Nacional

Temos história, quadros e militantes para emergir dessa crise restabelecendo a total confiança da sociedade brasileira, garantindo um novo mandato a Lula e fazendo do partido um instrumento para as mudanças

“Nada é em vão, tudo é possível!
Quando uma força invisível faz
O coração vencer”

Carlinhos Vergueiro

Foi bonita a festa... Em fevereiro deste ano o Partido dos Trabalhadores fez sua última grande festa. Na celebração dos seus 25 anos, não faltaram loas a um passado heróico e promessas de um futuro ainda mais grandioso. Afinal, duas décadas e meia após sua fundação – com cara de operário, jeitão de intelectual e poses clericais –, o PT se orgulhava de ter feito de um trabalhador o presidente da República e se constituído em uma referência para a esquerda mundial, depois da queda concreta do Muro de Berlim e da derrubada abstrata de tantas utopias – armadas ou não.

Mal refeito da ressaca da festa, veio a pancadaria. Já faz seis meses que somos manchetes de jornais, capas de revistas, destaque no horário nobre das TVs e assunto no noticiário das rádios e dos blogs – e apanhando diuturnamente, claro. Sob o manto da liberdade de imprensa, estamos pagando um preço muito superior ao tamanho de nossas culpas. Cineastas que não filmam mais, humoristas que perderam a graça e jornalistas mais realistas que os donos dos jornais se perfilam para o linchamento diário. A “alegria raivosa” – para roubar a feliz expressão cunhada por Chico Buarque – daqueles que jamais nos aceitaram soma-se ao acúmulo de nossos erros, à demora na autocrítica e na depuração, e nos faz repensar vidas e projetos, antes de continuar a caminhada.

O recente Processo de Eleições Diretas (PED) nos deu fôlego e futuro. Quase 600 mil votos, em dois turnos, credenciam as novas direções e desmoralizam a tese dos que defendiam um grande pacto, entre dirigentes, o qual deixaria a militância ainda mais atônita e abandonada. O PT não morreu, para tristeza das aves de rapina, e não houve uma debandada de quadros, já que a crise apenas serviu de pretexto para aqueles que já preparavam a fuga anunciada.

De volta ao começo

Entraremos em 2006 com um triplo desafio à frente: a prestação de contas à sociedade, a reeleição de Lula e a reconstrução partidária. São tarefas que se multiplicam e não devem ser vistas, nem enfrentadas, de forma isolada. Temos história, quadros e militantes para emergir dessa crise restabelecendo a total confiança da sociedade brasileira, garantindo um novo mandato popular a Lula e fazendo do PT um instrumento para as mudanças, não só no âmbito social, mas incorporando à nossa prática e ao nosso programa as novas demandas que o novo século impõe à vida dos cidadãos e das instituições.

Claro está que nossos erros serviram de munição para quem nos persegue. Perseguição esta, aliás, que nunca deixou de existir. Desde os primeiros passos, nos anos 80, até o susto que Lula deu nas elites, em 1989, o PT era tratado como algo excêntrico, radical, mas sem maiores perspectivas, pela falta quer de densidade eleitoral, quer, até mesmo, de apoio popular.

Nos anos 90, na era FHC, o PT foi sendo observado a distância, mas ainda não se vislumbrava a possibilidade da vitória em 2002. Dizia-se que o PT só chegaria a um terço dos votos da sociedade e pensava-se que Lula era o nome certo para ser derrotado, por qualquer um, em um segundo turno. Com isso, o PT até angariava simpatia e tolerância, pois legitimava as eleições, enquanto o país era vendido no processo de “privataria” tucano-pefelista.

Acordamos, em 1º de janeiro de 2003, celebrando, nos braços do povo, a vitória da esperança sobre o medo. Chegávamos, naquele momento, ao ápice de uma história cujo gráfico sempre apontou para a frente e para cima. Ninguém imaginaria que, em 2005, estaríamos “descendo aos infernos”, ao viver, não uma divina comédia, mas uma diabólica tragédia.

É em meio às provações e privações que o partido precisa reunir forças para se reconciliar com seu passado, com seu eleitorado e com a sociedade brasileira. Não é hora de transigir. Temos de radicalizar os mecanismos de controle interno e de transparência externa para fazer do PT o instrumento que mude para melhor toda a vida, a vida toda e a vida de todos.

A volta por cima

Uma remexida interna passa pela veiculação das contas na internet, pela responsabilização coletiva nas decisões da Comissão Executiva e por um compromisso de todo e qualquer petista detentor de cargos no partido, nos mandatos ou no governo. Concomitante a isso, a reeleição de Lula é a prioridade das prioridades.

Algumas ações governamentais foram muito criticadas neste mandato. É quase consensual – salvo as exceções de praxe – que o superávit primário e a política de juros vão de encontro ao programa partidário, aos desejos dos brasileiros e à própria possibilidade de um crescimento econômico, ancorado em geração de empregos, distribuição de renda e inclusão social.

Também se falou que os limites do governo e a busca da governabilidade determinaram um “estelionato eleitoral”. Má-fé ou ignorância. Lula e o PT seguem representando no imaginário popular a capacidade dos trabalhadores de governar o seu país. Isso comprova que as dificuldades podem ser superadas e a prática petista recuperada. Estelionato seria um sem o outro. Assim, o partido deve oficializar, o quanto antes, o apoio à reeleição de Lula e preparar um programa de governo que sustente uma política de alianças baseada no diagnóstico do país, comparando-se o primeiro mandato de Lula com os oito anos de reinado tucano e apontando caminhos para um novo país, no quadriênio seguinte.

O partido tem de entender também que, mais que um direito seu, é um dever propor programas, projetos e soluções. Mas é fundamental respeitar os limites e as fronteiras entre partido, partido no governo, aliança eleitoral, coalizão governamental e governo, propriamente dito. O PT não deve abrir mão de seu papel de dirigente e de força hegemônica no exercício do poder. Deve, sobretudo, condenar de forma veemente as pressões e gestões indevidas nas ante-salas do poder, aquelas feitas pela porta dos fundos, que buscam entrar pela garagem do Planalto. Sob a luz do dia e pela porta da frente, o PT não deve temer, mas sim se orgulhar do que está fazendo e ainda fará pelo bem do Brasil.

Aquarela brasileira

A reconstrução partidária é tarefa vital para que a sigla não absorva apenas a disputa eleitoral. As eleições sucessivas têm de se transformar em fator aglutinador para o partido. É fazer dos sucessivos pleitos espaços privilegiados para ampliar a presença de petistas nos governos e nos parlamentos, mas também para fazer do povo o protagonista de sua história.

A direção recém-empossada tem o desafio de inovar, sem abandonar o que de bom se fez no caminho. A democracia interna é um valor a ser radicalizado. Chega de maiorias prévias. Chega da rigidez de blocos irremovíveis. Basta de iluminados dando a linha, definindo o tom e distribuindo afagos, reprimendas e indiferenças, de acordo com o matiz de cada interlocutor. Com essa prática nos tornamos capazes de renovar o partido em quadros que respondam de forma criativa e fundamentada aos desafios políticos de hoje e do futuro.

Se o PT fizer, reciclando-se cotidianamente, o que sempre lhe deu substrato e força, é provável uma guinada que o leve para o caminho do qual jamais deveria ter se afastado. Os braços entrelaçados com o movimento popular, a consciência voltada para as lutas sociais e o desejo, sempre renovado, de mudanças são ingredientes para fazer da política uma paixão, um projeto coletivo. Não sendo assim, a política torna-se, talvez, a mais abjeta das profissões e vira um engodo, tão ao agrado de tantos outros partidos que já fracassaram na história brasileira.

O PT, reconciliado com sua trajetória vermelha, precisa ousar e incorporar em seus quadros e programa o arco-íris multifacetado da sociedade do século 21. São demandas ligadas a raça, gênero, sexo, incorporação social e política de portadores de diferenças, e tudo o que aparecer de novo clamando por um canal partidário para se expressar, sem nenhum tipo de discriminação e com igualdade de direitos. Sendo assim, serão de luta e prazer os caminhos que reconduzirão o Partido dos Trabalhadores de volta, para o futuro.

Maria do Rosário é deputada federal (PT-RS) e foi candidata à presidência nacional do partido pelo Movimento PT