o Estado recuou para a condição de um regulador fraco das dinâmicas do mercado. A lógica da construção dos direitos, em particular os sociais, cedeu lugar à lógica de custos, da competitividade internacional, com o seu arsenal de precarização e desregulamentação. A construção de um sistema tributário progressivo foi substituída pela lógica de um ajuste fiscal, meio de aviltamento do funcionalismo público e de incentivo à privatização dos núcleos de excelência do setor público, duramente conquistados ao longo da história. A própria democracia representativa, recém-conquistada, com seus procedimentos e ritos, foi transformada em delegativa em favor do núcleo gerencial do Estado.

Vivemos ao longo da década de 90 sob o domínio implacável deste princípio e de suas agendas. Mas, pouco a pouco, a veracidade e a consistência, o sentido mesmo destes dogmas, foram sendo criticados e superados na alta cultura e na consciência popular. Um novo paradigma de Estado reclama hoje vir à luz. Qual deve ser a sua idéia central?

Esta noção nuclear deve ser a do público, definido como aquele que tem uma vocação universalista (não voltado para interesses privatistas ou particulares) e gerido democraticamente. Isto nos conduz a uma lógica republicana, capaz de produzir respostas mutuamente configuradas para a questão da soberania nacional, da universalização da cidadania e do aprofundamento da democracia. O setor público, por esta lógica, seria o Estado democratizado e submetido a controle social, um setor público nem governamental nem regido sob a égide prioritária do lucro (fundos públicos, formas de economia solidária, extensas redes de serviços sociais) e, ainda, a regulação que se exerce sobre os setores privados mercantis.

Trata-se literalmente de refundar o setor público no Brasil, reconfigurando o seu sentido e sua dignidade, expandindo os seus vetores, democratizando a sua gestão, respondendo aos nós históricos de seu autofinanciamento, livrando-o das mazelas congênitas da corrupção e do fisiologismo, elevando a sua racionalidade, criatividade e produtividade. Uma tarefa desta envergadura requer todo um ciclo histórico que um novo governo pode apenas iniciar, lançando as bases de uma nova dinâmica.

Isto significa colocar no centro o debate sobre o Estado brasileiro, seus princípios e fundamentos, que são a base indispensável e necessária para uma outra lógica de política econômica. Debater estratégias alternativas de política econômica sem repensar estes fundamentos é colocar-se aquém do plano ideológico e político por meio do qual o centro do paradigma neoliberal se estabelece: o primado do privatismo mercantil. Elaborar planos estratégicos alternativos sem uma lógica coerente e profunda de reconstrução do setor público é abrir-se a todo tipo de adaptações às pressões inerciais e ideológicas da dinâmica neoliberal vigente e a graves inconsistências.

Desta lógica republicana, um conjunto de agendas pode se recolocar em um plano coerente e mutuamente configurado. A própria idéia de soberania nacional, mais além da ruptura com o FMI, só pode ganhar efetividade em um quadro de uma economia transnacionalizada, como é a brasileira de hoje, frente a um setor público de peso, que reconstitua o poder de agentes econômicos estatais e uma nova capacidade de regulação. A reforma tributária, a reorganização de fundos públicos, a renegociação da dívida interna ganhariam um sentido estratégico na recuperação do financiamento público, fenômeno de raiz da crise brasileira desde os anos 70. Uma política de reforma agrária ganharia um sentido novo frente a um programa de segurança alimentar, de incentivo ao cooperativismo e renovada capacidade de financiamento do setor público. De um cardápio de políticas compensatórias emergenciais passaríamos ao horizonte de construção de um verdadeiro Estado do Bem-Estar Social, universalista e redistributivo. Uma grande revolução do ensino, em particular a renovação da inteligência universitária brasileira, poderia ganhar contornos institucionais frente a um projeto de constituição de um sistema nacional de inovação, central para a elevação da produtividade. Enfim, uma nova cultura cidadã, de expansão de direitos, ganharia um solo social para se desenvolver, projetando por meio das formas de participação direta e representativa, o controle social de um setor público em expansão.

Cinco fontes do republicanismo

Ao se colocar em uma lógica republicana, o PT se abre ao diálogo e intercâmbio ricos e fecundos com as tradições vivas da cultura política brasileira. Este diálogo é a própria construção de uma vontade política nacional, suficientemente forte e ampla, para viabilizar o início de um ciclo histórico de refundação republicana.

A primeira destas tradições é a do comunitarismo cristão, que traz o valor inelutável da dignidade e da transcendência humana e uma resistência insuperável a deixar engolfar o destino humano em uma lógica mercantil, de individualismo possessivo. Esta tradição, em grande medida identificada com as posições hoje encarnadas pela CNBB, é responsável por vastas experiências de solidariedade entre os pobres e oprimidos brasileiros.

A segunda corrente é a do nacional-desenvolvimentismo, cujas raízes são fundas na tradição brasileira mas que atingiu a sua maior nitidez no pré-64 e na obra de Celso Furtado. É dela que vem a sensibilidade mais forte para a questão nacional, os valores da nossa identidade e auto-estima enquanto povo, do caráter inclusivo da nação e do ideal da soberania sobre nossos destinos, além de um riquíssimo arsenal de idéias e projetos desenvolvimentistas.

A terceira tradição é a do liberalismo ético, de afirmação de direitos civis e democráticos e que, deslocado do acesso ao poder pelos liberais afeitos às realidades do poder e dos interesses, sempre visitou a história política brasileira à margem ou em oposição à ordem. Hoje ele se representa muito bem em uma certa tradição jurídica, que se faz inclusive presente na oposição a FHC.

A quarta tradição é a da cultura popular. Marginalizado da nação política ativa, impedido de se desenvolver criativamente em um ambiente histórico sempre marcado pela degradação do trabalho, o povo brasileiro encontrou na cultura a sua forma de expansão, de recriação das possibilidades da felicidade, de sua beleza e de suas harmonias possíveis. O samba, "esta lágrima clara na pele escura", talvez seja a sua expressão mais característica, mas a sensibilidade do país está configurada por todos os lados pelo sentido do popular. No momento mesmo de fazer do povo, em sua diferença e heterogeneidade, um personagem ativo na política do país é preciso recebê-lo com a força criadora de suas identidades e utopias.

A quinta grande tradição é a do socialismo democrático, hoje encarnada principalmente, mas não somente, pelo PT. O marxismo brasileiro só muito tardiamente abordou de modo central as relações entre socialismo e democracia, reconfigurando as suas utopias anticapitalistas pela lógica da soberania popular. Hoje, em seu pluralismo, por sua força política e raiz social, é quem pode liderar um processo de refundação republicana.

Novo momento ético-político

O papel do PT em tal processo expressa um duplo movimento: inserir o partido plenamente na tradição republicana brasileira, ampliando sua sensibilidade e diálogo, posicionando-o para liderar um movimento que é muito mais amplo e profundo que a sua própria identidade; e levar para a tradição republicana brasileira as identidades, os princípios e projetos do socialismo democrático.

A democracia petista e suas correntes internas sempre se organizaram em torno de respostas a uma questão que lhe ronda desde a origem: como soldar a identidade socialista-democrática com um projeto amplo o suficiente para governar o Brasil? Houve quem respondesse a esta questão afirmando a identidade socialista doutrinariamente, abdicando de uma vocação majoritária; houve quem buscasse caminhos para o poder em detrimento da identidade socialista; mas talvez tenha prevalecido, com diferentes ênfases na dinâmica dos períodos vividos, na maior parte das lideranças do Partido dos Trabalhadores a noção, mesmo que projetual, de que era possível e necessário fundir as duas dimensões.

A idéia de republicanizar o Brasil, trazendo para este processo a identidade socialista, talvez seja um caminho para renovar o solo histórico da unidade petista, recriando uma dialética criativa das suas heterogeneidades e diferenças. A lógica da soberania popular e as formas da democracia regulariam o ritmo e a intensidade da direção socialista do processo. A superação do domínio da lógica mercantil capitalista não é algo que se possa fazer em um só país, em um curto período histórico e a contrapelo da correlação de forças. Pactos abertos terão de ser permanentemente renovados. O fundamental é que o princípio do público, seu sentido universalista e radicalmente democrático, vá se afirmando em legitimidade e referência.

Seriam cinco os campos decisivos em que esta tradição socialista democrática deve fecundar um projeto de refundação republicana: a ênfase na atividade autônoma, democrática e soberana da população, visando a democratizar e controlar socialmente o Estado e o mercado; a retomada dos direitos dos trabalhadores contra os direitos do capital, maximizados na era neoliberal; o desenvolvimento das formas de economia solidária, do cooperativismo e do associativismo, reforçando toda uma área social avessa ao princípio diretor do lucro; a vinculação da soberania nacional a valores e projetos universalistas, em prol de um mundo justo, democrático e ecologicamente sustentável; o acolhimento, enfim, da cultura do direito à diferença e dos valores libertários que prefigurem uma civilização fora da lógica da dominação.

Juarez Guimarães é professor da UFMG e editor do boletim virtual Periscópio.