No último encontro que mantiveram os presidentes Lula e Kirchner, por ocasião da abertura da Assembléia das Nações Unidas, foi reconfirmada a vontade política de fortalecer o Mercosul. Na próxima Cúpula de Presidentes, em Ouro Preto, dez anos depois da assinatura do protocolo que desenhou as atuais instituições, os Estados membros deverão pôr em andamento as necessárias reformas da institucionalidade regional. Ao mesmo tempo, deverão contemplar-se os tradicionais interesses estratégicos que visam manter o Mercosul como instrumento de negociação internacional com os interesses endógenos vinculados ao desenvolvimento e à democracia na América do Sul. A experiência européia para reduzir as desigualdades territoriais e sociais pode inspirar as políticas públicas necessária para mudar os rumos do nosso processo de integração.
O histórico das construções das políticas públicas européias é revelador no que diz respeito à capacidade de resolver as tensões derivadas da existência de disparidades de desenvolvimento entre regiões e países, as quais persistem nessa etapa de alargamento, quando a União Européia incorpora dez novos países. Este artigo tem por objetivo específico mostrar a formulação e implementação de políticas públicas numa perspectiva diferente da tradicional, centrada no Estado-Nação, e observar o desempenho dessas políticas como inspiração para acelerar a formação do Mercado Comum do Sul1.
A idéia principal é que essas políticas públicas, em especial aquelas viabilizadas pelos Fundos Estruturais e de Coesão, contribuem para a democratização e legitimação do processo de integração, porque permitem visualizar ganhos expressivos na busca de coesão econômica e social.
Primeira fase
Durante os primeiros vinte anos, desde a assinatura do Tratado de Roma2, em 1957, a Comunidade Econômica Européia cresceu e se consolidou acalentada pelos tempos de bonança econômica que favoreciam a integração. Nessa primeira etapa, a principal política pública foi a Política Agrária Comum (PAC), constituída como eixo estruturante da integração européia, legitimada pela memória coletiva da fome no contexto da Segunda Guerra Mundial3.
Essa tendência de crescimento econômico reverteu-se na década de 70, quando a Europa acusou fortemente as dores da crise do petróleo. As regiões mais pobres, e portanto mais vulneráveis, foram seriamente afetadas. Em 1973 ocorreu o primeiro alargamento com a adesão de Dinamarca, Irlanda e Reino Unido. A conhecida como "Europa dos 6" transformou-se em "Europa dos 9".
Por pressão da Itália e da Irlanda, na reunião do Conselho Europeu4 de Paris em 1974, foram criados os Fundos Estruturais para o Desenvolvimento Regional (FEDER), que, junto com o Fundo Social Europeu e o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola5, passaram a ter uma coordenação e foram chamados de Fundos Estruturais. Esses fundos constituem ajudas não reembolsáveis, canalizadas para programas de dois a seis anos de duração, e são negociados entre a Comissão Européia (Direção-Geral de Política Regional e Coesão) e ada um dos Estados membros. A aplicação dos recursos se realiza em cooperação com as autoridades regionais e locais, que ajudam a definir as prioridades. O objetivo principal é atender às sérias disparidades entre as regiões da Comunidade.
A reforma dos anos 80
A adesão da Grécia, em 1981, e da Espanha e de Portugal, em 1986, no contexto das reformas da Comunidade que culminaram com a aprovação do Ato Único Europeu (1986), provocou uma intensa barganha política entre os Estados, em especial pelo envolvimento da Espanha na defesa do aumento dos Fundos Estruturais para o período 1988-1992.
Finalmente, a França aceitou a limitação dos gastos da PAC e a utilização de recursos comunitários para duplicar os Fundos. Jacques Delors, nesse tempo presidente da Comissão, discursou no Parlamento Europeu em 1987, justificando a reforma:
... a integração econômica criada por um grande mercado buscará obter grandes benefícios econômicos. Mas seria conveniente que todas as regiões da Comunidade pudessem participar deles progressivamente (...). Com esse espírito a Comunidade analisou as políticas chamadas 'estruturais;'com a vontade de lhes conferir um verdadeiro impacto econômico, e não com a de realizar - o que seria custoso e insuficiente - simples transferências orçamentárias. Falando claramente: há que deixar de considerar os instrumentos comunitários como meros elementos de um sistema de compensação financeira. Estão chamados a desempenhar, junto às políticas nacionais e regionais e em harmonia com elas, um papel importante para a convergência das economias6.
Essa reforma aprovou também um regulamento e formulou os Objetivos:
1. Adaptação econômica das regiões menos desenvolvidas.
Essas regiões foram caracterizadas como aquelas com um PIB inferior a 75% da média do PIB per capita comunitário. Concentraram aproximadamente 70%a de todos os Fundos Estruturais. Nelas ficaram incluídas: a totalidade territorial de Grécia, Irlanda e Portugal; nove Comunidades Autônomas do Estado Espanhol; oito Regiões italianas; Córsega e Departamentos Franceses de Ultramar; e Ceuta e Melilla (cidades espanholas no Marrocos).
2. Reconversão econômica das regiões em declínio industrial.
Esse objetivo visava atender a regiões com uma média de desemprego superior à média comunitária que apresentavam uma diminuição efetiva do parque industrial. Foram contempladas regiões de Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e também da França e do Reino Unido,
3. Luta contra o desemprego de longa duração.
Esse objetivo foi considerado aplicável ao conjunto do território da Comunidade.
4. Inserção profissional dos jovens.
Também aplicado universalmente, foi posteriormente unificado com o Objetivo 3.
5. Objetivo desmembrado em dois:
a) adaptação de estruturas agrárias;
b) fomento ao desenvolvimento das zonas rurais.
Posteriormente, o Objetivo 5a incluiu também o fomento da pesca.
A implementação desse ambicioso programa de políticas públicas não foi fácil e contou com a dedicação da Comissão Européia, que enfrentou grandes resistências de alguns Estados para pôr em marcha uma divisão territorial "supranacional" que permitisse o funcionamento de um sistema uniformizado de aplicação de recursos. Perante a heterogeneidade da divisão territorial dos países, foi criado o sistema comum denominado Nomenclatura das Unidades Territoriais Estatísticas (N11TS). As críticas aumentaram, originando grandes tensões entre a Comissão Européia e os Estados membros. Para ajudar na resolução do problema foi criado o Conselho Consultivo dos Governos Regionais e Locais, formado por representantes indicados pela Associação das Regiões da Europa (ARE) e pelo Conselho de Municípios e Regiões da Europa (CMRE), posteriormente ratificados pelos Estados. Esse conselho substituiu o Comitê de Política Regional, criado em 1975 e formado por especialistas nomeados diretamente pelos Estados.