Para situar o atual quadro econômico é preciso relacioná-lo com o cenário externo, caracterizar os avanços nos fundamentos macroeconômicos e analisar as principais restrições ao desenvolvimento do país. As perspectivas econômicas para 2006 são favoráveis, como será evidenciado, porém insuficientes para garantir novo mandato ao atual governo. Serão necessárias novas medidas para acelerar o desenvolvimento de forma sustentada, sem riscos de inflação e capazes de proporcionar substancial ampliação das ações do governo federal na área social e de infra-estrutura. Algumas dessas medidas são aqui apresentadas como propostas para debate.
Na primeira parte são analisados os efeitos da globalização para o país e se nossa política externa está em consonância com o melhor aproveitamento das perspectivas abertas ao crescimento do fluxo de comércio internacional. Na segunda parte é caracterizado o avanço ocorrido nos últimos dez anos nos fundamentos da economia, comparando-os com os que vigoraram no governo anterior. A terceira parte trata dos “pés de barro” que restringem nosso desenvolvimento e na quarta parte são feitas propostas para um maior nível de crescimento de caráter estrutural. Por fim, na quinta parte são avaliadas as perspectivas para 2006.
Efeitos da globalização
A globalização desenvolveu-se com os avanços nas comunicações e nas reduções das barreiras a importações, expondo as empresas a uma crescente concorrência internacional. Para enfrentá-la, foram obrigadas a reduzir custos e ampliar receitas. Tiveram de se reestruturar, inovar e ampliar suas ações no mercado em busca de novos clientes. As que não conseguiram acompanhar essas exigências sucumbiram ou foram absorvidas por outras empresas.
Sob o aspecto econômico e social, três efeitos vêm ocorrendo com a globalização em quase todos os países: rebaixamento dos custos da mão-de-obra; redução da carga tributária; e conquista de novos mercados, com intensificação do comércio internacional.
O rebaixamento dos custos da mão-de-obra vem se dando pelo uso de tecnologias que aumentam a produtividade, novas legislações para redução/eliminação de direitos adquiridos e substituição de mão-de-obra para as mesmas funções com salários mais baixos. Nesse último aspecto, os investimentos são deslocados inter e intrapaíses, face as grandes diferenças salariais existentes, com redução substancial dessas diferenças. Fortes movimentos migratórios e a procura por mão-de-obra de países emergentes crescem continuamente. Os sindicatos de trabalhadores perdem força nos processos de negociação salarial, as migrações clandestinas se intensificam, as legislações trabalhistas são flexibilizadas e são incorporados ao trabalho e ao consumo novos contingentes de mão-de-obra antes marginalizados.
Parte da carga tributária é incorporada ao preço dos produtos e serviços e, se for elevada, pode alijá-los da concorrência frente a sistemas tributários menos onerosos e de melhor qualidade em outros países. Além disso, se elevada, ocasiona concorrência desleal com os que praticam a informalidade, assim como redistribuição de renda às avessas quando incide mais sobre bens e serviços do que sobre renda e patrimônio. Desse modo, a pressão do setor formal sobre os governos para a redução da carga tributária é cada vez mais intensa, na busca da preservação de suas empresas nesse ambiente de forte concorrência interna e externa.
Conquista de novos mercados
A luta pela conquista de novos mercados intensificou os acordos comerciais bilaterais, regionais e multilaterais entre os países, para garantir/facilitar a penetração de seus produtos e serviços em novos mercados. Entre 1990 e 2004 as exportações mundiais passaram de US$ 3,4 trilhões para US$ 10,1 trilhões, com crescimento médio anual de 7,1%, enquanto a produção aumentou em média 4,2% por ano, passando de US$ 22,5 trilhões para US$ 40,1 trilhões.
Ainda restam muitas barreiras às importações impostas pelos países desenvolvidos a produtos que incorporam mão-de-obra intensiva (por exemplo, agricultura, pecuária, vestuário) e pelos países em desenvolvimento àqueles que incorporam maiores níveis de tecnologia (como indústria e informática) ou de decisões políticas, como as compras governamentais. Essas pendências vão sendo resolvidas ou por negociação ou por decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC), como nos casos recentes das vitórias do Brasil no algodão contra os Estados Unidos e no açúcar contra a União Européia.
Aspecto relevante e estrutural nesse cenário é o que se processa nos EUA e na China, que lideram o crescimento do comércio internacional. No caso dos EUA, seus déficits gêmeos (externos e internos), que superam 10% do PIB, não poderão continuar. O déficit externo, de 6% do PIB, é coberto pela venda de títulos do Tesouro ao Japão, à Alemanha e à China, que são superavitários nas trocas externas com os EUA. Para romper esse desequilíbrio, o dólar deverá continuar a se desvalorizar a fim de reduzir o déficit da balança comercial dos EUA. Assim, países que dependem de exportações para os EUA, como os da zona do euro, Japão e China, terão prejuízos e, com os EUA, irão pressionar os demais países para a colocação de seus produtos, acirrando ainda mais a concorrência internacional.
No caso da China, que cresce há mais de uma década a taxas ao redor de 10% ao ano e incorpora cada vez mais consumidores locais, contribui para o aumento do consumo e dos preços nas commodities, especialmente no petróleo e aço – insumos básicos que afetam os custos de produção em todos os países. Além disso, por ter um dos mais baixos custos de mão-de-obra e com extraordinário potencial de crescimento de consumo, é o principal atrativo dos investimentos dos países desenvolvidos.
Esse processo gerou forte mudança na geografia comercial e de investimentos no mundo, que se traduz por crescimentos econômicos maiores no conjunto dos países emergentes do que nos desenvolvidos, conforme ilustra o quadro.
É nessa realidade que se insere a política externa brasileira, ao diversificar mercados e reduzir sua participação nas exportações para as áreas de forte tensão comercial situadas no eixo EUA–zona do euro. São priorizadas comercialmente as relações Sul–Sul, numa inflexão em relação à política externa praticada no governo anterior.
A participação dos EUA e da União Européia nas exportações brasileiras entre 2002 e 2004 caiu 5,2 pontos percentuais (pp) em favor de todas as demais áreas, com destaque para o Mercosul, especialmente Argentina, com 3,8 pp. Embora de forma muito suave, essa tendência já vinha ocorrendo. Nos últimos vinte anos, os EUA e a União Européia perderam 10,9 pp: em prol do Mercosul/Aladi, 9,9 pp, e demais áreas, 1 pp.
Avanços da economia
No campo externo ocorreu substancial melhora nos fundamentos da economia brasileira, em decorrência de uma dinâmica crescente de exportações. No campo interno, pelas novas políticas de crédito ao consumo, especialmente o crédito com desconto em folha de pagamentos e pelas parcerias entre grandes bancos e grandes redes varejistas. Isso estimula o consumo interno, com ampliação do emprego e aumento da massa salarial, e dá sustentação firme ao crescimento econômico.
Nas finanças públicas, nos últimos dez anos passou-se de um déficit nominal médio anual de 7,1% do PIB no governo anterior para 2,2% nos últimos doze meses, encerrados em julho deste ano. A dívida líquida do setor público no início do governo anterior era de 30,4% do PIB e, no seu final, de 55,5% do PIB. Ao final de agosto deste ano havia refluído para 51,7% do PIB, nível que é ainda elevado.
Nas contas externas os resultados são mais expressivos. Passou-se de um déficit médio anual nas transações correntes de US$ 23,3 bilhões no período 1995 a 2002 para um superávit de US$ 11,7 bilhões em 2004, e poderá atingir US$ 13 bilhões este ano. A dívida externa em 1999 equivaleu a cinco vezes as exportações daquele ano, e em 2004 já havia refluído para 2,2 vezes. A economia cresceu em média 2,3% ao ano no período 1995 a 2002, fechando 2004 com 4,9% e com perspectivas para algo próximo a 4% neste ano.
O índice de emprego formal cresceu 2,2% em oito anos no governo FHC, e no atual governo, até julho, 14,3%. A expansão da massa salarial entre 1992 e 2002 foi de apenas 6,2%, e do início de 2003 até julho deste ano já chegava a 13,4%.