Fundador do partido e membro de sua primeira direção, Skromov conclama neste momento os petistas a uma reflexão sobre a utopia e os princípios partidários
Fundador do partido e membro de sua primeira direção, Skromov conclama neste momento os petistas a uma reflexão sobre a utopia e os princípios partidários
A trajetória do nosso entrevistado contempla parte importante da história do movimento sindical brasileiro de 1960 a 1980, que desaguou na criação do PT. Fundador do partido e membro de sua primeira direção, Skromov conclama neste momento os petistas a uma reflexão sobre a utopia e os princípios partidários.
Comece por nos contar um pouco da sua origem. De onde eram seus pais, qual foi sua formação?
Meu pai, um imigrante russo, nasceu na Lituânia, em uma família de colonos, cristã ortodoxa. Meu avô paterno era do exército do czar, antes da revolução. Tinha ido colonizar a Lituânia. Tomava conta de um parque florestal, perto da capital, quando veio a guerra, em 1914, e o exército alemão tomou a Lituânia, cercando São Petersburgo. Ele foi parar em um campo de concentração na Alemanha, só voltando para a Lituânia no final da guerra. Dez meses depois meu pai nasceu. E, como o território continuou sob influência alemã, a família resolveu mudar-se para o Brasil, no início da década de 20. Já minha mãe era de uma família cabocla. Meu avô materno foi um fazendeiro que se arruinou na quebra do café e, logo depois desse episódio, morreu afogado. Provavelmente, foi daqueles que não agüentaram a desonra da dívida. Minha mãe, a única mulher em uma família de onze filhos, era professora. Ela morreu de câncer. Aos 10 anos de idade, passei a viver com um tio, irmão dela, também professor.
Onde você nasceu?
Minha mãe dava aula na fazenda em que meu pai trabalhava. Eles se casaram por volta de 1944. Nasci em agosto de 1946, em Piracicaba, embora morássemos em Salto Grande do Paranapanema. Tenho quatro irmãos de pai e mãe e uma irmã só de pai. Meu pai vive perto de nós, em Avaré. Foi esse o motivo de eu ter voltado para o interior, quando me aposentei, para conviver com ele e outros familiares.
O ambiente em que você vivia o incentivou a estudar?
Era um ambiente, até certo ponto, culto. Uma família de professores. Minha mãe havia estudado em colégio de freira. Mas, ao mesmo tempo, marcava o ambiente o lado do imigrante, mais liberal, voltado para as técnicas. Meu pai e seus irmãos eram bastante habilidosos. Ele era pedreiro profissional, carpinteiro – fazia uma casa sozinho – e também era pescador. As mudanças da nossa família têm a ver com a pescaria. Saímos de Piracicaba para Salto Grande do Paranapanema; depois, fomos para Itapura, divisa com Mato Grosso, atrás de peixe. E ele chegou a ir até Coxim, no Rio Taquari, já em uma região próxima ao Pantanal. Morei em lugares muito bonitos.
Isso até os 10 anos, porque depois você voltou a morar em Piracicaba.
Não, com meus tios era outra vida. Fui para Votuporanga, depois Olímpia, Bebedouro e Ribeirão Preto, onde terminei a escola de comércio (Senac) e comecei a trabalhar. Em Olímpia, fui office-boy, em turno de meio período, pois estudava. Em Bebedouro, trabalhei no cartório do segundo ofício, no Fórum. O primeiro emprego de carteira registrada foi em uma indústria, Tintas Ypiranga, que era de São Bernardo mas tinha um depósito em Ribeirão Preto, em 1962. Trabalhei lá por indicação do Argeu Egídio dos Santos, considerado comunista na cidade. Mas, militando no movimento sindical, vim a saber que ele era pelego. Meu contato no escritório foi o Rubens Francisco Luchetti. Este, sim, era um libertário; na verdade não era comunista, porque não era do partido. Hoje ele é escritor.
Você já fazia essas avaliações ideológicas?
Não propriamente. Luchetti era delegado sindical dos químicos e me atraiu para o movimento sindical porque queria ter um peão representante. Eu trabalhava no depósito, separava os pedidos e pegava as caixas de galões de tinta. Até ganhei uma bursite, nessa época, que já é de estimação. Era bom funcionário, por isso fiquei bastante inconformado quando me mandaram embora, no dia 1º de abril de 1964.
Mas por quê? Já era por atuação sindical?
No primeiro momento, eu não havia me associado, mas vivia naquele ambiente. O Luchetti era considerado comunista. Organizamos na empresa a greve geral de 1962 e a de 1963.
Qual a ligação dele com essa circunstância?
Tinha contato com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas eu entendo que não era orgânico. Era simpatizante.
E qual o seu contato com o PCB?
Já naquela época eu tinha influência de um tio, Lázaro Sampaio Matos, maquinista da Companhia Paulista de Ferro. E ele era militante do PCB e distribuía o jornal Voz Operária. Morava em Porto Ferreira, pois a política da estrada de ferro era isolar os comunistas em ramais secundários. Tanto que, para o tamanho da cidade, havia uma belíssima célula de comunistas na ferrovia. Com ele estava um bilheteiro, o Sumaré, que parou várias vezes as fazendas, as usinas da região. Depois do golpe de 1964, em uma greve na usina do Matarazzo – no município de Luiz Antônio – houve um massacre. Os grevistas foram massacrados pelo Exército. Em 1965, parece que houve apenas mais dois casos, em Minas e no Ceará.
E como se deu essa influência política?
Ia para Porto Ferreira nas férias. Fiquei simpatizante da juventude comunista. Já na eleição de 1960, havia rachado com a direção nacional, porque não queria o Lott. Portanto, apoiava Jânio Quadros e Jango. Para o militante do PCB de São Paulo, Jânio tinha bases operárias, que vinham da Vila Maria. Nas fábricas, havia uma tensão com o janismo, visto como populista. Depois, quando presidente, por exemplo, Jânio condecorou Che Guevara. Havia tiradas, tanto pela direita quanto pela esquerda, surpreendentes. Isso, de certa forma, seduziu os comunistas do PCB, especialmente uma parte da direção estadual. Eu me lembro que cheguei a tomar conta de um comitê Jânio-Jango. Eu ainda era menino e colocava aquele disco da vassourinha. Mas era só uma inclinação política; coisas da época. O PCB era muito confuso, ainda não tinha a marca classista, que depois veio a fazer parte de sua imagem. Em 1962, o partido apoiou Ademar de Barros, considerado pelo movimento sindical inimigo público número um dos trabalhadores.
Você já tinha essa crítica claramente?
Tinha uma consciência de classe elementar. Eu era sindicalista; ainda que fosse um delegado de base, por intermédio do Rubens Luchetti. Perdi o emprego e, inocentemente, procurava outro usando a carteira com a baixa no dia 1º de abril. Aprovavam-me, pediam para eu ir trabalhar, quando chegava, havia alguma desculpa. Ligavam para a empresa, que informava que eu era sindicalista. Só depois de seis meses arrumei emprego, na Petróleo Ipiranga, onde fiquei pouco tempo, me preparando com um colega para o concurso no Banespa. Passamos, ele ficou em Ribeirão Preto e eu assumi em São Paulo, na seção de compras do banco. Logo que cheguei, em 1965, o sindicato estava se livrando do interventor.