Nacional

O partido definiu sua política de alianças com base na necessidade de consolidar o tradicional campo de alianças da esquerda, buscando ampliação ao centro, com o objetivo de constituir uma poderosa força de centro-esquerda para polarizar a política brasileira

A tática do PT nas eleições municipais consiste na definição dos movimentos, das ações, das posições, das manobras, da disposição e do posicionamento do partido para atingir seus objetivos estratégicos. De forma implícita ou explícita, o PT definiu três objetivos estratégicos relativos à especificidade das eleições municipais e um objetivo estratégico nacional. Os três objetivos específicos são: a) alcançar determinado número de vitórias nas capitais dos estados e nas grandes cidades do interior que configure uma vitória eleitoral do PT; b) reeleger ou eleger a maioria dos prefeitos onde o PT governa as prefeituras atualmente; c) conquistar um número significativo de novas prefeituras, ampliando o enraizamento do PT no interior e conferindo-lhe presença nacional.

Torna-se difícil quantificar a priori esses objetivos estratégicos na medida em que eles dependem das posições relativas alcançadas pelos outros partidos. O próprio decurso da campanha e, principalmente, a passagem do primeiro para o segundo turno constituem processos definidores do movimento de quantificação e de localização das vitórias necessárias para configurar o êxito na busca dos objetivos.

Quanto ao objetivo estratégico geral que está implicado nas eleições municipais, trata-se de ampliar a sustentação política do governo Lula e do processo de mudanças, agregando e consolidando força política para garantir a governabilidade e a aplicação do programa de mudanças e tendo em vista as eleições gerais de 2006. Nesse aspecto, é importante que as forças que apóiam o governo Lula estreitem suas alianças no segundo turno.

A política de alianças

Um dos principais aspectos da tática do PT para as eleições municipais de 2004 consistiu na definição de sua política de alianças. A resolução do Diretório Nacional de dezembro de 2003 definiu a política de alianças do partido com base em dois critérios. Do ponto de vista partidário, fazer alianças com os partidos que compõem a base de sustentação do governo Lula, priorizando o campo popular e democrático. Do ponto de vista dos candidatos a apoiar, levar em conta seu perfil democrático e ético. A política de alianças do PT parte da pressuposição da necessidade de consolidar o tradicional campo de alianças de esquerda, buscando uma ampliação ao centro, visando constituir uma poderosa força de centro-esquerda para polarizar a política brasileira.

Ao fechar a primeira fase de constituição de coligações para as eleições municipais de 2004, relativa ao primeiro turno, um cômputo preliminar indica que o PT fez alianças combinando amplitude e regras criteriosas. Ou seja, se por um lado não se isolou, ao mesmo tempo, ao fugir de uma tática de adoção de alianças a qualquer preço, não derrapou para o puro pragmatismo. O balanço das alianças indica que o partido, no geral, obteve êxito em configurar sua tática, com algumas exceções. A política de alianças do PT em 2004 representa o coroamento de um movimento de maturidade do partido, que teve como marcos importantes as eleições municipais de 2000 e as eleições gerais de 2002.

Para entender corretamente o caráter criterioso e a amplitude da política de alianças do PT é preciso, antes de tudo, refutar a visão linear e simplista de algumas análises que são feitas. Num país federativo como é o Brasil e num sistema multipartidário como o nosso, não se pode pressupor que uma política de alianças nacionalmente definida adquira uma coerência cabal em sua aplicação nos municípios. As realidades regionais e municipais diversas não são plenamente concordantes com as táticas nacionais adotadas pelas direções partidárias. O PT nunca pressupôs um enquadramento absoluto dos partidos da base governista a uma política nacional de alianças. A política nacional é uma orientação de caráter geral, no interior da qual se instalam as exceções das especificidades locais e regionais.

Observada essa abordagem correta da realidade política, pode-se afirmar que o PT obteve êxito em consolidar um campo de alianças de centro-esquerda. Em relação à esquerda, estamos aliados com o PC do B em vinte capitais e com o PSB em oito. Dos 95 municípios com mais de 150 mil eleitores, o PPS e o PT estão aliados em doze. O PT ampliou suas alianças também ao centro: com o PL estamos aliados em oito capitais e com o PTB em sete. As alianças com esses partidos também se ampliaram em municípios com mais de 150 mil eleitores e em pequenos e médios municípios do interior. O PMDB, a exemplo das eleições de 2000, continua sendo o principal aliado do PT em pequenos e médios municípios do interior. É preciso reconhecer, no entanto, que em relação ao PMDB a tática do PT sofreu um revés. Era nosso objetivo ampliar significativamente as alianças com os peemedebistas nas capitais. Mas, nesse caso, apenas em Curitiba, Palmas e Boa Vista os dois partidos estão aliados. No Rio Grande do Sul, contudo, onde PT e PMDB sempre foram partidos fortemente concorrentes, as alianças entre ambos avançaram para quase uma centena de municípios.

PT e PC do B deveriam estar juntos em Fortaleza e no Rio de Janeiro. Infelizmente, injunções locais impediram essas alianças. As determinações políticas de um país como o nosso e de um sistema partidário como o nosso fazem com que as variáveis locais cobrem preços significativos às estratégias nacionais. As exceções às definições nacionais dos partidos não necessariamente significam reveses insuperáveis. Muitas vezes, o tempo e os acontecimentos mostram que algumas exceções trazem mais benefícios que prejuízos. Outras vezes as exceções às determinações nacionais dos partidos são meras expressões de interesses egoístas locais. Podem ser frutos também de incompreensões políticas.

É preciso observar que as políticas de alianças dos partidos nas eleições municipais se definem por lógicas contraditórias. Uma das lógicas nas quais os partidos estão incursos diz respeito a seu próprio fortalecimento. Assim, numa determinada cidade, por exemplo, onde dois partidos tradicionalmente aliados dispõem de candidatos competitivos, essa lógica tende a fazer com que ambos lancem candidatos e se tornem concorrentes. Esse fenômeno deve ser visto como natural na vida política. O que o PT definiu é que nas disputas com partidos que fazem parte do campo nacional de alianças deve ocorrer um relacionamento civilizado e pactuado, preservando relações para uma composição no segundo turno.

A própria existência de eleições em dois turnos determina que, no primeiro turno, se reforce a lógica da manifestação individual e do fortalecimento de cada partido. Já a lógica do segundo turno é a da agregação das legendas em torno de candidatos e de partidos afins. No primeiro turno, as alianças ocorrem mais onde se apresentam candidatos com grande força de agregação, por conta de suas qualidades ou do potencial de vitória. Ao levar em conta a lógica do seu fortalecimento, o PT também montou uma estratégia eleitoral bem-sucedida. Das 26 capitais, o partido tem candidatura própria em 23. Das noventa cidades com mais de 150 mil eleitores, tem candidatura própria em setenta. Nos quase 5 mil municípios em que está organizado, tem candidatos ou a prefeito, ou a vice ou a vereadores em todos eles.

Com as alianças e coligações definidas, agora a conjuntura política se desloca para a disputa eleitoral. O PT fará todos os esforços para que essa disputa represente um momento elevado de fortalecimento da democracia, priorizando o debate em torno de programas e propostas para melhorar a vida das pessoas nas cidades brasileiras.

A centralidade municipal das eleições

A tática eleitoral do PT nas eleições municipais deve evitar o falso dilema em torno do debate se o foco deve ser nacional ou municipal. Com base tanto em experiências eleitorais pregressas quanto em aferições de pesquisas qualitativas, é possível afirmar com segurança que as eleições municipais se definirão preeminentemente pelo seu caráter local, municipal. Os temas nacionais como desemprego, violência, crescimento econômico, avaliação do desempenho do governo federal, entre outros, se apresentarão de forma natural no debate eleitoral, com mais ênfase nos grandes centros urbanos. Mas sua incidência na definição do voto do eleitorado será menor que as questões municipais.

Por isso, o PT deverá dar ênfase ao foco local e municipal da disputa, sem fugir dos temas nacionais e da defesa do governo Lula. Com base nas experiências bem-sucedidas em suas administrações municipais, o partido deve manter uma postura ofensiva e propositiva nas campanhas, mostrando com exemplos práticos que vem conseguindo êxitos sucessivos na mudança e na melhoria das condições de vida nas cidades que governa. Para dar suporte a essa postura tática, o PT providenciou a edição de uma revista, Cidades Vivas, que divulga 26 projetos premiados internacionalmente de gestões municipais petistas. Em âmbito estadual, foram editadas diretrizes de programa de governo que contêm também projetos bem-sucedidos das mais diversas áreas das administrações petistas de São Paulo e em outros estados.

Num país democrático como o Brasil, com um debate público significativo, com uma espessa opinião pública informada, com os meios de comunicação em expansão e com uma mídia pluralista, não é possível imaginar uma eleição simplificada e monotemática. Assim, além de incorporar as experiências pregressas das administrações petistas, as campanhas precisarão fazer uma abordagem complexa do eleitorado, multitemática, até porque, com o aprendizado democrático, o eleitor brasileiro vem apresentando níveis crescentes de exigências aos candidatos para que possa definir seu voto. As características federativas do Brasil, sua dimensão continental, suas especificidades regionais e locais determinam a preeminência dos temas locais e municipais sobre as outras variáveis que estarão implicadas na disputa.

Aposta no desenvolvimento local e regional

A aposta e a ênfase que o PT vem conferindo aos temas locais e municipais partem de pressupostos e de projeções estratégicas. Acreditamos, por exemplo, que, com o processo da globalização e sua incidência transformadora de alguns aspectos da soberania nacional, o município, o poder local, ganha uma nova relevância em vários aspectos. Ganha uma nova relevância econômica, na medida em que pode estruturar um modelo de desenvolvimento local, articulado regionalmente, criando graus de autonomia e proteção para sua produção e para sua mão-de-obra. Ganha uma nova relevância social, na medida em que os problemas de pobreza e de exclusão, típicos de países em desenvolvimento, podem ter soluções mais eficazes se enfrentados pelo poder local e municipal. Ganha uma nova relevância cultural e ecológica, na medida em que a revalorização do espírito de comunidade e de pertencimento preserva e recria conteúdos culturais e socioambientais.

As eleições, de alguma forma, deverão apontar para essa nova relevância do poder local, para essa revalorização do município como unidade política, econômica, social e territorial. A revalorização do município deve sinalizar também, para os políticos e para os governantes, que o Brasil deve repactuar seu sistema federativo, definindo melhor as responsabilidades e os encargos, de um lado, e os recursos e fontes de financiamento, de outro.

Acreditamos, contudo, que o PT deve conferir uma nova ênfase estratégica à idéia de desenvolvimento local e regional. Por isso, o tema deve ganhar uma relevância tática importante nos programas eleitorais dos candidatos petistas e nas propostas que estes apresentarão aos munícipes. A razão dessa ênfase estratégica se deve, como sinalizamos anteriormente, ao fato de que a globalização está produzindo determinações crescentes da economia internacional sobre as economias nacionais, relativizando as capacidades dos Estados nacionais de orientar e proteger suas economias.

Para contrabalançar as determinações, os efeitos e os impactos da globalização, localidades e regiões de vários países têm lançado mão de estratégias bem-sucedidas de desenvolvimento. O objetivo central dessas estratégias visa reterritorializar as coordenações, orientações e controles de práticas econômicas e produtivas, acentuando o sentido de lugar e de comunidade à atividade econômica. Para isso são incrementadas medidas como reforçar atividades produtivas de pequena escala ligadas às pequenas e médias empresas; apoiar a articulação de cadeias produtivas locais e regionais; apoiar a estruturação de novas atividades produtivas; criar mecanismos que favoreçam a inovação produtiva; interligar os mercados regionais; integrar as localidades e as regiões em termos de infra-estrutura e logística como transporte, comunicações, energia, políticas ambientais, saneamento, gestão de recursos hídricos; integrar as municipalidades e as regiões em suas estruturas de serviços como rede hospitalar, sistema de ensino, políticas de segurança, transporte público etc.

A estratégia de desenvolvimento local e regional está implicada num conceito abrangente cujo objetivo central consiste em configurar um novo protecionismo, necessário, para atenuar os impactos externos sobre a produção, o emprego e o bem-estar das comunidades. A estratégia de desenvolvimento local e regional deve ser interativa com uma estratégia de desenvolvimento nacional. Ao mesmo tempo que ela tem um sentido protecionista e de reforço dos mercados regionais internos, precisa servir de suporte às iniciativas do governo nacional de expandir o comércio internacional e conquistar novos mercados.

Algumas administrações petistas já fizeram experimentos localizados e parciais de estratégias de desenvolvimento local e regional. Trata-se, agora, de imprimir um salto em termos de amplitude, qualidade e busca de resultados efetivos dessas estratégias. As campanhas petistas precisam semear essa idéia, apostando na vocação econômica dos municípios e sedimentando o terreno para que o PT emerja das eleições como o partido do desenvolvimento, do emprego e da inclusão social.

José Genoino é presidente nacional do Partido dos Trabalhadores