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Waldir Pires relata o seu trabalho à frente da Controladoria-Geral da União no combate à corrupção instaurada no país desde a Colônia

A sociedade brasileira está mais uma vez sob impacto de denúncias de corrupção que expõem o colapso de seu sistema político. Assim ocorreu no período Collor, no processo de privatizações e reeleição de Fernando Henrique Cardoso e agora no terço final do mandato do presidente Lula. Quando o senhor assumiu a Controladoria-Geral da União, havia dispositivos internos de combate à corrupção? Qual o legado dos governos Fernando Henrique nessa área?
A rigor, encontramos um quadro que não traduzia uma idéia de sistema de controle na República. No plano institucional não estava organizada a denominada Corregedoria-Geral da União, criada no governo de Fernando Henrique num momento de crise, quando havia a possibilidade da instalação de uma CPI para investigar corrupção. A corregedoria incorporou a antiga Secretaria Federal de Controle Interno, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que tem, institucionalmente, a tarefa de realizar o controle interno de incumbência do Poder Executivo e é disciplinado na Constituição Federal. O órgão mantinha uma relação direta com a Presidência da República, mas não se fez nenhum tipo de esforço institucional para integrar as atividades de controle de corregedoria na luta contra a corrupção. Não havia um organismo que somasse as tarefas, um caminho para impedir o desvio de dinheiro público. Estamos, pela primeira vez, realizando a instrumentalização do Estado brasileiro para que a República tenha uma organização de controle do dinheiro público de forma eficaz.

Começamos por estabelecer a base de medidas que integrassem o controle e a Corregedoria; desde o primeiro instante pensando o controle para que se tornasse eficiente a partir de um projeto de luta permanente contra a corrupção e de busca de métodos eficazes na identificação de desvios, apropriações de dinheiro público, das mil formas de maracutaias da coisa pública.

A Secretaria de Controle dispunha de um número reduzido de servidores, que realizavam auditorias, fiscalizações, buscavam a constituição dos mecanismos de correição e até de julgamento nos processos administrativos ou nas sindicâncias, mas com pouca eficácia. A concepção antes predominante também colaborava para o apequenamento da tarefa do controle; o quadro de servidores, que ao tempo do Ministério da Fazenda era de 5 mil auditores, estava reduzido a menos de 1.700. Havia um certo alheamento do que deveria significar a essência de um organismo de controle no Estado democrático republicano, que tem o dever de valorizar o dinheiro público, sobretudo num quadro tributário como temos, em que os impostos e as contribuições resultam, predominantemente, da transferência de renda do próprio povo.

Mudamos algumas metodologias. Uma delas foi o enfrentamento de alguns conceitos e práticas que resultavam da velha organização patrimonialista da sociedade oligárquica, da política vinculada a essas estruturas de poder em que o Estado vivia, como vive – uma relação de muita promiscuidade e dependência. Começamos por instituir uma primeira etapa: situar todas as transferências de recursos públicos do governo federal, que são decorrentes de ordenamentos constitucionais legais e também de deliberação de acordos, convênios, para os estados e municípios.

Vocês mapearam as relações entre a União e os entes federais?
Mapeamos as transferências e cuidamos da aplicação do dinheiro público federal, pois a tradição brasileira é de descentralização dos recursos públicos federais. O que é correto teoricamente e em princípio. O dinheiro público deve ser aplicado muito mais próximo da população beneficiária. Então, transferir esses recursos para que sejam executados por meio de governadores, prefeitos, era em princípio mais conveniente do que de um escritório de Brasília. Paralelamente à fiscalização e às auditorias das despesas públicas federais. Até porque o controle teria de ser de um órgão de base fundamental para a Presidência da República apresentar suas contas ao Congresso Nacional, anualmente. Iniciamos esse trabalho, desde o primeiro instante, até para ganhar a opinião pública e estabelecer um divisor de águas, em face do desafio de executar princípios constitucionais de luta contra os desvios do dinheiro público. Orientamos nossa ação na linha de que do primeiro ao último instante da nossa gestão haveria a mais ampla publicidade na aplicação desses recursos. Trabalhamos ainda sob o princípio, também constitucional, da impessoalidade. O dinheiro público vai ser gasto não vinculado a interesses pessoais deste ou daquele administrador, mas segundo os interesses que a lei estabelece e a Constituição, que diz quais são os princípios que ordenam a República brasileira, o seu governo e os objetivos essenciais. E esses objetivos estão vinculados à idéia de que com os recursos dos tributos federais pagos pela população, mantenedores do Estado, possa-se superar o desafio de organizar uma sociedade justa, solidária, livre, erradicar tanto quanto possível a pobreza, reduzir as desigualdades econômicas e sociais, promover o bem-estar da população.

E com isso estabelecemos um regime de sorteio para impedir que a prática das fiscalizações continuasse sendo como era desde o primeiro dia da Colônia: tudo para os amigos e fiscalização para os adversários.

O senhor define a Constituição como um salto do ponto de vista da legislação, na construção jurídica brasileira. Como romper com essa tradição patrimonialista?
Guiando-se pela concepção de que o Estado democrático não é um organismo neutro e irresponsável perante a vida da população, mas o grande instrumento por meio do qual se realizam aqueles objetivos, seja no investimento do dinheiro público, do dinheiro arrecadado para as obras de infra-estrutura essenciais, seja para as políticas sociais e públicas, seja para a transformação da natureza das nossas estruturas, tocando nos aspectos da distribuição da renda, dirigindo renda para os que mais precisam e, conseqüentemente, realizando o esforço de construção de uma sociedade decente. A partir dessa concepção dizemos que o dinheiro público vem dos impostos, das taxas, enfim, dos tributos; o Parlamento, que representa institucionalmente a população, vota esses tributos, e nós deveremos ser responsáveis por executar isso. Todo desvio do dinheiro público é uma agressão aos objetivos essenciais do Estado democrático. E não há uma sociedade democrática para cidadãos que estão com fome. A mim sempre pareceu que essa era uma tarefa nova e essencial do compromisso do PT.

O sorteio é um mecanismo que garante a impessoalidade da fiscalização e, no momento devido, também da publicidade.
Fizemos um convênio com a Caixa Econômica Federal, que tem no seu patrimônio a experiência de loterias. De forma que esse sorteio se faz mensalmente, na presença da sociedade, pois publicamos o dia, a hora e o local. É o mesmo princípio do sorteio da loteria da CEF, e a partir dele organizamos os mecanismos eficientes de uma auditoria local cobrindo o território nacional. Fizemos inicialmente uma experiência à base de um sorteio numa área territorial de uma região do país. Área territorial, na nossa organização federativa, é a área mais capilar institucionalmente, que é o município. Depois fizemos em todos os estados (uma área territorial apenas) e, em seguida, começamos a fazer com 60 áreas. Nosso projeto é chegar a 100 áreas territoriais, todos os meses. Como o Brasil tem 5.561 municípios, se fizermos 100 municípios em cada sorteio, passaremos a ter 1.200 por ano, o que seria uma amostragem superior a 20%. Portanto, ninguém mais poderia sentir a possibilidade de não ser identificado em eventuais desvios, ao mesmo tempo que a aplicação correta do dinheiro público seria ressaltada.

A impunidade é um estímulo gigantesco à corrupção. Para isso nos organizamos de forma que, quando se dá o sorteio, no dia seguinte é feito o levantamento de todos os recursos públicos do governo federal repassados para as áreas sorteadas e enviamos os auditores. O número de auditores varia de acordo com a natureza da área. Para um município menor bastam cinco ou seis; para um maior, quinze, vinte auditores. Eles têm antecipadamente conhecimento de quanto dinheiro foi enviado, a conta bancária do município e o banco que transferiu o dinheiro. A partir disso, faz-se uma identificação de natureza documental para, em seguida, ir a campo, com a audiência da sociedade. A população, devidamente comunicada, colabora e denuncia. Temos os dados do que foi gasto ou daquilo a que se atribui o gasto. Temos as indicações reais do dinheiro aplicado, e não apenas a relação das notas fiscais. É terrível a tradição da nota fiscal fria, das licitações que não existem, com “laranjas”, por vezes simuladas e das quais participam meia dúzia de servidores que não são públicos, mas de contratantes, gastando-se 20%, 25% do total do recurso enviado. Em virtude das mudanças e das perdas que ocorrem anualmente, dispomos de cerca de 2.200 servidores, mas ainda temos 2.800 vagas, que só poderão ser preenchidas por servidores concursados e treinados.

O Estado brasileiro, a partir de mecanismos como esse, já se dotou de instrumentos para um diagnóstico mais capilar. Que avanços é possível identificar?
Temos tido como resultado dezenas de administradores locais demitidos, porque organizamos uma outra frente de trabalho assentado no princípio da publicidade do que fazemos. A experiência anterior era de que o desvio de dinheiro seria objeto de um processo ou de uma sindicância no âmbito da administração federal, submetida a pressões da tradição patrimonialista. Desse modo, esses processos sempre tiveram um destino extremamente ineficaz; levavam anos, não havia comissões suficientes. Na primeira solicitação de um padrinho importante, senador ou deputado, tradicionalmente iam para a gaveta, depois passavam para uma prateleira por outros tantos anos e acabavam sendo apreciados por órgãos seja da jurisdição de contas administrativas, o Tribunal de Contas de União, seja de deliberação judicial, já em fase de prescrição. De modo que temos uma tradição no Brasil de recuperação de ativos desses desvios inferior a 1% dos recursos.

Para impedir isso, organizamos paralelamente uma parceria com as instituições, Ministério Público Federal e MPs estaduais, que nos assegurassem a eficácia de nossos trabalhos, associada à publicidade. Concluímos nossa apreciação – o trator adquirido com o dinheiro federal tem nota fiscal, foi visto? –, fazemos um relatório e enviamos para conhecimento da autoridade municipal, que tem cinco dias para se pronunciar. Incorporamos as observações, colocamos à disposição na internet, ao mesmo tempo em que enviamos aos MPs Federal e Estadual, ao Tribunal de Contas da União, à Advocacia-Geral da União, à Polícia Federal, para que atuem em função daquelas constatações. Há um esforço meticuloso na elaboração desses relatórios, para evitar qualificação e adjetivação dos fatos. A própria tipificação não é tarefa nossa, mas do Ministério Público. Há publicidade de todos esses atos. O trabalho da Polícia Federal na Operação Vampiro foi decorrente de nossas observações, assim como outros.

De que maneira se produz a participação da população nesses processos?
A população aguarda a chegada da equipe de auditores, pois quando o sorteio se dá há divulgação pela televisão, pela Hora do Brasil, pelos jornais, e a população espera ansiosa para colaborar e denunciar. Assim também o Ministério Público, porque cessa o problema da prescrição, ninguém tem mais força para engavetar processos. Já se iniciou o devido processo legal do sistema democrático, com ação popular.

A ação da CGU desencadeia o processo dos demais mecanismos do Estado democrático?
Há uma articulação com todos os organismos do Estado democrático. Atuam o Ministério Público Federal e Estadual, de forma absolutamente autônoma, independente do Poder Executivo, do Tribunal de Contas da União, que é um órgão externo que trabalha com o Parlamento para controle e ação jurisdicional; os órgãos do Ministério da Justiça que hoje existem e se desenvolveram no governo do presidente Lula; a Secretaria Nacional de Justiça, que aprofundou os mecanismos de combate à lavagem de dinheiro, com o Departamento de Controle e Proteção dos Ativos; e a Polícia Federal.

Depois dessa etapa, ou paralelamente a ela, fomos aperfeiçoando nossas relações diretas no conjunto de deveres e obrigações dos gastos federais. Então, fizemos uma experiência recorde de auditorias nesses anos do governo do presidente Lula. Chegamos a encaminhar para o Tribunal de Contas perto de 8 mil auditorias de gestão e cerca de mil tomadas de conta especial.

É um volume considerável em qualquer estado. Esse conjunto de medidas é uma maneira eficaz de enfrentar esse caráter sistêmico da corrupção no Estado?
Esse sistema de combate à corrupção, mobilizando todos os organismos do Estado, vai significar a batalha vitoriosa da luta contra a corrupção sistêmica. Para atuar de acordo com esses princípios republicanos, da publicidade, da impessoalidade, vivemos no ano passado um período de apreensões, acompanhando mandados de segurança sucessivos para impedir o trabalho da CGU. Com o argumento de que a publicidade era incompatível com o princípio da presunção da inocência, e portanto era uma violação, queriam que o Poder Judiciário impedisse o trabalho. Procurei todos os ministros do Superior Tribunal de Justiça e disse: “Esse é um sonho da vida para mim, ligado à idéia de que a democracia possa vir a consolidar-se em nosso país”. No fundo, institucionalmente, a grande marca da democracia no Ocidente foi a transformação dos impostos aplicados segundo a vontade do monarca ou do oligarca para a determinação legal oriunda na vontade popular organizada nos parlamentos, seja para decretar os tributos, seja para estabelecer seu destino. Numa democracia como a nossa, o destino deve ser o estabelecido no Título Um e no Título Dois da Constituição: organizar esta sociedade justa, livre, solidária, reduzir as desigualdades, assegurar o desenvolvimento.

Nessa batalha dialogando com cada um dos ministros do Superior Tribunal de Justiça, pareceu-lhe que o Estado democrático necessitaria de melhor aparelhamento jurídico-legal para realizar esse trabalho ou os mecanismos de que dispõe são adequados?
É um processo de aperfeiçoamento, tanto que, quando os primeiros mandados de segurança foram julgados, houve um arrefecimento na área da velha prática do desvio. Ganhamos a batalha da publicidade porque o primeiro julgamento foi 8 a 1 a nosso favor, os outros foram por unanimidade. Eu sou um otimista, o governo do presidente Lula tem um exemplo de um procurador-geral da República nomeado por ele, mas capaz de encaminhar para a apreciação do Supremo Tribunal Federal denúncias contra ministros de Estado. Isso nunca se viu na República. De modo que creio que o Brasil está amadurecido. Há um desejo muito grande do nosso povo de que façamos a democracia brasileira tornar-se uma instituição avançada, com respeito às liberdades públicas. Podemos construir uma relação jurídica, econômica e social na vida do nosso povo que faça a sociedade toda decente.

Ao lado dessas iniciativas, tomamos outras no campo da publicidade. Abrimos o chamado acesso à informação do dinheiro público e sua aplicação num site, que é o Portal da Transparência.

Estamos republicanizando a República...
Fundando, a rigor. No site do Portal da Transparência não é preciso nenhuma senha para ninguém. Basta acessá-lo (www.portaldatransparencia.gov.br). Até o fim do ano estaremos com mais de 300 milhões de informações.

Considerando a leitura do cidadão comum, o governo Lula não teria, no conjunto, subestimado um pouco esse tema do ponto de vista político?
Gostaria que tivesse tido mais divulgação. Conseguimos fazer um trabalho de publicização. O Portal da Transparência está viabilizando a luta pela eficácia do Bolsa-Família, que atende mais de 7 milhões de famílias e cujo objetivo é chegar a 11 milhões de famílias. Pelo portal é possível acessar o município e identificar todas as pessoas que recebem Bolsa-Família. E assim nós temos de fazer com todas as aplicações do dinheiro público.

Paralelamente, estamos estabelecendo os avanços no plano institucional. Por exemplo, na legislação do Código Penal Brasileiro, enriquecimento ilícito não é crime.

Assinamos a convenção da OEA (Convenção Interamericana contra a Corrupção) em 1996, mas não internalizamos essa regra. Representando o governo federal, fui a uma Assembléia das Nações Unidas em Mérida, no México, e aprovamos a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Agora, no governo Lula, enviamos ao Congresso Nacional o projeto de lei que identifica como crime o enriquecimento ilícito.

Organizamos também mecanismos extremamente importantes do sistema de correição. Há um esforço de controle, acompanhamento, fiscalização que, à medida que formos formando nosso quadro, deverá dar um resultado extraordinário. Não é preciso criar cargos, temos as 2.800 vagas, portanto se trata de incorporar pessoal concursado. Não é possível terceirizar auditor – uma maluquice completa que se fez no Brasil, a desmontagem do aparelho administrativo do país.

Não havia um sistema de corregedorias. Mesmo constatado desvio do dinheiro público, o crime, não há correição, o instrumento de corrigir, de encaminhar para que tenhamos a apuração concluída e, inclusive, a indicação da pena administrativa. Agora o presidente estabeleceu pelo menos uma corregedoria em cada ministério. Estamos organizando. E tudo isso também num regime de maior compressão possível de despesas. Instituímos a sindicância patrimonial, que é a constatação que temos da renda de todos os agentes públicos. Todos são forçosamente compelidos, na forma da lei, a apresentar sua declaração de Imposto de Renda.

O senhor mencionou que houve certo afrouxamento dos controles públicos no período anterior. Nesses quase três anos de governo houve uma recuperação da capacidade do Estado republicano brasileiro de interferir nesse controle dos processos?
Não diria recuperação, mas sim construção de um sistema de controle de maneira a preservar a democracia no Brasil e superar a cultura patrimonialista. O governo existe, se mantém produzindo uma massa de tributos que devem ser arrecadados para os fins que a lei e a Constituição determinam. Se não há eficiência nesse sistema de controle, evidentemente a democracia está em perigo. Portanto, tem de haver participação da sociedade, por meio de portais para todos os setores, inclusive para contratos dos bancos públicos – Banco do Brasil, BNDES, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste –, para todos os contratos com atividades públicas ou privadas.

Essa abertura completa da transparência é a segurança. Distribuímos 1 milhão de cartilhas à população (Olho Vivo) e dezenas de milhares de manuais aos agentes públicos. O sistema também tem o treinamento de capacitação para todos os conselhos públicos que fazem parte da democracia mais ativa, mais cidadã, mas, no entanto, acabam cooptados. De modo que é necessária toda essa mobilização cultural para organizar uma sociedade democrática.

O Brasil tem passado por uma crise importante do seu sistema político. Queria uma reflexão sua, que tem experiência no Poder Executivo e no Parlamento.
Esse é o desafio para que corrijamos nossos erros e insistamos no projeto de construção de uma sociedade de todos, que é a origem e inspiração do PT. Creio, por exemplo, que os princípios de probidade, publicidade, transparência, impessoalidade, moralidade são intransigíveis, em todos os níveis da ação dos poderes Legislativo e Executivo. Claro que houve falhas e erros. Paciência! Vivemos na sociedade dos homens, e não dos santos. O PT tem uma responsabilidade que os outros nunca tiveram. Nasceu no instante da transição do mundo contemporâneo, num país com vocação para ter um papel na história da nossa civilização do século 21, de modo que em nenhum instante esses princípios podem ser postos em segundo plano.

O PT vencerá essa crise, retomará todos os seus compromissos, que constituíram algo muito singular. Por exemplo, minha geração não conheceu anteriormente um partido com as qualificações e a natureza da formação do PT, um partido de esquerda vinculado tão diretamente às massas populares, com lideranças que vieram das áreas mais desprotegidas da população e se organizaram fazendo uma aliança dentro da sociedade rural e urbana a ponto de aspirar a comandar a vida política republicana. Isso não existe fora da experiência do PT.

Qual é o partido de esquerda que, democraticamente, pode ter esse sonho de comandar o processo político brasileiro? Nenhum. Por isso mesmo a responsabilidade do PT com essa ética da política, que está vinculada à idéia da dignidade da pessoa humana, de que a democracia é algo que toca a essência do ser humano para transformá-lo em sujeito das ações da vida contemporânea. Portanto, essa é a lição que temos de ultrapassar com dores. É preciso sinalizar para o Brasil a possibilidade de ser um país democrático, organizador de uma sociedade decente.

Quais foram as contribuições mais importantes do IV Fórum Mundial contra a Corrupção?
Realizar o IV Fórum Global no Brasil reunindo cerca de 103 representações nacionais, com ministros de Estado, autoridades de todos os Estados nacionais, com grupos da sua inteligência, das suas experiências administrativas. Fomos escolhidos no fim do III Fórum Global, realizado em Seul, na Coréia do Sul, onde representei o Brasil. O fórum tinha se iniciado para o combate à corrupção e para a luta contra os crimes de lavagem de dinheiro e desvio de dinheiro público. O primeiro foi em Washington, o segundo na cidade de Haia, o terceiro em Seul, o quarto no Brasil e o quinto será na África do Sul.

Escolhemos como lema a idéia “Das Palavras à Ação”. A corrupção é um dado do mundo contemporâneo, há indicações do Banco Mundial de que temos, provavelmente, um faturamento da corrupção em torno de US$ 1trilhão por ano. Essa luta é articulada. Avançamos bastante na cooperação das nações. É extremamente importante que as nações se reúnam nesses fóruns para se integrar, discutir os problemas, obter mecanismos e adotar processos mais eficientes no combate comum à corrupção. Passemos a tornar como normas internas de Direito Penal e de sanções todas as recomendações essenciais das grandes convenções internacionais que combatem a corrupção. A corrupção deve significar mais de um terço, quase 40% do que é a lavagem de dinheiro no mundo. As grandes fontes da lavagem de dinheiro são o narcotráfico, o tráfico de armas, os crimes organizados de toda forma, inclusive na transmigração de mulheres e de escravos.

Os fóruns anteriores não nos legaram um resultado ordenado, completo, de tudo o que constituiu o centro dos diversos debates e reflexões. O fórum do Brasil será o primeiro a consolidar toda a experiência.

Hamilton Pereira é presidente da Fundação Perseu Abramo