Política

Entrevista com Antonio Palocci, coordenador pela segunda vez do programa nacional de governo do PT

Antonio Palocci, prefeito de Ribeirão Preto (SP) pela segunda vez, é o coordenador do Programa Nacional de Governo do PT. Nesta entrevista ele nos fala do processo de elaboração do programa, de seus eixos principais e do papel que, se espera, venha a desempenhar na campanha presidencial.

Como se deu o processo de elaboração do Programa de Governo do PT?

Durante o processo de eleições diretas para a direção do partido, realizado em setembro de 2001, foi aprovada pela militância partidária a tese que forneceu os elementos básicos para a elaboração do documento Concepção e Diretrizes do Programa de Governo do PT para o Brasil. Esse documento foi apresentado no XII Encontro Nacional, em dezembro de 2001, em Recife. Lá, um importante esforço de negociações e acordos, permitiu acolher emendas e contribuições, preservando-se a estrutura e coerência básica da proposta original.

O XII Encontro Nacional do PT aprovou também a criação da Comissão do Programa de Governo, formada por 22 militantes, com grande acúmulo político e intelectual e aclamou como seu coordenador o companheiro Celso Daniel, que chegou a realizar a primeira reunião da comissão. Após seu brutal assassinato, os trabalhos não foram interrompidos, mas sofreram de forma dramática com essa perda irreparável.

Depois da minha indicação, a comissão começou a trabalhar na divulgação e no debate das diretrizes. Distribuímos mais de 50 mil exemplares do texto e promovemos um processo de debates interno e externo ao PT. Enviamos o texto a todos os diretórios, lideranças, parlamentares e visitamos várias entidades, como a Fiesp, a CUT, a CGT entre outras. Nossa intenção é a de fazer, tanto do lado empresarial quanto do lado dos trabalhadores e da sociedade civil, contatos nos quais levamos e recebemos proposições, à medida que o texto aprovado em Recife é de diretrizes, com uma linguagem e um posicionamento geral partidários. Não é nem pretendia ser o programa de governo, o qual queremos que, respeitadas as diretrizes, traga posições sobre os grandes problemas pelos quais o país vem passando e os caminhos para enfrentar as grandes questões nacionais, como a má-distribuição de renda, o desemprego e outros que exigem respostas muito diretas.

Nesse sentido, por exemplo, fizemos um evento específico sobre emprego com todas as centrais sindicais (CGT, CGTB, CAT, CUT, Força Sindical e SDS), muitas confederações, federações e sindicatos nacionais, além das entidades de pesquisa e pesquisadores sobre o mundo do trabalho, como o Dieese, Cesit/Unicamp, FEA/USP, IRT-PUC/MG, Rede. Esse evento serviu para que Lula recebesse dessas entidades propostas sobre geração de emprego. Dessas visitas, eventos e do processo interno partidário, que mobilizou os diretórios estaduais e os setoriais, recebemos um conjunto enorme de contribuições. Recebemos também do Instituto Cidadania vários projetos que servem de base para o Programa: Moradia, Segurança Pública, Energia, Fome Zero. Além disso, chegam permanentemente contribuições individuais via internet, sobre vários assuntos. Há pessoas que enviam programas inteiros! Reunimos uma riqueza muito grande de propostas. Os membros da Comissão do Programa fizeram também mais de trinta textos temáticos para o programa, já divulgados em publicação especial. Realizamos a Conferência Nacional para o debate dos temas do programa de governo no dia 22 de junho, com a participação de quase mil inscritos, muitos convidados, autoridades em temas importantes distribuídos em várias mesas.

A partir daí fizemos um trabalho de sistematização para compor o programa de governo. Em 29 de junho o Diretório Nacional aprovou o programa geral, tratando de questões fundamentais de desenvolvimento, crescimento, emprego, segurança pública, infra-estrutura e da visão de Nação. Depois de divulgado esse programa central, vamos realizar eventos temáticos. Teremos cadernos aprofundando as diversas áreas: saúde, educação, ciência e tecnologia, habitação, mulheres, racismo, juventude e outros. Tudo elaborado com a contribuição de entidades, de membros da Comissão de Programa, das secretarias e setoriais do PT, como é o caso, por exemplo, da proposta já divulgada para o meio ambiente. E os eventos realizados para fechar esses textos terão sempre a participação ampla de setores da sociedade civil que tenham vinculação com a democracia e com esses temas. Vamos fazer com que, por exemplo, na área de saúde, o conjunto de entidades da sociedade civil, sindicais, empresariais e de trabalhadores, possa participar desse momento de elaboração. Partimos dos nossos princípios históricos, do nosso acúmulo. E queremos que esses princípios sejam cotejados com o pensamento das entidades que atuam nessas áreas. Vamos fazer isso em todas as áreas. Nos meses de julho e agosto, cada área divulgará suas propostas em evento promovido em conjunto com a Comissão Nacional de Programa de Governo.

Quais são os eixos principais do programa?

Há uma questão central que preside todo o programa que é vincular nossa proposta de desenvolvimento econômico à solução da questão social no Brasil. Ou seja, temos que deixar de fazer, como em outros momentos, um programa econômico e um programa social. O eixo e a novidade que foi construída desde o trabalho inicial do Celso Daniel é procurar demonstrar que é possível crescer com inclusão social. É possível construir um projeto econômico de crescimento tendo a questão social como estruturante, não como parte e à parte do processo. Isso significa pensar no crescimento baseado fundamentalmente na construção de um novo mercado interno de consumo de massas, o que pressupõe a inclusão de milhões de brasileiros hoje excluídos. Isso pressupõe uma política de busca de recursos públicos e privados, que estimule tanto um plano de obras públicas de interesse social (aí incluído saneamento, infra-estrutura e habitação principalmente), quanto também um plano de investimentos privados que diga respeito à indústria de consumo de massa e à infra-estrutura, num sistema de parceria com o setor público.

Essa é a base central do nosso projeto. Junto a isso, temos consciência de que é preciso, para promover essa mudança, enfrentar o problema das contas públicas, do ajuste fiscal desenvolvido pelo atual governo. Os fundamentos da economia brasileira hoje são muito frágeis. Queremos construir um mercado interno forte para poder dar sustentabilidade a um novo projeto de desenvolvimento econômico. Não queremos voltar às velhas práticas de fechamento do mercado. O PT entende que o mundo globalizado é uma realidade, não é uma opção. Mas para trabalhar no mundo globalizado com competitividade, o Brasil precisa favorecer as exportações e construir uma política competitiva de substituição de importações. Para isso são necessários vários elementos: um plano nacional de investimento em ciência e tecnologia, investimento na política industrial, reforma tributária para favorecer a exportação e a produção, uma postura ousada e soberana na disputa do mercado internacional, que considere não só a indústria como também o agronegócio, que tem contribuído de forma decisiva para a balança comercial brasileira.

Em 2001, ano em que a nossa balança comercial foi deficitária em 2,5 bilhões de dólares, o agronegócio exportou 22,7 bilhões e importou 4,6 bilhões. Foi superavitário, portanto, em 18 bilhões. Acreditamos que o Brasil precisa favorecer ainda mais esse segmento para que ele possa fazer mais do que já faz, porque tem potencial para tanto, seus produtos são altamente competitivos no mundo. Eles só não conseguem mais espaço por força das barreiras comerciais que os países desenvolvidos – EUA, Japão, Europa – colocam. É preciso que o governo aja no sentido de vencer essas barreiras.

A concepção é de um programa para quatro anos ou mais?

Procuramos demonstrar no programa aquilo que pode ser feito no curto prazo e o que exige mais longo prazo. Por exemplo, vencer o analfabetismo no Brasil não é um projeto de curto prazo, mas deve ser estabelecido e perseguido desde o início do governo. Retomar o crescimento econômico é algo que precisa ser feito em curto prazo, porque senão vamos conviver com índices de desemprego muito altos. Seria muito bom se o governo Lula resolvesse o problema do desemprego no primeiro ou no segundo ano, mas isso é muito difícil. Não há nem mesmo solução para todo o problema do desemprego em quatro anos, por isso vamos trabalhar com três projetos simultaneamente. Projeto de crescimento e geração de emprego, projeto de distribuição de renda e programas emergenciais de combate à fome. São três projetos que estarão sendo implementados para enfrentar a exclusão.

O programa trabalhará com números e metas?

Em alguns casos sim. Por exemplo, no caso do desemprego, diminuí-lo em 50% significa gerar de 8 a 10 milhões de empregos. É preciso equacionar bem essa proposta para não fazer promessa vazia, como já foi feito pela elite no passado. Temos que mostrar a possibilidade de compromisso concreto.

Que papel deve ter o Programa de Governo na disputa eleitoral?

Diferentemente de 98, quando a campanha foi muito plebiscitária – o governo FHC lutando para continuar e uma oposição quase toda concentrada no PT e no Lula –, essa campanha traz uma probabilidade de debate muito grande. Porque o projeto do governo se esgotou. Não houve somente uma queda de sua popularidade. Houve um esgotamento do projeto de país construído pela aliança PSDB/PFL/PMDB. Isto abre o espaço para o debate de novos projetos. A tendência portanto nessa eleição é de haver muito debate programático. Nesse sentido, o Programa de Governo vai ter um papel essencial em toda a campanha. É extraordinária já hoje a cobrança por parte de setores da mídia e de segmentos organizados da população sobre detalhes do programa. E não é só porque o Lula está na frente, pois em outras ocasiões em que ele esteve liderando não havia esse mesmo nível de cobrança.

No que o Programa de Governo da campanha Lula se diferenciará dos outros?

Fundamentalmente na demonstração de que o Brasil precisa de um projeto de nação. O país não pode enfrentar isoladamente as várias temáticas. Precisa se constituir enquanto nação e para isso precisa colocar os projetos de reformas dentro de um contexto de crescimento e constituição de uma nação com justiça social. Essa construção é uma característica específica do projeto do PT.

Muito tem se explorado na mídia o fato de o documento de diretrizes do programa de governo do PT ter como subtítulo “Uma ruptura necessária”. O que se quer dizer com ruptura?

Já respondi a uns trinta órgãos de imprensa sobre isso. Na verdade, o que se quer saber, não sei se de boa-fé ou não, é se o PT prevê uma ruptura com os critérios e instrumentos de ajuste, ou uma ruptura com o modelo de desenvolvimento. Para nós, o conteúdo da idéia de ruptura é com o modelo de desenvolvimento. Não temos problema em conviver com instrumentos atualmente utilizados para o equilíbrio econômico do país. O problema é conseguir gerar uma mudança em que o crescimento econômico esteja casado com a inclusão social. Durante uma década tentaram convencer o Brasil de que precisava primeiro fazer crescer o “bolo” para depois dividir; durante outra década, tentaram convencer que era necessário primeiro estabilizar para depois dividir. Cresceu o “bolo”, estabilizou-se a inflação e não se dividiu nada. E a não constituição do país enquanto uma nação justa fragiliza os fundamentos da economia. Então, a idéia é fazer com que a economia brasileira, sustentada num forte projeto social, tenha estabilidade por meio da produção, do desenvolvimento e não apenas pelo controle monetário de instrumentos de equilíbrio do mercado, que são essenciais, mas cuja sustentabilidade depende de um projeto econômico também sustentável.

Então, o que propomos é a ruptura com o modelo. Na última década, melhoraram os índices de mortalidade infantil, melhorou um pouco a inclusão na educação, mas a distribuição de renda piorou. Essa é uma questão dramática para o país, quando se considera que, a cada ano, 1,5 milhão de jovens entra para o mercado de trabalho e 750 mil – a metade – não tem qualquer perspectiva de emprego.

O PT é um partido socialista. Em que medida esse programa se articula com a luta pelo socialismo?

A tradução de um projeto socialista hoje se dá na necessidade de desenvolver políticas de inclusão e de proteção dos segmentos sociais fragilizados. Quando se faz um sistema de ajuste com metas estritamente macroeconômicas, se fragiliza o pequeno produtor, o pequeno empresário, o trabalhador, o sem-terra, o com pouca terra ou com pouco recurso. Todos esses setores ficam desprotegidos. A grande resposta que um partido socialista pode dar é construir um projeto de inclusão que tenha como base o desenvolvimento da nação: a questão nacional, a questão democrática e a questão social. Esses três eixos é que dão conteúdo para um partido de esquerda governar o país em direção a uma sociedade mais justa. Essa é a tradução do compromisso socialista do PT. Não imaginamos a possibilidade de uma transformação radical da sociedade num período curto de tempo, mas imaginamos a possibilidade de alcançarmos os pressupostos de uma sociedade mais justa.

Ricardo de Azevedo é coordenador editorial de Teoria e Debate

Rose Spina é editora-assistente de Teoria e Debate