Nacional

Reavivamos a possibilidade de reconstrução do PT como sujeito da revolução democrática

No exato momento em que fui eleito para dirigir o PT, após a crise que levou à renúncia do presidente José Genoino, agudizou-se a disputa política para a direção do partido no Processo de Eleições Diretas.

Como presidente e suposto candidato sofri duas pressões – de resto legítimas e previsíveis – de dois pólos políticos. O confronto entre eles recentemente se tornara mais forte, com a revelação das ações paralelas na área financeira do PT, que seguramente também sustentavam uma deformação no exercício do poder político, no interior da organização partidária.

De um lado, parte significativa do grupo dirigente anterior esperava que eu me comprometesse com suas posições sobre a crise e a gerisse de acordo com sua visão. De outro lado, a chamada “esquerda” do PT, buscando o poder no curso da crise, apontava-me como “continuidade” ou uma “nova face” do grupo dirigente anterior.

O argumento era obviamente falso, mas tão compreensível como o da outra posição. São os termos em que se dão as disputas dentro do PT nos últimos anos: a acusação substituindo o argumento e o chavão substituindo a fundamentação. Talvez esses procedimentos ainda não sejam “regra” na vida partidária, mas pode-se dizer que já eram muito comuns e se intensificaram com a crise.

Tendo em vista essa situação, entendi que uma eventual candidatura minha, embora com razoáveis condições de vitória, poderia, ao invés de reduzir as tensões e unificar o PT – cindido entre sua “esquerda” e seu setor “moderado” –, aumentar a temperatura das disputas internas. Isso fragmentaria ainda mais a já frágil unidade partidária e contribuiria para aprofundar a crise, abrindo espaços ainda maiores para o ataque de nossos adversários.

Essa frágil unidade tinha e tem como causas divergências reais: o exercício de um poder majoritário puramente numérico, desempenhado muitas vezes sem fundamentação teórica e política suficiente; as diferenças internas sobre a política monetária e econômica do nosso governo; o juízo sobre os fundamentos da nossa “crise ética”; e também uma falta de unidade programática e política da própria “esquerda” partidária, o que não lhe permitia – na minha opinião – propor uma direção representativa e estável na composição isolada de uma nova maioria.

Ambas as posições – permanecer ou não permanecer na disputa – eram seguramente “arriscadas." Escolhi aquela que me parecia de menor risco para o partido: tentar coordenar uma transição na qual os dois pólos pudessem se sentir minimamente seguros.

O objetivo seria fazer do processo de eleições também o encaminhamento de uma nova linha política: a) alterando nossa posição defensiva em relação à crise; b) reorganizando nossas relações com os partidos de esquerda e com nossa própria bancada; c) autonomizando a voz do PT em relação ao governo (obviamente sem deixar de apoiá-lo); d) criando um ambiente interno de responsabilização política sem prejulgamentos; e) retomando, de maneira aberta, o debate sobre política de alianças e política econômica; f) tomando as medidas urgentes e emergenciais para reduzir os custos da vida partidária e renegociar dívidas.

Creio que esses movimentos foram feitos com razoável grau de consensualidade, permitindo ao partido “respirar” dentro da crise e assentar as bases mínimas para seu soerguimento. Se não atingimos a situação “ideal”, é certo que reavivamos a possibilidade de reconstrução do PT, como sujeito da revolução democrática no país.

A construção de um novo núcleo dirigente, apoiado num programa mínimo de refundação-reconstrução partidária, deve ser o objetivo central da direção eleita.

Não pautar as relações internas nem pela arrogância nem pelo autoritarismo é atitude essencial para começarmos uma vida interna de mais qualidade, de respeito recíproco, e uma relação com a sociedade que refaça nossa autoridade política, inclusive perante a base social que nos deu origem.

Tarso Genro é ex-presidente nacional do PT