Nacional

As políticas participativas são marca das administrações do PT. Agora que o partido assume a Presidência da República, a discussão sobre a implantação dessas políticas no governo federal faz-se necessária. Qual o papel do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social enquanto instância de participação?

A vitória de Lula nas eleições de 2002 e o início de seu governo em janeiro de 2003 colocam em cena, mais uma vez, o debate sobre políticas participativas. Afinal, o Partido dos Trabalhadores programaticamente sempre defendeu a ampliação das formas de participação, ao mesmo tempo que algumas das gestões municipais e estaduais mais importantes do PT na última década se tornaram conhecidas pela implantação dessas políticas. Esse é o caso de experiências como as de Porto Alegre (1989-2004), São Paulo, Recife e do governo estadual do Rio Grande do Sul (1999-2002). No entanto, é bom lembrar que as políticas participativas não são praticadas por igual no interior do PT. Estão mais vinculadas à experiência política no Rio Grande do Sul e a algumas experiências bem-sucedidas em Minas Gerais e São Paulo e a políticas participativas em setores como saúde e assistência social, estas sim disseminadas pelo conjunto do país. Vale a pena, portanto, avaliar as experiências participativas que tiveram lugar no Brasil no momento em que se começa a falar de políticas participativas em nível federal. Antes, porém, pretendemos enfrentar a seguinte questão: por que a participação é importante para a democracia?

A participação na teoria da democracia

A participação encontra três tipos principais de justificação no interior da teoria democrática: o partilhamento de deliberações, a capacidade de facilitar o processo de negociação entre interesses divergentes e as novas formas de controle democrático que é capaz de introduzir.

Quando falamos de partilhamento do processo deliberativo, o que temos em mente é a capacidade dos atores sociais de se constituírem em parte do processo de decisão. A idéia força, nesse caso, é que os atores sociais conhecem melhor do que ninguém seus interesses ou valores e, por isso, devem fazer parte das arenas de deliberação, a ser exercida de forma pública e inclusiva (Bohmann, 1996).

Quando falamos em facilitamento do processo de negociação, temos em mente que interesses, ainda que radicalmente diferentes, podem encontrar pontos em comum ao longo de um processo de negociação e debate. A idéia força, nesse caso, é que os interesses não são dados a priori nem são inegociáveis, já que, em arranjos institucionais específicos, interesses divergentes podem ser negociados. Os atores so­ciais podem mediar melhor suas divergên­cias e convergências quando estão inseridos em arranjos participativos (Cohen e Rogers, 1995).

Há ainda uma terceira forma de pensar a participação, que é por meio da inclusão de atores sociais em arranjos participativos que aumentem a transparência e a capacidade de prestação de contas (accountability) de certas instituições. A idéia força é que a presença de atores sociais e a publicização de certas informações permitem melhor controle dos representantes e dos governantes pela população. Trata-se, nesse caso, de perceber que, mesmo que não existam interesses em comum ou questões a ser negociadas, a mera presença de outros atores em instituições facilita o controle dos governantes, que não pode se dar apenas durante o processo eleitoral.

Políticas participativas no Brasil nos anos 1990

Todas as três formas de participação discutidas acima inspiraram importantes experiências no Brasil dos anos 1990. A forma deliberativa encontra no orçamento participativo (OP) sua principal expressão. O OP surgiu em Porto Alegre nos anos 1990, durante a primeira administração do Partido dos Trabalhadores na cidade, e constitui uma forma de participação e de deliberação ampla. A participação nas assembléias do OP não envolve nenhum tipo de requisito associativo ou de pré-condição. A participação agregada no OP torna-o hoje a principal política participativa no Brasil, com aproximadamente 100 mil pessoas nas quatro maiores capitais. Vale a pena também mencionar que a adesão ao OP tende a ser crescente. Ela começou baixa em Porto Alegre, com menos de mil pessoas no primeiro ano, mas foi se acentuando na cidade e não parou de crescer até este momento, alcançando em torno de 20 mil pessoas. A participação já começou alta em Belo Horizonte, Recife e São Paulo. O OP expandiu-se bastante pelo Brasil, sendo praticado em pelo menos 103 cidades brasileiras entre 1997 e 2000, período para o qual existem dados disponíveis (Grazia, 2003. Teixeira, 2003).

O segundo tipo destacado, a participação como facilitadora da negociação, foi praticado no Brasil por meio das câmaras setoriais, em particular a da indústria automotiva. As câmaras setoriais surgiram em 1988 no bojo da reorganização do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), pelo Decreto 96.056. Elas foram redefinidas pela Lei 8.178 de 1991, que ampliou suas atribuições e a própria representação setorial e delegou à Secretaria Nacional de Economia a definição de suas atribuições e composição (Anderson, 1999). De 1992 a 1995, vários setores da economia brasileira se organizaram em câmaras setoriais, entre os quais valeria a pena destacar o setor de brinquedos, o da construção naval e o automobilístico. A concepção que parece ter estado por trás das câmaras foi a idéia de que a representação de interesses constituídos pode se dar de forma aberta com o Estado sancionando determinados interesses que adquirem status público. O caso principal de câmara setorial ocorreu no setor automotivo. Esse setor diminuiu sistematicamente sua presença no PIB nacional nos anos 1980, passando de 10,9% do PIB em 1979 para 7,8% em 1991. A produção de automóveis caiu de quase 1 milhão em 1980 para cerca de 700 mil em 1991. A redução da produção gerou um jogo de soma negativa no setor: desemprego, menor arrecadação de impostos e menores lucros. Os acordos da câmara do setor incluíram os seguintes pontos: redução de preço de 22%, dividida entre os diversos setores, manutenção do nível de emprego e redução de alíquotas de impostos. Os principais resultados alcançados pela câmara do setor automotivo foram crescimento da produção de veículos, aumento de impostos arrecadados na cadeia de produção e manutenção dos empregos no mesmo patamar entre 1992 e 1995 (Anderson, 1999). As câmaras demonstraram que é possível estabelecer processo de negociação entre interesses constituídos capaz de gerar benefícios para todos, inclusive para os consumidores, que no caso do setor automotivo passaram a pagar menos pelos veículos.

O Brasil dos anos 1990 viu também o florescimento de um terceiro modo de participação, a participação como controle social, nas experiências de diversos tipos de conselho. Essas formas de participação têm, quase todas elas, sua origem no processo constituinte e na legislação complementar que ele gerou no começo da década de 90, em par­ticular a Lei 8.142 de 1990, também conhecida como a Lei do SUS, e a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), de 7 de dezembro de 1993. A Lei do SUS dispõe em seu artigo 3º que “o Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução política de saúde na instância correspondente...” A Loas, remetendo à legislação constitucional, em seus artigos 16 e 17 dispõe que “as instâncias deliberativas do sistema descentralizado e participativo de assistência de caráter permanente e composição paritária entre o governo e a sociedade civil são: o Conselho Nacional de Assistência Social, os Conselhos Estaduais de Assistência Social, o Conselho de Assistência Social do Distrito Federal e os Conselhos Municipais de Assistência Sociall”. Existem hoje no Brasil pelo menos 5 mil conselhos de saúde e de assistência social.

Fora da área de políticas sociais há ainda um conjunto de legislações participativas, entre as quais vale destacar o Estatuto da Cidade, que em suas diretrizes gerais dispõe sobre a participação ampliada do cidadão em questões relativas ao destino das cidades e de sua população, e os conselhos estaduais e locais de meio ambiente. Podemos definir esses conselhos como estruturas híbridas, com participação do Estado e da sociedade civil, ligadas às políticas públicas mais estruturadas ou concretizadas em sistemas nacionais. “...São em geral previstos em legislação nacional, tendo ou não caráter obrigatório, e são considerados parte integrante do sistema nacional, com atribuições legalmente estabelecidas no plano da formulação e implementação das políticas na respectiva área governamental...” (Tabagiba, 2002).

Principais características das políticas participativas
Não é difícil perceber que, em cada uma das políticas mencionadas acima – o OP, as câmaras setoriais e os conselhos –, a participação gerou resultados diferentes.

No caso do orçamento participativo, seus principais resultados são:
- Maior legitimidade do governo local e de sua política de investimentos. Há uma grande aprovação do OP como política, que se expressa ou em pesquisas ou em maior continuidade das administrações que o praticam. Isso se deve a algumas características importantes, tais como: a relação entre as prio­ridades estabelecidas pela população e as obras realizadas; o fato de as deliberações das assembléias e do conselho do OP tornarem-se obrigatórias em um país no qual os orçamentos são constantemente contingenciados; o fato de os critérios técnicos de carência terem efeitos distributivos.

- A capacidade do OP de não se constituir em expressão de interesses particularistas. O indivíduo que participa do OP nas grandes cidades brasileiras é uma mulher que ganha entre dois e cinco salários mínimos, tem escolaridade entre o ensino fundamental e o ensino médio completo. Esse perfil do ator participativo é bastante próximo do perfil mediano da população das grandes cidades brasileiras e tem um significado político e distributivo. É muito importante que os resultados distributivos do OP se concentrem, seja pelo fator de quantidade de investimentos, seja pelo fator do número de obras, nas regiões mais carentes dessas cidades (Marquetti, 2003).

No caso das câmaras setoriais, seu principal resultado foi a capacidade de chegar a um acordo entre atores cujos interesses constituídos pareciam irredutivelmente opostos. No momento de sua instalação, a indústria automobilística no Brasil estava em franca decadência, com algumas montadoras pensando em deixar o país, e a câmara constituiu um pacto porque os interesses pareciam diversos – o do governo em aumentar os impostos, o de algumas montadoras em sair do país ou da região do ABC, para manter patamares de lucratividade, e o dos trabalhadores em manter empregos e níveis salariais. Na medida em que todos esses objetivos puderam ser redefinidos e produziram uma estratégia política comum, houve de fato um pacto.

Por fim, no caso dos conselhos, seu principal resultado é um grande aumento da capacidade da sociedade civil de controlar e fiscalizar as políticas sociais do Estado. Os conselhos de saúde ou de assistência social tiveram grande impacto organizador e controlador sobre as políticas sociais em nível local; os de assistência sobre a gestão da política social dos municípios, ao exigir de prefeitos requisitos básicos para uma política de assistência, como a necessidade de um plano anual; os de saúde, ao organizar o processo de adesão ao SUS, estabeleceram um processo de representação geral dos interesses dos pacientes em relação a diversas políticas, como o tratamento contra a Aids e a qualidade do tratamento de hemodiá­lise. Os conselhos de meio ambiente também tiveram papel importante no controle do processo de concessão de licenciamento ambiental. Em todos esses casos, os conselhos auxiliaram o estabelecimento de um padrão minimamente universalista e desprivatizado de política social nas áreas de saúde e educação. Esse parece ser o principal ganho no campo dos conselhos mais ativos.

Políticas participativas no governo Lula

O principal fórum de participação proposto pelo governo Lula, até o momento, é o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Embora existam outras propostas em circulação, como a do Conselho das Cidades e a das audiências públicas para a elaboração do PPA (Plano Plurianual), a que tem dominado o debate político é a do CDES. Há uma secretaria com status de ministério, encabeçada pelo ex-prefeito de Porto Alegre Tarso Genro, encarregada de organizá-lo. Já ocorreram algumas reuniões e o CDES teve participação ativa na elaboração da reforma da previdência.

O modelo de constituição do CDES parece ser uma mistura entre a Câmara Setorial da Indústria Automobilística e alguns dos conselhos gestores. Ele tem forte representação de interesses já constituídos, pretende trabalhar com a idéia de pacto e tem uma representação de natureza simbólica de setores da sociedade civil. Segundo Tarso Genro, a tradição que o CDES resgata é do conselhismo, “...ou seja, de funcionamento daqueles organismos de participação direta, ordinariamente de caráter consultivo ou para funções especializadas. Sua finalidade é operar junto ao Estado com o objetivo de colaboração ou mesmo de certo controle da administração pública”. (Genro, Folha de S.Paulo, 13/2/2003).

Uma das características do CDES é a forte presença de interesses econômicos já constituídos, em espe­cial empresários e sindicatos de trabalhadores. Apesar de os interesses tanto de empresários quanto de trabalhadores já serem constituídos, é importante ressaltar que a forma de representação de cada um dos setores é completamente diferente. No caso do empresariado, ele parece estar “representado” por figuras bastante conhecidas, ainda que independentes das entidades empre­sariais. Encaixam-se, nesse caso, os convites a pessoas como Abílio Diniz, Benjamin Steinbruck, Rinaldo Campo Soares. Trata-se de empresários de grande visibilidade nacional, ainda que não sejam representantes da categoria. O motivo do convite a essas pessoas deve ser a baixa representatividade das entidades do empresariado no Brasil, que, diferentemente das entidades dos trabalhadores, não romperam com o passado corporativo e têm dificuldades de representação nacional. O problema, em particular quando se pensa além da previdência social, é que esses empresários representam um perfil muito definido de grandes empresas. Fica a questão: quem representa o pequeno empresariado ou o setor informal da economia? Até agora, eles não parecem muito bem representados no CDES.

Há um segundo grupo de participantes que inclui diversos perfis de lideranças sindicais. João Vaccari (Sindicato dos Bancários de São Paulo), Jorge Nazareno (Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco) e Luiz Marinho (Sindicato dos Metalúrgicos do ABC), Paulo Pereira da Silva (Força Sindical) e João Felício (CUT). Vê-se aqui a diferença entre a forma de representação do empresariado e a forma de representação dos trabalhadores. Estes estão representados por entidades que espelham um amplo espectro de representação sindical e estão ligadas à renovação do sindicalismo no país, ocorrida nos anos 1980. Não há nenhuma dúvida de que esses setores são representativos do sindicalismo organizado no Brasil. O problema que surge é de outra monta. Trata-se de saber em que medida os trabalhadores do setor informal, os trabalhadores rurais, os próprios aposentados do setor privado estão incluídos nesse tipo de representação.

Há uma segunda característica do CDES, que é da representação da sociedade civil. Esse grupo parece ser bem menor e não está muito clara a sua função no CDES. Fazem parte dele Sérgio Haddad (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais – Abong), Cláudio Ferreira (Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), Felipe Silva (União Nacional dos Estudantes – UNE), Viviane Senna, do Instituto Airton Senna, Milu Vilela, do Museu de Arte Moderna. Há ainda representantes da SBPC, do Cives, além de personalidades como Drauzio Varela. Diversas questões se impõem quando se analisa a representação da sociedade civil. Em primeiro lugar, parece ser fraca a participação de entidades representativas da sociedade civil. A Abong representa bem um universo muito específico de ONGs e não parece ter a pretensão de representar mais do que isso. A UNE exerce uma representação completamente simbólica, assim como a OAB. Entidades ligadas à política social estão praticamente ausentes, ainda que seja preciso pon­tuar uma enorme fragmentação desse universo e uma falta de entidades de referência nacional. A exceção é o Instituto Airton Senna, que é uma entidade filantrópica que realiza políticas sociais. Afora esses grupos, a representação da sociedade civil é de caráter meramente simbólico. A questão que se coloca em relação à participação da sociedade civil no CDES é a seguinte: se o conselho tiver suas atribuições limitadas à preparação da reforma da previdência, a representação da sociedade civil nesse debate não é crucial. Mas, se ele for o organismo de participação da sociedade civil no governo Lula, então sua composição é altamente problemática. Ela fica aquém da capacidade de representação acumulada pela sociedade civil brasileira no período pós-democratização. Ela nem é setorial e tampouco representativa, correndo o risco de tornar-se meramente simbólica. O CDES parece ter também algumas características dos chamados conselhos gestores, como um hibridismo entre o estatal e a sociedade civil, já que contará com a presença de onze ministros entre seus 82 membros.

Uma terceira característica do CDES é trabalhar com a idéia de pacto ou contrato, em particular no que diz respeito à reforma da previdência social. Nesse caso, a idéia que parece ser o pano de fundo do debate é a inviabilidade da previdência social em seus moldes atuais. Encontra-se aqui o mesmo tipo de configuração tripartite das câmaras setoriais, ainda que em uma situação diferente. Por um lado, os interesses empresariais estão bastante definidos. Trata-se de desonerar a previdência social, em especial a previdência pública. Do ponto de vista dos trabalhadores, o que parece estar em questão é a previdência do funcionalismo, especialmente de alguns de seus segmentos, como o Judiciário e os militares. O que se pode colocar para a liderança sindical é a possibilidade de aumentar os tetos da previdência privada, que, por uma questão de justiça, não podem ser tão menores que os da previdência pública.

A questão que se impõe é a seguinte: qual o papel do CDES enquanto instância de participação? Tudo indica que é ajudar na constituição de um consenso na sociedade civil sobre as reformas da previdência e tributária. Este seria o motivo para buscar a participação: conseguir dar legitimidade à reforma e colocar na defensiva setores que possuem privilégios na atual estrutura da previdência pública. Esses setores que têm capacidade de pressão sobre o Congresso se sentiriam pressionados pelo amplo apoio de interesses constituídos e constituintes em relação à reforma. Nesse sentido, a busca da legitimidade para as reformas parece superar a tentativa de costurar um pacto social. A questão que fica para ser respondida é: o CDES poderia assumir alguma outra função com sua atual configuração, além de gerar apoio social para a reforma da previdência? A resposta é: dificilmente, a não ser que as características dessas reformas fossem muito semelhantes às da previdência.

Conclusão

O principal limite do CDES é sua capacidade de atuar em questões que não impliquem na forte presença de interesses econômicos preestabelecidos. Ou seja, ele expressa apenas uma das três dimensões participativas presentes na prática do PT durante os anos 1990. As políticas participativas do governo Lula precisam incorporar as duas outras dimensões. Uma possível solução para esse problema seria vincular o CDES às reformas da previdência e tributária e tentar constituir um segundo órgão de participação, mais próximo da sociedade civil e das políticas participativas existentes, que poderia estar ligado ao Ministério das Cidades ou ao do Planejamento, devido a seu caráter territorial. A proposta de constituição de um segundo órgão teria como objetivo integrar as instâncias participativas, os Conselhos Nacionais de Saúde e de Assistência Social, o Fórum Nacional da Reforma Urbana e os orçamentos participativos. Cada um deles ajudaria na composição do conselho. Nesse sentido, o governo Lula poderia caminhar para constituir uma base ampliada das políticas participativas e para permitir sua ampliação. Nesse caso, passaríamos a ter um conselho que seria um híbrido entre a representação de interesses constituídos e a representação de interesses constituintes.

Os dois órgãos não precisariam estar em competição. Um deles estaria ligado à relação com o que podemos chamar de sociedade econômica, e o outro à sociedade civil e às políticas participativas. Os dois órgãos, em conjunto, passariam a ser a base da governabilidade ampliada. Desse modo, se poderia estabelecer uma forma de ampliação da democracia representativa e de conexão entre representação e participação. Seu papel não seria retirar atribuições do Legislativo, e sim criar um conselho da sociedade que desse a sua chancela a diversas iniciativas do governo ou que fizesse ao Executivo diversas propostas de política, em particular, na área social. Uma das atribuições dessa câmara poderia ser a sistematização das audiências do PPA. Se for possível caminhar na direção de políticas participativas ampliadas, poder-se-á conectar as três formas de participação que constituíram a marca registrada do PT: a participação da sociedade via interesses constituídos, a participação mais direta da população nos processos deliberativos e a participação enquanto controle social.

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Leonardo Avritzer é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG e co-organizador do livro A Inovação Democrática no Brasil: o Orçamento Participativo (Cortez, 2003)