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Asa: uma experiência de enfrentamento da seca no Semi-Árido

 

Chuvas irregulares e alto índice de evaporação da água, ausência de políticas públicas voltadas para a população mais carente e a chamada indústria da seca são realidades do Semi-Árido brasileiro. Nesse cenário a Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA) se propõe a criar mecanismos de acesso à água e a promover a mobilização das comunidades da região para que lutem contra o esquema de dependência e subserviência

Céu azul sem nenhuma nuvem, solo rachado e marcado por grandes pedras, relevo acidentado e vegetação que parece um emaranhado de galhos secos. Espaçadamente, pode-se ver um barreiro quase seco, um pé de jurema ainda verde ou uma cerca de avelós acinzentado. Essa é a paisagem cantada em prosa, versos e filmes que tratam do Semi-Árido brasileiro. Foi tema amplamente explorado por escritores como Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Ariano Suassuna, e por cineastas que fixaram suas câmeras nas regiões secas, a exemplo de Nelson Pereira dos Santos, Guel Arraes, Glauber Rocha, Walter Salles e Marcelo Gomes.

Além da natureza hostil apresentada nessas obras, algumas revelam também o lado cruel das relações de poder que se estabeleceram na região ao longo do tempo e parecem ter sido agravadas mais recentemente. A ausência de políticas públicas voltadas para a população mais carente e a chamada indústria da seca são realidades que não podem ser negadas. É verdade que açudes foram construídos com dinheiro público. Porém, foram edificados nas grandes propriedades rurais com orçamentos superfaturados. Eles não serviram para melhorar a qualidade de vida do povo. Os carros-pipa, que em períodos de seca levam água para essas famílias, funcionam como moeda de barganha em tempos de eleição, quando os políticos e latifundiários trocam água por votos. É dessa maneira que vem se mantendo inalterado o perfil do Semi-Árido, isto é, por meio de uma relação perversa entre o poder público, os políticos e os grandes senhores de terras e a população.

É nesse contexto que se insere a Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA), que se propõe não só a criar mecanismos de acesso das comunidades à água como também a promover sua mobilização, de modo a permitir que tomem consciência de seus direitos e lutem por eles coletivamente para, aos poucos, romper com o esquema de subserviência, dependência e exploração, conquistando condições de vida e trabalho mais dignas. Fundada em 1999, a ASA reúne 750 entidades da sociedade civil voltadas para a solução dos problemas de desenvolvimento econômico, social, político e cultural da região. É integrada por ONGs de diferentes características, oriundas de movimentos religiosos, sociais, ambientalistas, associações de trabalhadores e comunitárias, sindicatos rurais, além de instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais.

A preocupação com o Semi-Árido vem sendo alvo de ações por parte da sociedade civil desde a década de 70, quando a Igreja Católica já realizava trabalho no sentido de orientar a população quanto à utilização da água. No início dos anos 90, as mobilizações ganharam maior impulso e, em 1993, diversas entidades se reuniram para elaborar e encaminhar ao governo federal um documento denominado Programa de Ações Permanentes, voltado para o desenvolvimento da região.

A ASA, entretanto, surgiu de forma efetiva por ocasião da 3ª Convenção de Combate à Desertificação e à Seca, conferência promovida pela Organização das Nações Unidas no Recife. Paralelamente, a sociedade civil promoveu um fórum e uma rede de entidades elaborou a Declaração do Semi-Árido, na qual está contida a proposta de criação de 1 milhão de cisternas, principal programa a que a ASA se dedica hoje. Trata-se de uma rede apartidária, sem personalidade jurídica e comprometida apenas com as populações incluídas no programa, especialmente os agricultores. Seus principais objetivos podem ser resumidos na conservação, no uso sustentável e na recuperação dos recursos naturais e na quebra do monopólio de acesso à terra, à água e aos meios de produção.

Segundo esclarece João Amorim, gerente do programa em Pernambuco, já ao ser criada a ASA definiu a questão da água como o grande mote a ser trabalhado, uma vez que o acesso aos mananciais ou reservatórios ainda é o grande entrave ao processo de desenvolvimento do Semi-Árido. Apesar de estar de olhos voltados para a necessidade de viabilização econômica da região, a rede entende que é preciso primeiro resolver o problema emergencial da água para uso doméstico, isto é, para beber e cozinhar. Daí porque priorizou a execução do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-Árido: Um milhão de Cisternas Rurais (P1MC), implantado em 949 municípios do país. Agora, está partindo para uma proposta mais ambiciosa, que é a edificação de reservatórios de recolhimento da água da chuva para ser utilizada na produção.

Na avaliação de Amorim, o que diferencia a ASA de outras iniciativas adotadas anteriormente pelos diferentes governos é a importância que dá à mobilização social, fazendo com que as soluções encontradas sejam conquistadas pela população, e não meros favores oferecidos por políticos, que não representam soluções permanentes. Provavelmente, é a proposta até agora implantada na região que viabiliza maior nível de participação popular. Ao longo do processo que culmina na construção das cisternas, os beneficiários, junto com os gerentes do programa, discutem a convivência com o Semi-Árido, isto é, o gerenciamento dos recursos hídricos, a construção das cisternas e a administração das verbas disponíveis.