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Caberá à nova direção do PT, que será de transição, defender o partido, construir condições para uma vitória nas eleições de 2006 e convocar o III Congresso partidário, quando se poderá responder, de verdade, qual o futuro da sigla

A ofensiva das forças conservadoras contra nós foi contida pela demonstração de força que a militância petista deu no Processo de Eleições Diretas (PED), bem como pela vitória que obtivemos na eleição do presidente da Câmara dos Deputados.

Mas não devemos confundir a interrupção momentânea do bombardeio com o fim da ataque.

O crescimento tucano nas sondagens eleitorais e a vitória do não no referendo de 23 de outubro mostram, para quem quiser enxergar, em que águas revoltas estamos navegando.

Cabe considerar, também, os problemas e limitações do governo federal, em particular a desenvoltura com que a Fazenda continua atuando, aparentemente alheia aos sinais cada vez maiores de insatisfação – que crescem nas bases militantes, sociais e eleitorais do PT e do governo Lula.

Esse é o terreno minado em que atua­rá o Diretório Nacional eleito no dia 18 de setembro. Conforme se previa, será de fato uma direção de transição, à qual caberá defender o PT, construir as condições para uma vitória nas eleições de 2006 e convocar o III Congresso Partidário.

A defesa do PT se fará em quatro diferentes planos. Primeiro, frente aos ataques da direita, que continua impulsionando uma campanha de desmoralização do partido. Segundo, frente aos riscos de falência financeira, herança dos métodos de financiamento e gestão hegemônicos na direção anterior. Terceiro, frente a setores influentes do governo, para os quais o partido é um estorvo. Quarto, frente aos ataques da ultra-esquerda.

Defender tantos flancos, simultanea­mente, não será tarefa fácil. Como não será fácil obter uma vitória nas eleições gerais de 2006, que se darão num cenário bem diferente do de 2002. Pela primeira vez, disputaremos uma reeleição presidencial, tendo de efetuar a defesa de uma experiência de governo que a média dos filiados encara de maneira muito crítica, como o PED demonstrou.

A tática do PT na eleição de 2006 não se resume à reeleição de Lula. Não basta vencer. É preciso vencer em condições que nos permitam realizar um segundo mandato superior ao primeiro. Isso exige mudanças imediatas na condução do governo, uma campanha de polarização programática, bem como a eleição de um número maior de governadores, deputados e senadores ligados ao campo democrático e popular.

Caso verifique que a candidatura de Lula segue muito forte, a direita provavelmente concentrará seus esforços em manter o governo federal manietado, a partir de dentro, e cercado, a partir dos governos estaduais e de uma maioria conservadora no Congresso Nacional, coordenados com o Poder Judiciário, com os grandes meios de comunicação, com as entidades empresariais e com seus aliados internacionais.

Caso sinta que há chances de derrotar Lula, a direita provavelmente concentrará seus esforços na disputa presidencial, o que inclui desde o estímulo para que Lula não concorra até a busca de unidade, já no primeiro turno, entre o PSDB e o PFL. Nessa perspectiva, é provável que os meios de comunicação concedam espaço generoso para as candidaturas que disputarão, com Lula, o eleitorado de esquerda.

Em qualquer dos dois cenários, o Partido dos Trabalhadores continuará sendo o alvo principal dos ataques da direita.

Um capítulo importante da batalha de 2006 é a disputa pelos governos estaduais. Nessa questão, destacam-se os estados de maior peso político e econômico, os estados governados pelo PT e aqueles onde temos desde já candidatos a governador com grandes chances de vitória.

Outro capítulo fundamental é a eleição proporcional, tanto para o Senado quanto para a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas. Se não alterarmos a situação, corremos o risco de redução, ou pelo menos estagnação, de nossa representação parlamentar – sobretudo onde não consigamos fazer campanhas partidárias e politizadas.

Não é preciso repisar a importância de termos governos e mandatos parlamentares, tanto para a disputa política geral do país quanto para as disputas regionais, sem falar no apoio aos movimentos sociais, inclusive àqueles que professam desprezo à institucionalidade. A eleição de 2006 será muito difícil para o PT. Por conta disso, é fundamental iniciá-la desde já, naquilo que constitui nossa maior dificuldade: o debate programático.

O PED demonstrou que o PT tem reservas estratégicas para enfrentar os ataques da direita. Ficou clara, também, a redução do apoio à política hegemônica no governo. Mas, se o PED acabou com a velha maioria, não criou uma nova maioria. Em outras palavras: não está dado que o PT conseguirá produzir uma alternativa à orientação que prevaleceu desde 1995, muito menos qual o teor dessa alternativa.

Uma nova estratégia e uma nova maioria não serão produzidas “a frio”, apenas por meio de alianças entre os diversos grupos que compõem a nova direção nacional do PT, em que ninguém sozinho dispõe de maioria absoluta. Ao contrário, serão produzidas “a quente”, na condução da ação partidária e na disputa sobre qual deve ser a orientação do partido nos próximos e decisivos meses que nos separam da, esperamos, reeleição de Lula.

Um dos embates cruciais se dará em torno da elaboração do programa de governo 2007-2010. O grupo “palocciano” tem um “programa” claro: aprofundar o ajuste fiscal. E, quem sabe, fazer do próprio ministro da Fazenda o candidato à Presidência da República na primeira eleição pós-Lula, conseguindo aquilo que Pedro Malan tentou sem êxito. Para isso, o grupo de Palocci certamente tentará exportar, para o programa do partido, todos os limites que sua orientação conservadora impôs à ação do governo federal.

É evidente que, se quisermos vencer a eleição de 2006, Lula tem de ser nosso candidato. E Lula candidato fará um balanço extremamente positivo de seu mandato, certamente mais positivo do que o próprio partido faria, noutras condições de temperatura e pressão.

Pelos mesmos motivos, tende a existir uma diferença significativa entre o programa com o qual o PT gostaria de disputar as eleições de 2006 e o programa com o qual Lula aceitará disputar a reeleição.

Essa diferença precisa ser tratada de maneira mediada, nem condicionando nosso apoio à candidatura de Lula à concordância deste com o programa elaborado pelo partido, nem submetendo o partido às imposições do Ministério da Fazenda.

Em nossa opinião, cabe ao PT fazer um programa conforme seus objetivos programáticos e estratégicos, negociando-o com os partidos aliados e com o candidato à Presidência da República.

Este, por sua vez, certamente terá a sensibilidade de perceber que nosso governo e nossa candidatura precisarão fazer muitos gestos à esquerda, se quisermos contar com um esforço militante expressivo na campanha de 2006. Esforço militante que será fundamental, num quadro em que a situação financeira do PT será muito precária.

Isso posto, a nova direção nacional do PT deve chamar para si o processo de elaboração do programa de governo, processo que inclui pelo menos três dimensões fundamentais:

  • O balanço da experiência do governo Lula 2003-2006;
  • O diálogo programático e estratégico com a base partidária, com nossos aliados de esquerda e com os movimentos sociais;
  • A relação entre o programa de governo 2007-2010 e nossa elaboração estratégica, o que supõe lembrar qual o papel da disputa e do exercício do governo federal na estratégia de luta pelo socialismo no Brasil.

Isso nos remete à terceira tarefa da nova direção nacional: a convocação do III Congresso do Partido dos Trabalhadores. E o melhor momento para sua realização é após as eleições de 2006, por dois motivos principais.

Primeiro, evitar que o debate sobre temas ideológicos, programáticos e estratégicos seja contaminado pelo pragmatismo eleitoral, que ataca em maior ou menor medida todos os setores do partido, impedindo inclusive que haja o tempo e a atenção indispensáveis a um congresso que mereça esse nome. Segundo, permitir que o debate congressual seja travado já com o resultado da eleição presidencial, que, por sua vez, definirá o cenário tático-estratégico em que atuaremos no próximo período, não apenas no Brasil, mas também na América Latina (onde ocorrerão várias eleições importantes em 2006).

No III Congresso é que se poderá responder, de verdade, qual o futuro do PT. Pois, que tem futuro, isso o PED já respondeu.

Valter Pomar é secretário de Relações Internacionais do PT