Sociedade

A finalização do Projeto Juventude, a conquista do espaço para o debate dentro do Legislativo, a realização do primeiro Mapa da Juventude da cidade de São Paulo fazem parte de uma série de ações que ocorrem neste momento de discussão sobre políticas públicas para a juventude

Anteriores às decisões públicas, as demandas dos jovens brasileiros têm movido atores políticos de diversas esferas do poder, tanto do Executivo quanto do Legislativo, para que atores e jovens, juntos, estruturem o debate sobre juventude e, conseqüentemente, construam políticas públicas de acordo com os interesses desse amplo e diversificado segmento da sociedade. Nesse momento da história da discussão sobre juventude no país, essa é, sem dúvida, a premissa que norteia a maior parte das ações, sejam, por exemplo, as da prefeitura da cidade de São Paulo, sejam as da Câmara Federal.

“A tônica das discussões da juventude não se esgota, por exemplo, na problematização de temas ligados à violência. Primeiro porque nem sempre sua pauta se fundamenta em argumentos e necessidades frutos de um problema; essa perspectiva é, muitas vezes, construída por um lugar-comum presente na sociedade. As drogas e a violência não são os únicos motes da juventude. Ela coloca questões muito mais amplas que chegam, nesse momento, transformando nossa percepção social: a briga toda é por políticas que atendam a seus direitos e necessidades e não sejam ditadas por uma ótica social já condicionada”, afirma a socióloga Helena Abramo, que hoje trabalha como assessora da Comissão Permanente da Juventude, na Câmara Municipal de São Paulo, e ainda faz parte da equipe de coordenação do Projeto Juventude, do Instituto Cidadania. Se o debate sobre políticas públicas para a juventude se qualifica cada vez mais nesse momento singular em que muitas ações estão sendo realizadas, é, sim, por causa dessa motivação juvenil, dessa participação, dessa exposição de questões urgentes, que podem ser dramáticas e visíveis ou somente desconhecidas para os atores políticos.

Embora Helena aponte a mudança de ponto de vista como algo que dá novas formas aos projetos das gestões e das ONGs, o discurso sobre as necessidades juvenis pautadas por questões emergenciais, como a violência, é muito presente entre aqueles que estão pensado essas políticas. “Em 2001, enquanto debatíamos na comissão a questão da juventude, milhares de jovens de 15 a 24 anos tiveram, em São Paulo, morte violenta. Nada preocupa mais aos jovens do que a violência e a falta de segurança: três em cada cinco jovens apontam esse item”, escreveu, no primeiro relatório (2001) da comissão, seu presidente, o vereador Nabil Bonduki. Por trás dessa afirmação há, além de dados levantados por uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, em 1999, um pouco desse discurso comum que ilustra essa percepção geral sobre juventude.

A questão, que não é a única, é, no entanto, uma espécie de combustão para o estímulo ao debate. Se em relação à juventude cada passo para o desenvolvimento do tema está submetido, ainda, à visão comum e, em um mesmo ambiente de discussão, ela pode ser um grande paradoxo, o debate tende a caminhar mais sob passos adiantados do que recuados. Na ambiência da Câmara Municipal, que foi o primeiro órgão legislativo do país a instalar uma comissão permanente para examinar o assunto, observa-se no decorrer de um ano de trabalho, no caso 2001, a extensão de temas durante as reuniões: desde a constituição de grêmios escolares, como modo de organização juvenil, passando pelos desafios de enfrentar o batente, até proposições agudas sobre o acesso à educação e cultura. Na reunião do dia 21 de junho de 2001, Suely Chan, na ocasião diretora do Departamento de Cultura de Diadema, afirmava que cultura deveria ser questionada não como um instrumento de salvação das situações de vulnerabilidade nas complexas malhas da sociedade. Na mesma circunstância, a opinião de Helena foi de que cultura é positiva não só quando acrescenta formação, mas quando acrescenta educação. De certa forma, tudo isso soa muito preparatório para a compreensão da juventude, uma vez que foram passados em revista conceitos sobre cultura, educação, inclusão social e cidadania. Discussões que indicam um caminho interessado em abranger um número máximo de pontos relacionados a esse segmento.

Esses foram debates, por exemplo, que antecederam discussões pontuais – e bastante pragmáticas –, como o encontro realizado em 1º de novembro de 2001, também na Câmara, acerca do projeto de lei que propunha a introdução de alterações e acréscimo de dispositivos à Lei Orgânica do Município, particularmente ao que se referia à educação.

No relatório da comissão, Bonduki explica que o objetivo era discutir o projeto de lei e a mudança da Lei Orgânica do ponto de vista da juventude, “que sofre diretamente os efeitos da falta de prioridade para os programas destinados aos jovens”. A intenção de Bonduki foi pautar o tema, a educação, a partir do olhar da juventude e após o acúmulo de experiências nos outros encontros da comissão dentro da Câmara. “Temos visto nos debates, sobre acesso ao trabalho, cultura, quando estivemos no Capão Redondo (bairro da Zona Sul de São Paulo) etc., que uma parte importante da educação se faz no interior da escola; mas hoje, quando a sociedade é midiática e o jovem trabalha com muitas linguagens, absorve-as e se educa de várias maneiras, e não apenas na escola, podemos ter uma abordagem mais ampla do conceito de desenvolvimento educacional”, afirmou ele.

Dessa plenária, em que critérios para gastos com educação foram debatidos, participaram pessoas da Secretaria de Educação, do Orçamento Participativo, da ONG Ação Educativa, da Coordenadoria da Juventude e assessores dos programas sociais da prefeitura, além de representantes juvenis e vereadores.

O relatório de 2001 da Comissão Extraordinária Permanente da Juventude resumiu, em certa medida, um pouco desse momento de interesse pela juventude. Desde os temas até as formas, o relatório sintetiza o entusiasmo e a maneira como se dá a articulação atual. “Recordo-me de ver jovens que estão no ambiente da Ação Educativa pedindo uma sessão na Câmara para discutir suas demandas e os projetos de lei. A comissão tem convocado vereadores e secretarias a discutir e receber essas demandas. Quando espaços como esses se abrem, em parte também por causa dessa reivindicação, temos mais condições de atuar junto com os jovens, de modo a apoiá-los e para que eles tenham, nessas ocasiões, reconhecimento, sabendo utilizar seus meios para influenciar o poder”, opina a educadora Maria Virgínia de Feitas (Magi), coordenadora de programa da ONG Ação Educativa, uma das pioneiras a trabalhar com os temas da juventude.

Novas dimensões

No fim de 2003, a Câmara Federal também teve voz ativa em relação à juventude. Foi realizado um amplo relatório preliminar, que compendia o trabalho da Comissão Especial, destinada a acompanhar e estudar propostas de políticas públicas para a juventude. Estruturado por parlamentares de diferentes partidos políticos, com a contribuição de vários segmentos juvenis, de especialistas e pesquisadores de institutos e organismos nacionais e internacionais que se dedicam à juventude, o texto trouxe a proposta de criação de um ou mais órgãos institucionais e a elaboração de marcos legais que congreguem as associações juvenis e coordenem as ações em desenvolvimento da população entre 15 e 29 anos. Essa iniciativa ganhou o nome de Plano Nacional da Juventude, podendo se tornar o primeiro Estatuto da Juventude.

Além da conjuntura, que indica esse momento como uma grande oportunidade para pensar em juventude e construir políticas para ela, a argumentação do texto se baseia em dados bastante relevantes: “O Brasil, como a grande parte dos paí­ses da América Latina, não possui um marco legal a aglutinar normas relativas a políticas públicas destinadas aos jovens quanto à educação e à cultura, ao trabalho, ao desporto e ao lazer, à saúde e à cidadania, bem como um órgão público que possa coordenar os inúmeros projetos e programas voltados à juventude. As legislações sobre tais temas, quando existem, são fragmentadas e assistemáticas, além de desconsiderar a juventude de forma especial. Em muitos casos, as leis sobre jovens dispõem sobre suas condutas, direitos (ECA) e obrigações, sem, contudo, apresentar um enfoque estratégico e geral, pois são criadas em face de situações emergenciais (primeiro emprego e, agora, a discussão da maioridade penal), muitas vezes de curto prazo. O que se tem no Brasil, como no resto da América Latina, são leis excepcionais (lei de aprendizagem) dentro de normas gerais (CLT), sem que exista uma definição legal que identifique e distinga o grupo jovem”. Com esse tipo de justificativa, entre outras, a comissão da Câmara Federal também tem mobilizado governo e sociedade para uma grande reflexão, que deve resultar no Plano Nacional da Juventude ou em um Estatuto da Juventude. Entretanto, a definição desse marco legal não é consensual, “visto que nos relatórios dos Grupos de Trabalho aqui sintetizados, ora se aponta numa direção, ora se aponta noutra”.

Nas perspectivas assinaladas pela comissão, há ainda a criação de um órgão público que atenda aos interesses da juventude. Ele seria feito nos moldes do Conselho da Juventude da Espanha. “Esse conselho é de suma importância na medida em que facilitará a coordenação entre os diversos ministérios e órgãos públicos, que muitas vezes sobrepõem desnecessariamente tempo, recursos humanos e materiais, bem como impedem o bom desempenho das unidades executoras dos vários programas destinados aos jovens”, informa o texto resultante do trabalho de nove meses da comissão, que promoveu audiências públicas temáticas para a reunião e discussão dos temas e demandas.

A elaboração do plano (ou estatuto) e a criação de um conselho podem ter práticas imediatas. Por exemplo, segundo a observação da especialista em juventude Marília Pontes Sposito, na publicação Os Jovens no Brasil – Desigualdades Multiplicadas e Novas Demandas Políticas (2003), pela Ação Educativa, “surpreende, no entanto, que no PPA (Plano Plurianual de 2004-2007, lançado pelo governo federal e tendo como temas centrais a inclusão e a participação) não se atenta qualquer referência específica aos segmentos juvenis da sociedade brasileira, com exceção das ações que devem coibir qualquer tipo de discriminação: de raça, gênero ou idade. De um lado, a pirâmide demográfica ainda parece não constituir um desafio político para a formulação de iniciativas públicas e, de outro, não são contempladas, em sua especificidade, as demandas dos segmentos juvenis, uma vez que aparecem como destinatários das políticas sociais apenas os grupos familiares e, em decorrência disso, a infância”. Ou seja: a observação aguda aponta a importância de uma ação focada – e federal –, como a da comissão da Câmara, para a modificação desse cenário.

A discussão sobre juventude, de forma organizada, é bastante recente no Legislativo. Mas pode ser fundamental para uma mudança estrutural, já que as possíveis transformações têm a perspectiva de vida longa, diferente de uma gestão do Executivo. Porém, os ecos dessas mudanças, que atingem até mesmo o Legislativo, foram produzidos por ações locais em geral realizadas por algum órgão do Poder Executivo dedicado à juventude (uma assessoria ou coordenadoria).

A Coordenadoria da Juventude, criada na gestão da prefeita Marta Suplicy, é um desses exemplos – e ganha, a cada ano, mais reconhecimento. No ano passado, após uma série de ações de valorização dos comportamentos de grupos juvenis por meio da realização de eventos culturais e esportivos, ela alcançou uma nova meta, aproximando-se cada vez mais dos princípios ideais que regem a idéia de uma coordenadoria da juventude. Pôs em prática a realização do projeto Fórum Jovem, composto de onze pré-fóruns regionais e uma sessão finalizadora. A iniciativa foi um marco importante entre os especialistas do tema, assim como outras ocorridas em 2003, entre elas a Conferência Municipal de Santo André e a Semana Nacional da Juventude, em que se conheceu o primeiro passo para a elaboração do Plano Nacional da Juventude. Tanto a Comissão Permanente da Câmara Municipal quanto a Ação Educativa participaram do fórum, além de uma série de organizações juvenis e de cidadãos comuns.

No balanço feito pelo coletivo de entidades, após todas as plenárias, demandas de todos os tipos foram apontadas, sempre da perspectiva dos direitos da juventude. Na área de habitação, pouco visível nas discussões públicas, foram sugeridos, por exemplo, maior cooperação dos órgãos governamentais na implementação de projetos feitos pelos movimentos por moradia; habitação e saneamento urbano como temas transversais no ensino; estímulo de criação de movimentos estudantis para ampliar o diálogo entre eles e as mobilizações por moradia; ampliação de programas de habitação em áreas de risco de modo contínuo e planejado com a devida infra-estrutura e a participação de movimentos, subprefeituras e diversas secretarias; além de auxílio-moradia a ser usado somente em casos emergenciais. Nem tudo o que se refere à juventude tem um caráter problemático ou emergencial. Propostas como estágios para estudantes de arquitetura e engenharia na Secretaria de Habitação foram complementares a essas demandas e indicaram a diversidade social e comportamental a ser considerada nesse momento de reflexão sobre o assunto.

Foram abordadas ainda questões sobre educação, crescimento econômico (“destacamos que a efetiva criação de trabalho e geração de emprego está vinculada ao crescimento econômico”), cultura, comunicação, participação política, grafite, meio ambiente e saúde – que foi tratada de forma sofisticada. Assim o texto apresentou: “Recusar propostas que sejam apenas assistencialistas e que não tenham compromissos visando a emancipação da comunidade; valorizar as ações de educação popular em saúde baseadas em pedagogia participativa; respeitar a autonomia dos jovens e o direito de atendimento de saúde com privacidade e sigilo; investir na participação juvenil em saúde, reconhecendo que é uma forma de provocar mudanças na estrutura de funcionamento dos serviços de saúde, pois os jovens durante suas atividades de trabalho com os profissionais de saúde podem sensibilizá-los e aproximá-los das diferentes realidades e vulnerabilidades juvenis na cidade, melhorando o diálogo com os jovens”.

“O fórum era totalmente aberto, a gente não dirigia aquilo, a autonomia da decisão era do grupo, do debate. O confronto foi grande e ali começaram a se formar grupos e novas concepções”, recorda Michael, coordenador de projetos da Coordenadoria da Juventude. “Nosso fórum jovem é um dos canais de demandas juvenis, e não o único”, completa Alexandre Youssef, coordenador-geral do mesmo órgão.

A capacidade de interferência da juventude pode ainda ser maior. Em elaboração, o Projeto Juventude, do Instituto Cidadania, tem a ambição de realizar o mais extenso diálogo sobre o tema com a sociedade brasileira. “A experiência, para mim, tem sido a mais rica e interessante. Acho que temos estabelecido esse diálogo com uma diversidade de atores, gestores, de fato, de grande amplitude. Por exemplo, surpreenderam-me, recentemente, em um de nossos seminários, em Chapecó, a organização e a articulação das juventudes rurais. Entender seu grau de mobilização e os acúmulos de suas experiências foi muito enriquecedor para esse momento do debate. Tudo isso nos ajudará a qualificar o debate sobre juventude e a organizar toda essa série de acontecimentos em torno dela. Nossa idéia é amparar um número máximo de experiências coletadas, de modo a tornar isso público e possível, ainda, para este governo federal”, afirma Helena Abramo, que participa da equipe de coordenação. Ou seja, um amplo diagnóstico que, ao mesmo tempo, cria caminhos de comunicação com muitas juventudes, recebendo o que elas produzem e pensam, e já levando esse acúmulo de conhecimentos aos diversos ambientes do Brasil. Um projeto que parece oferecer um mecanismo muito interessante de troca e de recepção de informações, jamais feito em âmbito nacional.

Em seu texto original, o Projeto Juventude indica que o momento atual é de diálogo e avaliação da experiência acumulada para transformar programas e projetos em políticas públicas nacionais. E não só garantir sua continuidade, mas propor uma abrangência que contemple a diversidade dos diferentes segmentos juvenis. “O desafio é buscar a universalização de acessos à educação, ao trabalho e à cultura e lidar com a diversidade – de gênero, raça, local de moradia, opção sexual, religião –, sem cair na fragmentação. Por um lado, o objetivo seria implantar mecanismos de transferência de renda, acesso à educação de qualidade, mecanismos que facilitem acesso ao mercado de trabalho, capacitação e apoio para diversas novas ocupações de geração de renda. Por outro, criar condições materiais e simbólicas para a construção dos espaços públicos com atividades que respeitem as diferenças e favoreçam a construção de laços identitários e afetivos”, informa. Para isso, está sendo feito um extensivo trabalho de coleta, identificação, mapeamento, sistematização e análise. E, como afirma Helena, levando em conta tudo o que já foi produzido sobre juventude. “Estamos reunindo todas as contribuições já existentes em âmbito nacional e internacional, explicitando os pontos de controvérsia e incentivando o debate”, diz. Segundo ela, o projeto pode pautar, inclusive, o IBGE, gerando, assim, dados acessíveis para inúmeros gestores.

Faz parte da concepção do projeto a idéia de organizar uma “espécie de mapa das questões que afetam os jovens no Brasil”, além de elaborar um plano geral com diretrizes para o enfrentamento dessas questões.

O Projeto Juventude, que deve ser finalizado até o fim de maio, está ordenado em seis eixos simultâneos, integrados e complementares: um mapeamento e rastreamento das informações, uma pesquisa quantitativa nacional, um site, seminários regionais nos estados, um livro sobre juventude brasileira e políticas públicas e narrativas sobre participação juvenil (pesquisa participante).

“Acho que o Instituto Cidadania está cumprindo um importante papel de demonstrar a vontade política do governo em inserir o tema juventude na política nacional. Acho também que, mesmo com todas as dificuldades existentes, está cumprindo a tarefa de aproximar a sociedade desse debate. São avanços fundamentais. Mas destaco que o futuro da política de juventude dentro do governo depende, sim, do gestor que for conduzi-la e da maneira como será feita essa condução. É preciso garantir espaço político dentro do governo, em cada ministério. É necessário tornar a questão visível para a sociedade. E isso depende de estratégia da gestão”, opina Youssef.

A ocasião para a avaliação sobre o que se vem fazendo em relação à juventude é bastante particular e oportuna porque, do mesmo modo que há a possibilidade concreta de uma inversão de ótica, em que o jovem conduz o debate, há processos práticos que têm como fim a tentativa de construção de políticas. Resumindo, a discussão feita por pessoas como Helena – e muitas outras –, há mais de dez anos, encorpa-se com ações em todos os estratos do poder, de formas diversas e com suas limitações.

Trabalho, “o grande nó”

Desde 1997, a Ação Educativa, importante ONG sediada em São Paulo, participa de forma visceral do processo de reflexão sobre políticas públicas para a juventude. Em resumo, a entidade elaborava um amplo projeto para jovens e pôde aplicá-lo dentro de um órgão político, com um fim público bastante visível – fato que poderia parecer uma atuação secundária e se transformou em iniciativa pioneira e central. Ao assessorar a Prefeitura de Santo André, na ocasião dirigida por Celso Daniel, a Ação Educativa criou o Centro de Referência para a Juventude, tido como um dos primeiros espaços destinados somente a esse segmento.

Desse conjunto prático, que incluiu o envolvimento na concepção de um espaço público para a juventude e sua gestão, a Ação Educativa não só foi agente na construção de políticas públicas para a juventude – embora não seja esse seu papel primeiro – como também instituiu, de vez, nesse debate, a valorização das diversas identidades culturais do jovem – e sua posição como produtor de cultura. Tudo isso pensado, principalmente, no âmbito escolar. Entretanto, mesmo tendo avançado nesse assunto – ao estabelecer algumas propostas de “diálogo entre a cultura da escola e as culturas juvenis", por meio de projetos desde sua criação, em 1994 –, hoje, como afirma a coordenadora da Juventude na ONG, a educadora Maria Virgínia de Freitas (Magi), “o grande nó” está na questão do trabalho. “Já conseguimos confirmar a importância da cultura e da educação. Mas como resolver concretamente a questão do trabalho? A geração de renda e a questão da sobrevivência marcam os interesses dos jovens, mesmo que eles tenham demonstrado interesse, num primeiro momento, em assuntos culturais ou em participar dos debates na ambiência pública”, analisa ela.

Entre as várias ações da ONG, há uma iniciativa de capacitação em elaboração de projetos para os grupos juvenis produtores de cultura. Segundo Magi, algo que deu muito certo, mas também indica essa necessidade da juventude de se resolver economicamente. “É uma forma de arrumar recursos, mas é, ao mesmo tempo, um caminho arriscado, já que formular projetos, também com fins econômicos, não pode e não deve ser a única forma de intervenção.”

Entender a questão do trabalho, levando em conta as especificidades da juventude, tem sido uma das tarefas da atual gestão da Prefeitura de São Paulo, por meio de alguns programas da Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade. Há algumas iniciativas, principalmente como o Bolsa-Trabalho, que não solucionam todo o problema, mas parecem estar no caminho. Segundo o gestor do órgão, o economista Marcio Pochmann, “o avanço” no tratamento sobre a questão do trabalho para a juventude reside sobretudo na mudança da perspectiva etária. Em vez de basear-se na faixa etária de 15 a 24 anos, conforme definição adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a secretaria passa, a partir deste ano, a considerar para a juventude a idade de 15 a 29 anos. “Este é um momento muito complexo de transição, que não pode ser considerado apenas como passagem para a vida adulta, especialmente porque a expectativa de vida aumentou. É um largo período da vida de um cidadão em que ele precisa ultrapassar etapas, como a delimitada pela partida da família de origem, constituindo possivelmente uma, formar-se, entrar na vida profissional e, assim, ter a chance de obter a independência econômica necessária. Para isso, não há somente um tipo de busca de inserção ocupacional, emprego, geração de renda etc. Assim como não há somente um tipo de exclusão. A idéia é dar conta desses vários tipos de exclusão, não apenas aquela em que o jovem em condição paupérrima sofre conseqüências graves da crise do trabalho, mas também aquela em que o jovem tem formação e não se emprega”, comenta Pochmann. Esse ponto de vista, presente no Bolsa-Trabalho, tem portanto considerado a juventude em seus diferentes estratos sociais.

Concretamente, já passaram pelo Bolsa-Trabalho cerca de 55 mil jovens. Composto das modalidades Renda, Cursinho, Estágio e Emprego, o programa dá curso de capacitação e bolsa mensal de garantia de renda a jovens em condição de pobreza para que continuem os estudos no ensino médio. Para os que já concluíram esse nível, oferece bolsas de estudo em cursinhos pré-vestibulares. E se propõe, também, a investir na geração de vagas de estágio e emprego para jovens do ensino médio e do superior. Contudo, a cidade de São Paulo conta com 2 milhões de jovens na faixa de 15 a 24 anos, o que corresponde a quase 20% da população do município. A questão do trabalho é ainda, de fato, um “grande nó” a ser resolvido.

Juventude em números

1. Mais de 33 milhões de brasileiros compõem, hoje, o segmento juvenil de 15 a 24 anos, dos quais 80% vivem na área urbana (IBGE, 2000). Os jovens representam cerca de 20% da população brasileira.

2. Segundo pesquisa nacional sobre analfabetismo funcional, feita pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Ação Educativa em 2003, apenas 47% dos entrevistados (de 15 a 24 anos) apresentavam domínio pleno de habilidades ligadas a leitura de textos mais longos, localização de informações e capacidade de estabelecer relações entre elas.

3. De acordo com o Ministério do Trabalho, em dez anos (1989-1999), houve um sensível decréscimo de postos de trabalho no mercado formal para jovens de 15 a 24 anos de idade. Na faixa etária de 15 a 17 anos, de 902.894, em 1989, o número total baixou para 374.578, em 1999. Na faixa de 18 a 24 anos, de 5.479.686, em 1989, os postos disponíveis caíram para 4.631.580.

Mais informações sobre juventude:
www.uff.br/obsjovem
www.controlesocial.org.br
www.prefeitura.sp.gov.br/juventude
www.projetojuventude.org.br

Fontes: IBGE e Os Jovens no Brasil – Desigualdades Multiplicadas e Novas Demandas Políticas, de Marília Sposito. Ação Educativa, 2003

As faces do jovem

Se em algum momento houve uma falta de compreensão de que a valorização de grupos e de comportamentos jovens realmente seria um caminho acertado dentro da política, a realização do primeiro Mapa da Juventude do Município de São Paulo (2003), projeto da Coordenadoria Especial da Juventude (CEJ), demonstrou, ao menos, que esta é uma direção.

“Não dá para desenvolver política de juventude longe da juventude, não é? Na maioria dos casos, a galera (da política) nem sonha com o que está sendo feito nem sabe quem faz o quê. Estamos apenas no começo, mas estamos no caminho certo”, sentencia Alexandre Youssef, coordenador da CEJ, que, desde a criação do órgão, insiste na elaboração desse diagnóstico visando o mapeamento de grupos juvenis. “Percebemos a necessidade de conhecer a juventude, considerando esse recorte, principalmente por observar a quantidade de projetos que chegam à Coordenadoria e pelo número acentuado de grupos e pessoas que nos procuram.”

Para a primeira edição do Mapa da Juventude, foram cadastrados 1.609 grupos, que, em outra medida, correspondem a 303.592 participantes. A pesquisa foi estruturada a partir de distintos componentes: um inquérito domiciliar em 5.250 residências em que 2.259 jovens foram entrevistados, o survey do Bolsa-Trabalho (que tem o registro de 1.400 bolsistas beneficiados pelo programa), o levantamento de equipamentos e espaços de lazer e, especialmente, o cadastramento dos grupos jovens. A pesquisa foi feita pelo Centro de Cultura Contemporânea (Cedec). Segundo Youssef, a CEJ criará um processo permanente de cadastro de grupos jovens com a realização do portal do Mapa da Juventude, a ser lançado ainda no primeiro semestre.

A idéia do Mapa nasce com a intenção de compreender a formação e a localização dos grupos jovens (como os hip-hoppers e os skatistas), permitindo, segundo a pesquisa, “apreender as razões para sua formação ou os significados atribuídos pelos jovens a esse tipo de participação”. Em resumo: entender quais são as noções de grupo elaboradas pelos próprios jovens. Um tipo de instrumento que, além de revelar parcialmente o perfil dos jovens, deve amenizar algumas críticas à CEJ, principalmente por ter um perfil explicitamente “agitador” – e ousado –, com a promoção de eventos culturais e esportivos em toda a cidade. “Visibilidade, muito mais que estratégia, é uma obrigação. Estratégia é fazer o Mapa da Juventude, criar canais de diálogo, receber as demandas, falar a língua do jovem, valorizar comportamentos e grupos. Só buscando a visibilidade da CEJ é que ações são possíveis”, finaliza Youssef.

Janaina Rocha é repórter da revista Cult e co-autora do livro Hip Hop – A Periferia Grita (Editora Fundação Perseu Abramo)