Economia

Convém menos otimismo com o desempenho presente da economia e do mercado de trabalho e maior esforço de elaboração de diretrizes políticas em favor de um crescimento do produto a taxas mais elevadas, que crie virtuose real entre produção, investimento, emprego e renda

No último dia 13 de agosto, o senhor presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, em pronunciamento à Nação, apresentou sua visão sobre a situação presente da economia e do emprego no país:

Hoje, depois de pouco mais de um ano e meio de governo, de muito trabalho, de muito sacrifício, tenho boas notícias para vocês.

Não há mais nenhuma dúvida: estamos, finalmente, iniciando um novo e importante ciclo de recuperação e crescimento. Todos os indicadores da nossa economia mostram isso claramente. E as manchetes dos principais jornais do país confirmam, vejam algumas delas: (imagens de manchetes com indicadores econômicos)

E o melhor, como vocês viram, segundo o Ministério do Trabalho, mais de 1 milhão de novos empregos com carteira assinada foram criados somente nos últimos seis meses. E mais: as taxas de crescimento do nosso PIB dos últimos meses surpreendem a todos, sobretudo quando comparadas com as taxas dos últimos anos, não deixando dúvidas quanto à enorme capacidade de recuperação de nossa economia quando administrada de forma responsável e firme1.

O quadro favorável da economia apresentado de modo contundentemente otimista pelo presidente é, sem dúvida, um alento para uma Nação castigada por um desemprego elevado que apostou neste governo como uma possibilidade política para a superação do grave quadro social e para o crescimento econômico sustentado. Também é inquestionável que a economia brasileira apresenta um claro quadro de recuperação do nível de atividade, tanto agrícola como industrial, e que desde o final de 2003 havia sinais consistentes de que esse movimento se concretizaria neste ano.

Contudo, apesar da ânsia social, manifestada explicitamente nas palavras do presidente, por crescimento e geração de emprego, os dados sobre a recuperação econômica e a geração de emprego merecem maior atenção, de modo a permitir conhecer as restrições presentes nesse movimento e possibilitar a definição de instrumentos de política pública que o transformem em um processo de desenvolvimento de longo prazo.

Os dados mencionados pelo governo referem-se à movimentação bruta para o período de janeiro a junho deste ano, encontrada no Cadastro Geral de Empregados (Caged) elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Essa movimentação é resultado das declarações de admissão e demissão de trabalhadores com carteira de trabalho, realizadas mensalmente pelas empresas do setor privado.

Nos últimos meses emergiram preocupações justificadas quando à consistência dos resultados produzidos pelo Caged. Essas dúvidas não se voltavam para o incontestável movimento de geração de empregos, mas para a intensidade com que vem se processando. Analistas apontaram que a movimentação bruta observada poderia estar influenciada pelos resultados da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, bem como da atualização da declaração de admissões e demissões por parte das empresas. Contudo, para os objetivos deste ensaio, não se faz necessário entrar nesse debate. Será aceito que a movimentação bruta mensurada pelo Caged reflete fielmente a geração de empregos formais no setor privado. Isto é, que 1.034.656 novos postos de trabalho formal foram criados entre janeiro e junho deste ano, havendo a possibilidade de, ao longo de todo ano, alcançar a cifra global de 1,8 milhão de novos empregos.

Podemos aqui fazer uma primeira observação. Se cumprida essa meta, o aumento de postos de trabalho formal será próximo ao incremento da população economicamente ativa brasileira em 2004. Considerando estimativa do Centro Latino-Americano e Caribenho de Demografia (Celade) da Cepal, a PEA brasileira deve manter uma taxa de crescimento de 1,9% ao ano, entre 2000 e 2005, representando o ingresso de 1,7 milhão de novos membros no mercado nacional de trabalho2.

Apesar de esse resultado quebrar tendência observada durante os anos 90 e no início da atual década, caracterizada pelo crescimento do produto a taxas inferiores àquelas observadas para a população economicamente ativa, ele ainda não é suficiente para provocar modificações substantivas no mercado nacional de trabalho, seja através de uma queda pronunciada do desemprego, seja pela contratação ponderável da informalidade. O crescimento do emprego formal, se confirmada sua consistência para o segundo semestre, empatará com o aumento da população economicamente ativa.

A distribuição desigual desse crescimento do emprego no espaço nacional poderá ter algum impacto positivo nas regiões em que ele ocorrer com maior intensidade e negativo naquelas em que se apresentar de baixa intensidade. Olhemos um exemplo de região onde a geração de novos empregos tem sido significativa: a região metropolitana de Campinas. Durante os cinco primeiros meses do ano foram criados 22,8 mil postos de trabalho na região metropolitana, correspondendo a 11% do total para o estado de São Paulo.

Uma estimativa de crescimento anual aponta que 39 mil postos podem ser criados neste ano, sendo que 25 mil novas pessoas deverão chegar ao mercado local de trabalho. Isto é, haverá uma criação de 14 mil postos de trabalho adicionais que poderão favorecer, mantido o atual quadro de informalidade da região e criadas nesse segmento mais 10 mil ocupações, uma redução do estoque estimado de desempregados de 227 mil para 203 mil pessoas. Se confirmada tal tendência, haverá uma queda da taxa de desemprego de 16% para 14,4%. Apesar de essa queda ser significativa, a obtenção de uma taxa de desemprego de um dígito seria conseguida, mantido o atual nível de crescimento do produto, somente em 2007.

Constata-se, portanto, que o impacto positivo da atual recuperação sobre um mercado de trabalho com razoável capacidade de geração de novos postos é restrito e de efeito lento. Mesmo assim, essa situação é comparativamente mais favorável que aquela observada para regiões com baixa capacidade de geração de empregos formais.

Mapeadas as implicações mais gerais de uma recuperação com capacidade de geração de 1,8 milhão de novos postos em um mercado de trabalho castigado pelo desemprego e pela informalidade, cabe explorar melhor o significado dessa geração de emprego frente ao crescimento do produto.

Até o presente momento, as projeções econômicas mais consistentes continuam trabalhando com um crescimento do produto próximo a 3,5% para 2004. Se confirmado tal prognóstico, esse crescimento contrastará com um aumento do emprego formal de 6,1 % para o conjunto do ano. Isto é, a expansão do emprego será 79% superior à observada para o produto.

Esse resultado deverá ser interpretado pelo governo, se mantida a perspectiva manifestada pelo senhor presidente da República, como um sinal de virtuose da recuperação econômica e dos acertos da política adotada.

Entretanto, antes de aceitarmos tal otimismo e preocupados em criar condições para que a recuperação do emprego e da atividade econômica assuma um movimento prolongado, cabe fazer uma pequena reflexão sobre essa estimativa de crescimento do emprego formal.

Caso se confirme uma expansão do emprego acima daquela do produto, com a intensidade estimada, se configurará uma queda da produtividade média de 2,5% para 2004. Esse processo deverá ter duas conseqüências. A primeira será uma perda de competitividade, em termos médios, da estrutura produtiva nacional, pois uma unidade de produto demandará um volume maior de mão-de-obra para sua elaboração. A outra conseqüência recairá sobre os salários, que encontrarão grande dificuldade de recuperação devido à queda da produtividade.

Frente a esse cenário, é possível argumentar que a queda de produtividade deve ser tomada como localizada, pois é comum que, durante a fase de recuperação, o emprego cresça mais que o produto devido à ocupação de capacidade produtiva existente. E que, consolidada a recuperação, os investimentos são retomados e a produtividade voltará a ter uma trajetória ascendente. Aceito esse argumento, uma outra restrição será encontrada no futuro: o aumento da produtividade criado pelo investimento deverá desacelerar a expansão do emprego. Será aberta uma perspectiva de recuperação dos salários, graças a uma trajetória menos favorável do emprego.

Esses argumentos mostram que, nos termos atuais, o quadro de recuperação da economia brasileira poderá fazer com que o governo seja constrangido a uma situação semelhante àquela vivida por Sofia. Isto é, se mantiver a valorização da recuperação do emprego, estará chancelando uma queda da produtividade e mesmo uma redução dos salários. Se privilegiar o aumento da produtividade, deverá estar aceitando uma recomposição mais lenta do emprego. Contudo, mesmo na primeira situação, e aceitando serem consistentes os dados sobre movimentação de mão-de-obra do Caged, conclui-se que o emprego não deverá crescer acima da população economicamente ativa.

A saída para esse dilema seria acelerar a taxa de crescimento do produto, de modo a gerar uma relação produto-emprego mais favorável. Cabe perguntar se essa possibilidade é factível dentro dos limites impostos pela política econômica, ao menos daqueles criados pela alta taxa de juros e pelo superávit primário.

Sugere-se, portanto, menos otimismo em relação ao desempenho presente da economia e do mercado de trabalho brasileiro e maior esforço de elaboração de diretrizes políticas em favor de um crescimento do produto a taxas mais elevadas, que crie virtuose real entre produção, investimento, emprego e renda.

Claudio Salvadori Dedecca é professor do Instituto de Economia da Unicamp