Nacional

Entrevista com o ministro das Cidades Olívio Dutra

Transformar para melhor a vida dos brasileiros, propiciando as condições para o exercício da cidadania, é o objetivo da política integrada de desenvolvimento urbano do Ministério das Cidades

Como o Ministério das Cidades foi criado pelo atual governo, fale-nos sobre suas atribuições.
Quando o presidente Lula era candidato, ouviu, para a elaboração do Projeto Moradia, os movimentos sociais, as lideranças comunitárias e empresariais da construção civil, as universidades, que evidenciavam a necessidade de trabalhar no âmbito federal a questão urbana brasileira de maneira integrada: moradia, saneamento, transporte urbano, mobilidade, acessibilidade, a ocupação humanizada, a regularização fundiária.

A idéia tornou-se compromisso do candidato à Presidência da República, que, uma vez vitorioso, criou o Ministério das Cidades. A estrutura do ministério é enxuta: o gabinete, a Secretaria Executiva e quatro secretarias específicas - de Programas Urbanos, de Saneamento, de Habitação e de Transporte e Mobilidade Urbana -, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), além da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb), que é o trem metropolitano de superfície.

A base administrativa foi a antiga Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedu), que atendia a área de habitação. Uma pequena parcela de seus recursos vinha do Orçamento e o restante dependia de emendas parlamentares para fazer a famosa casinha padrão, que muitas vezes nada tinha a ver com a necessidade da família, a peculiaridade cultural e o material adequado. Não havia planejamento, definição de prioridades, envolvimento dos movimentos. E havia ainda questões urbanas dispersas em outros ministérios, como trânsito e transporte urbano. O Denatran estava no Ministério da Justiça e o transporte urbano no Ministério dos Transportes, assim como a CBTU. E os trens urbanos e metrôs são fundamentais, estruturantes do espaço urbano, devem funcionar de forma integrada, articulada. Então, temos a responsabilidade de trabalhar os metrôs e trens urbanos, o Denatran, a questão do transporte urbano, o Código de Trânsito Brasileiro, a cultura civilizada que precisamos ter no transporte.

Sobre o transporte, qual a situação encontrada e os principais eixos de atuação?
Na CBTU, quatro grandes metrôs paralisados ou semiparalisados: Salvador, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza. O país não tinha condições de fazer todos ao mesmo tempo, mas no passado só se preocuparam em executar obras. Eram quatro elefantes brancos endividados, resultado de financiamento externo, recursos que não estavam sendo usados, mas o país pagando o aluguel do dinheiro... Retomamos as obras dos quatro, paralisadas desde 2001, 2002. Não estamos fazendo obras novas, mas dando continuidade, concluindo os trechos mais estruturantes, que vão qualificar o transporte coletivo nessas regiões metropolitanas. Mas temos enormes dificuldades, não vamos poder terminar nenhum desses metrôs. Não podíamos parar as obras que estavam iniciadas, pois paralisadas estavam infernizando os centros urbanos e elevando custos.

Por que o metrô de Porto Alegre é um caso à parte?
Porque em Porto Alegre é a Trensurb, uma empresa pública federal. Nós estamos também trabalhando uma integração do sistema de transporte coletivo por metrô e os trens urbanos, para ter uma relação mais adequada entre os municípios da região onde funciona o sistema, os governos estaduais e o governo federal. O governo federal assume muita coisa. Estamos até arcando com a folha de pagamentos do metrô de Fortaleza, onde a empresa é estadual.

E, se não é possível terminar todos os metrôs, quanto será possível entregar?
É possível entregar muitos trechos. Mas só para concluir o metrô de Fortaleza, por exemplo, precisaríamos investir R$ 100 milhões por ano até 2007. Não dá para fazer isso e levar as obras dos outros, que estão mais avançadas. E há outras prioridades no Ceará. Temos o programa Bolsa-Família, investindo mais de R$ 500 milhões. O orçamento para o metrô de Fortaleza no ano que vem é de R$ 29,5 milhões.

Há também sérios problemas de financiamento dos outros modais de transporte coletivo urbano, os ônibus. Criamos o Pró-Transporte no ano passado, para o qual passamos R$ 250 milhões de financiamento... Recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e também do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Parte é operada pela Caixa Econômica Federal e parte pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para este ano temos R$ 600 milhões desse Pró-Transporte para financiar prefeituras e as operadoras e permissionárias desse serviço.

Pelo fato de o Denatran estar no Ministério das Cidades, também temos a ver com o trânsito de modo geral, a obediência às regras do trânsito. Não é querer multar, mas gerar uma cultura civilizada de trânsito. Estamos realizando campanhas contínuas envolvendo entidades da sociedade, com a visão de um trânsito humanizado que preserve a vida e o espaço urbano para a circulação do ser humano, e não predominantemente para o veículo particular.

Quanto menos investimento houver no transporte coletivo público, maior será a queda de qualidade, e as pessoas com poder aquisitivo um pouco maior vão comprar carro. E aí já viu a balbúrdia. Além do que temos de acidentes com mortes, 30 mil por ano. Na frieza dos números, o prejuízo é de R$ 10 bilhões por conta dessa selvageria do transporte, dessa desregulamentação. É preciso possibilitar uma intermodalidade, ampliar o acesso ao transporte urbano, sem aumento de tarifa. Hoje aumenta o número de excluídos no transporte coletivo. A maior parte das viagens nas regiões metropolitanas, por incrível que pareça, é a pé - 44%. Apenas 29% estão usando o transporte coletivo.

Existe uma discussão dentro do governo sobre os insumos que entram no cálculo do custo da passagem, o óleo diesel, que tem uma importância enorme no transporte coletivo urbano. Há alguns itens que os municípios podem reduzir do custo geral: taxa de administração, impostos municipais. Contanto que haja um retorno efetivo na qualidade do serviço.

Já que tem uma estrutura enxuta, como o ministério atua no país?
Achamos que o Ministério das Cidades não deve ter delegacias locais nos municípios ou nos estados. Nossa presença capilarizada no país se dá por meio da Caixa Econômica Federal, um banco público, social, com 142 anos de existência, agências ou representação nos 5.561 municípios brasileiros, que opera os recursos geridos pelo Ministério das Cidades.

Temos uma comissão permanente que trabalha a qualificação do papel da Caixa para atender às demandas e operar com os recursos geridos pelo governo nas políticas definidas pelo ministério. Já conseguimos acabar com muitas das burocracias e exigências que impediam a agilidade da aplicação dos recursos, o que fazia com que a parcela mais pobre, demandante de recursos, acabasse recebendo percentual menor no financiamento. Estamos mudando essa lógica.

De quanto é o orçamento do ministério?
O ministério tem recurso do Orçamento Geral da União, que é a menor parte do total de seu orçamento. A proposta enviada ao Congresso para o ano que vem é de R$ 764 milhões para atender a todas as questões de investimento nas áreas de moradia, saneamento e transporte. Para 2004 a proposta original era de aproximadamente R$ 600 milhões, e o Congresso quase a duplicou.

Esse recurso foi empregado?
Do total, 94% estão disponíveis para a execução dos projetos. O ministério não é um executor de obras e nenhum comprador de serviços. Depende muito da aplicação e da agilidade do tomador de financiamento, o município, o estado, a empresa pública ou a empresa privada ganhadora da licitação, que é feita pelo município, e não por nós.

Trabalha ainda para capacitar os tomadores de financiamento a fim de que possam não só ter um projeto mais adequado para atender melhor o foco principal - a população mais carente e excluída dos bens fundamentais - como também formular técnica e corretamente esse projeto. Por isso temos um pé na infra-estrutura urbana e outro nas questões sociais que envolvem a vida de 82%, da população brasileira que mora nas cidades.

A área de atuação do ministério não se restringe às grandes cidades?
Não. O ministério é das cidades sob a perspectiva de que elas são sede de municípios. Então, a pessoa interessa ao ministério na cidade ou na área urbana.

O que é definido como área urbana?
A área urbana é o núcleo da cidade que é a sede do município, mas há a pequena comunidade rural, a vila, espaço rural dos municípios. São 5.561 municípios. Na Constituinte discutimos trazer de forma institucionalizada o município para a família federada - anteriormente a Federação só pensava na União e nos governos estaduais. E com a criação do ministério, além de ter essa definição institucional, ele passa a ter um papel importante, politicamente, administrativamente. Com o Ministério das Cidades e a articulação dos Assuntos Federativos, os prefeitos e suas entidades de representação política são parceiros do diálogo, da mesa de definir políticas, de debater questões do município e da relação deste com os demais entes federados.

Quais são as entidades de representação dos municípios?
A Confederação Nacional de Prefeitos, a Frente Nacional de Prefeitos e a Associação Brasileira de Municípios. A Caixa Econômica Federal também está dando um atendimento qualificado aos municípios.

A Constituição de 1988 garantiu também a repartição do bolo da arrecadação. Depois, os sucessivos governantes foram fazendo a roda girar para trás, e voltou aquela idéia de centralizar os recursos na União e descarregar as obrigações nos entes federados, principalmente o município. Mais obrigações e menos recursos. A conquista durou pouco. Com o governo Lula e essa relação transparente, respeitosa com os municípios, os prefeitos e suas entidades, nós pudemos inclusive formular uma proposta de reforma tributária cuja preocupação central era elevar as receitas municipais. Infelizmente a votação ainda não se completou, mas se fosse concluída neste ano os prefeitos teriam em torno de R$ 1 bilhão a mais na repartição do bolo federativo, assim como os estados.

Há ainda muito a ver com relação à receita própria dos municípios, que não pode ser definida de cima para baixo. Há impostos e tributos que são da administração local. O IPTU, por exemplo: é preciso que haja atualização da planta de valores para a cidade poder instituir o IPTU progressivo. Esse é um debate importante, e são raros os administradores locais que se dispõem a fazê-lo com a comunidade. Trata-se de uma fonte de arrecadação sobre a propriedade - quem tem mais paga mais, quem tem menos paga menos - e o poder público pode investir mais na qualificação da vida de todos no espaço urbano.

Temos agora o Estatuto da Cidade, uma conquista da cidadania brasileira, que é lei desde 2001. Apesar de importantíssimo, ainda está no papel. Esta é também uma de nossas tarefas: divulgar amplamente o que ele representa, socializar as informações e criar as condições do debate nos municípios para sua implementação. É importante que os municípios tenham seu plano diretor. Há mais de 2.600 municípios com população acima de 20 mil habitantes sem plano diretor. Até 2006, os municípios terão de tê-lo ou adequá-lo ao Estatuto da Cidade.

Como se dá a relação do ministério com os mais de 5 mil municípios?
Nós nos relacionamos com as três grandes entidades municipalistas do país que mencionei. Há ainda o Conselho Nacional das Cidades, que é algo transformador. Faz parte da estrutura do ministério e é composto de 71 integrantes, eleitos no processo das conferências das cidades, nos três níveis, envolvendo diretamente 3.457 municípios. O critério de formação do conselho foi discutido abertamente nesse processo, incluindo a participação do governo federal, de vários ministérios, dos governos estaduais e municipais, da maioria dos movimentos da sociedade civil - movimentos de luta pela moradia, pela saúde, ONGs, universidades -, e muitas dessas representações municipais se integram também à direção dessas três entidades municipalistas.

O conselho não é deliberativo, como gostaríamos, e sim consultivo. E tem um peso importantíssimo na formulação de propostas, no debate direto, na instigação de programas, na discussão dos recursos e visão do planejamento.

A relação com os municípios é bilateral: o governo e o município; o governo e a entidade municipalista. Ela se dá de forma aberta, rica, e evidentemente nossa busca é trabalhar a intersetorialidade, a intermodalidade, a questão local ligada à regional - o projeto local e regional tendo relação com uma visão de país, de nação.

O Ministério das Cidades trabalha também em relação direta com os movimentos sociais. Temos programas inovadores nesse sentido, como o Crédito Solidário, que proporciona moradia para a faixa de população com renda mensal de um a cinco salários mínimos, a qual concentra 94% do déficit.

Qual é o déficit de moradia?
O déficit quantitativo é de 6,6 milhões de unidades novas. O déficit qualitativo é de 10 milhões de moradias que precisam ser qualificadas para que as pessoas morem dignamente. Há ainda um crescimento vegetativo desse déficit em torno de 150 mil unidades por ano. Não estamos vendo só a questão da construção, mas da adequação, da qualificação da moradia. Se garantimos moradia digna apenas para 150 mil famílias por ano, não reduzimos o déficit. É preciso no mínimo produzir o dobro disso. O balanço que recebemos do governo anterior tinha em 2002 atendido à demanda de 230 mil unidades. Em 2003 fomos para 378 mil famílias atendidas com moradia qualificada. E para este ano são 580 mil famílias, seja com moradia nova, seja com reforma de moradia, seja com compra de material de construção, seja com adequação do terreno, a regularização fundiária.

Quais são as principais formas de atender a essa demanda?
Já tínhamos o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH), que é de execução da moradia com recursos do Orçamento - portanto, subsídio. O PSH está dentro do Ministério da Fazenda, mas somos nós que operamos, executamos e reformatamos esse programa, que antes fugia do foco, se compunha com outros programas, e o dinheiro acabava atendendo à demanda de moradia das famílias que podiam pagar financiamento. O PSH tem de atender a população de mais baixa renda, famílias de um a três salários mínimos, seja nas regiões metropolitanas, seja nas pequenas e nas médias cidades. É evidente que o recurso é pouco - R$ 350 milhões -, precisamos de quantias muito superiores a isso.

Com o aperfeiçoamento do PSH eliminamos ainda alguns critérios e burocracias que dificultavam o acesso, principalmente das prefeituras, aos recursos. Pois a construção da casa tem de estar no planejamento urbano, no plano diretor, ter o terreno adequado, com infra-estrutura básica, acesso a transporte, saneamento, ruas etc. Hoje sofremos da urbanização da miséria: o povo é empurrado para áreas de risco, áreas de manancial, para a mais distante periferia, aonde nunca chegam serviços fundamentais para ter uma vida digna no espaço urbano. É preciso uma política de planificação do território.

Junto com cooperativas também passamos a ter melhor emprego desses recursos do PSH e discutimos com os movimentos sociais o projeto de iniciativa popular, parado desde de 1992, para criar o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), com o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). Conseguimos a aprovação do FNHIS na Câmara, mas ainda está no Senado. Sua criação não quer dizer que já esteja assegurado recurso para ele. É preciso haver ainda o debate para o orçamento, um fundo regular, com volume adequado, e não só em nível federal. O fundo e a idéia de que os recursos dos três orçamentos - União, estados e municípios - mais os recursos dos fundos sociais que são administrados pelo governo e, no caso, pelo Ministério das Cidades têm de ser direcionados principalmente para atender à demanda da faixa da população de um a cinco salários mínimos.

O atendimento à demanda de moradia da faixa da população com renda superior a cinco salários mínimos é a chamada moradia de mercado, que deve ser feita pela iniciativa privada. O macrossetor da construção civil cobre apenas 30% das necessidades desse tipo de moradia. Pode e deve investir bem mais, o que possibilita que os recursos de orçamentos e dos fundos sociais sejam aplicados em maior volume no atendimento da população de menor renda.

Como agir para o setor privado investir mais?
Já fizemos um movimento importante, que deve resultar na injeção de R$ 13 bilhões de reais no ano que vem, recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo geridos pelo sistema financeiro que até há pouco tinham rendimento em depósito compulsório - exigência do Banco Central, do Conselho Monetário Nacional.

Para essa faixa da população que pode adquirir moradia no mercado, temos necessidade de investimentos que não elevem muito as prestações, não tenham problemas de juros nem aquela insegurança gerada por determinadas empresas, como a Encol, por exemplo. Trabalhamos isso com o macrossetor da construção, que vai da construção propriamente dita a administração, financiamento, crédito, seguro de imóveis etc. Para este ano deve vir mais R$ 1,6 bilhão para moradia, porque essa medida foi tomada em agosto.

Precisamos também desconstituir o critério de endividamento, o dinheiro que vai para a construção da moradia e para saneamento eleva a dívida e entra para a composição do superávit.

O presidente Lula tem afirmado em seus discursos em espaços internacionais posição de combate à miséria, à pobreza e que é preciso uma relação de outra qualidade com as agências de financiamento. O Brasil, junto com mais 190 países, assumiu o compromisso na Cúpula do Milênio, no ano 2000, de reduzir a miséria, a exclusão e, até 2015, reduzir pela metade as moradias desqualificadas, sem saneamento. É um compromisso com o povo brasileiro e também do país na relação internacional com a questão. O Estado tem de aplicar mais recursos de Orçamento. Diante disso, precisa propor uma relação de outra qualidade com as agências de financiamento FMI, Banco Mundial, BID, para que se retirem do conceito de dívida pública todos os recursos investidos em moradia, em saneamento, a fim de atender às metas do milênio. Esse é o conteúdo da proposta que trabalhamos no II Fórum Urbano Mundial, que consta nos Anais do Fórum Barcelona 2004 e vai para as considerações do Secretariado-Geral da ONU.

O senhor diz que a maior parte dos recursos do orçamento do ministério não vem da União, do erário. Vem dessas agências?
Não, dos fundos. Do FGTS, do ex-Fundo de Desenvolvimento Social, que desde 1995 circulava no sistema financeiro, mas não na produção da moradia. E com a criação do Ministério das Cidades, que preside o Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social, vamos colocar esse dinheiro para produzir a moradia para quem mais precisa, por meio do programa de Crédito Solidário, cujo foco são famílias com renda de um a três salários mínimos, principalmente, e também as até cinco que moram no mesmo espaço a ser requalificado - numa favela há pessoas com renda até cinco salários mínimos. É o primeiro programa no Brasil a financiar moradia sem juros. São R$ 20 mil de financiamento por família e pagamento em 240 meses. E o Crédito Solidário não é só para construção da moradia, mas também para reforma e compra de material de construção. O financiamento é destinado a famílias organizadas em associações de moradores ou em cooperativas habitacionais. A relação é direta com o movimento social, e não individual.

E a Caixa Econômica Federal?
A Caixa opera, aprecia o projeto executivo, pois não pode ser coisa malfeita. Ela tem papel importante, e nós estamos realizando seminários para qualificar as entidades tomadoras pré-selecionadas, ensinando-as a reunir documentos, resolver problemas com terreno etc. Tivemos 2.789 propostas para o Crédito Solidário. Na cidade de São Paulo, 34 cooperativas tiveram propostas pré-selecionadas para o atendimento de 3.555 famílias, com investimento de R$ 50,9 milhões. No estado foram 69 propostas.

Quais são os outros fundos?
Além do FGTS e do Fundo de Desenvolvimento Social, o FAT, o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que gera o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), operado essencialmente pela Caixa. O PAR, que atingia a faixa da população com renda acima de quatro salários mínimos, ia terminar em 31 de dezembro de 2003. Nós o reformatamos para atender à necessidade de moradia de famílias com renda até quatro salários mínimos e injetamos mais R$ 1 bilhão.

Temos no ministério um programa de qualidade do hábitat brasileiro. As pessoas devem ter também a possibilidade de escolher a casa em que querem morar. É preciso acabar com a casinha padronizada, como se as pessoas fossem secundárias.

Há alguma experiência de investimento em revitalização? O ministério atua no caso do centro de São Paulo?
Sim. Ternos oito prédios no centro de São Paulo desocupados, degradados, em relação aos quais o governo federal, no programa do Ministério das Cidades, reforçou uma proposta da prefeitura. É preciso humanizar essas localidades para que as pessoas, ao invés de serem expulsas, possam morar dignamente no centro. Já tem toda a infra-estrutura, transporte, água, luz, saneamento, escola etc. Esse é um programa a pleno vapor em Vitória, Curitiba, Porto Alegre, São Paulo, Salvador, Recife. Estamos trabalhando com outros ministérios, pois há órgãos públicos que possuem prédios subutilizados ou não utilizados e sendo depredados. O principal deles é o INSS.
Um dos grandes problemas do Brasil são os assentamentos irregulares. Qual a atuação do ministério nesse sentido?
Temos o programa de regularização fundiária. Quase 50% da população brasileira mora irregularmente. Há assentamentos irregulares em quase todas as cidades e alguns são áreas da União ou áreas públicas estaduais ou municipais. Propusemos fazer um levantamento de todas as áreas da União que têm assentamento irregular e trabalhar com os governos locais e comunidades sua regularização. Já entregamos títulos de regularização para centenas de famílias. No Rio de Janeiro, no Parque Royal, foram atendidas 1.560 famílias num trabalho em conjunto com a prefeitura. Mesmo que seja da União, a área está no espaço urbano da cidade e a autoridade local é parceira, porque tem de entrar com a urbanização básica e o cadastro das famílias. Trabalhamos também ao lado da Associação dos Notários e Registradores, para que a escritura seja facilitada e, dependendo da renda familiar, gratuita. O Ministério das Cidades está trabalhando uma regularização, a idéia do usucapião coletivo, numa ponta da Rocinha, com mais de 2 mil famílias.

Esse é um projeto que visa atender 250 mil famílias inicialmente e tem uma abrangência enorme, porque mais de 40% da população brasileira mora irregularmente e já tem direitos garantidos. Há assentamentos irregulares com mais de cem anos. Para o Estatuto da Cidade, se estão morando há mais de cinco anos sem contestação, não é área de risco, não é área de preservação, então cabe ao poder público federal, estadual ou municipal garantir-lhes o direito de permanecer.

Sinteticamente, que contribuição essa pasta pode dar ao povo brasileiro?
O Ministério das Cidades lida com coisas e valores também subjetivos. Trata a cidade não como espaço de disputa, competição, mas como espaço de cidadania sendo exercida na sua plenitude. Um espaço humanizado e de todos.

Nas últimas cinco décadas, por falta de visão de país, de projeto de desenvolvimento integrado, esvaziamos um enorme território de pequenas e médias cidades sem condições de vida para suas populações, que foram jogadas para as cidades mais próximas, para as grandes regiões metropolitanas que incharam. Estudos do IPEA, do IBGE, mostram que, das 29 regiões metropolitanas (27 mais duas regiões de desenvolvimento integrado), em onze delas se concentram 87% das favelas do Brasil.

Nossa política é respeitar a pluralidade, a diversidade, mas combater permanentemente as desigualdades, as injustiças, e procurar uma política de inclusão e instigamento à cidadania para que se recuperem, pela participação cidadã, os espaços políticos, culturais, econômicos. O presidente Lula tem sempre dito que nós temos desafios enormes nesse país, herdamos problemas de enorme magnitude, mas nenhum deles deve ser maior do que nossa disposição de mudá-los, de encontrar alternativas. E isso só vai ser possível com o povo sendo protagonista do processo de mudança. A radicalização democrática para nós é a possibilidade de muito mais pessoas serem construtoras da política urbana no país. O Conselho das Cidades é um bom princípio.

As políticas que estamos desenvolvendo é para mostrar que um outro mundo é possível e também uma outra cidade. Sem uma outra cidade, o outro mundo não acontece.

Ricardo de Azevedo é coordenador editorial de Teoria e Debate

Rose Spina é editora de Teoria e Debate