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Militante de esquerda desde 1967, Geraldo foi líder estudantil e um dos primeiros parlamentares a aderir à proposta de formação do PT

Militante de esquerda desde 1967, nosso entrevistado foi líder estudantil e um dos primeiros parlamentares a aderir à proposta de formação do PT. Atualmente, trabalha no Ministério do Meio Ambiente. Nesta entrevista, Geraldinho – como é conhecido no partido – relata alguns momentos importantes da luta contra a ditadura e do processo de formação do PT, nos quais esteve presente com destacada participação

Como você iniciou sua participação na política?
Comecei a militar em 1968, no meio da agitação estudantil que havia no Brasil e em todo o mundo.

Você era secundarista?
Sim. Meu irmão, o Mário, era militante da Ação Popular e era da diretoria da UEE em 1966. Foi preso num congresso. Eu não entendia direito o que ele fazia. Independentemente dele, eu já tinha uma pequena tendência humanista, vamos dizer assim, de achar que a pobreza era um problema que tinha de ser resolvido. Lembro que apareceu um grupo de universitários no colégio Fernão Dias, onde eu estudava, para fazer entrevistas. Eles iam conversando com os estudantes e depois chamavam todos para ir até a União Brasileira dos Escritores, lá no Centro, para debater. A Marilena Chaui, que tinha vindo da França, foi falar do maio de 68. O clima era de muita efervescência.

Um dia fomos para a USP, havia barricadas por todo lado na Cidade Universitária, pessoas com lenço na cara, andando em cima dos prédios, vi até um estudante com um fuzil. Eu me sentia muito orgulhoso passando pelas barricadas, me identificando com uma carteirinha do Fernão Dias. No Crusp havia aquela viatura policial queimada, com as rodas viradas para cima, uma espécie de monumento... Pessoas namorando, gente tocando flauta, aquilo parecia um território libertado. Então, juntando aquilo tudo, dava uma sensação que tinha chegado a hora de alguma coisa!

Dali para ter contato com as organizações políticas foi um passo. Eu ficava entre quem era da luta armada e quem não era. Da luta armada eram a Ala Vermelha, a VPR, a Dissidência do PCB, que depois virou ALN. Eu participava do Centro dos Estudantes Pinheirenses, o CEP, onde predominava a Ala Vermelha. O outro pessoal com quem eu tinha contato eram os posadistas – uma ala da IV Internacional trotskista –, que rebatiam a tese da luta armada. Participei de alguma coisa da Ala, treino de tiro em Embu-Guaçu, uma tentativa de panfletagem armada que acabou muito mal.

Era um grupo infanto-juvenil, em que o mais velho tinha 21 anos, era o comandante, e os outros tinham 17, 18 anos. E aquela confusão... Errou-se o horário de entrada na fábrica dos operários, para fazer a panfletagem. Ficamos aglomerados em dois pontos de ônibus, um de frente ao outro. Metade armada para fazer a cobertura. Aí passou uma viatura da polícia, com cinco tipos, um cano de metralhadora para fora. Eles pararam, deram a volta, e nós saímos correndo, em pânico... A gente tinha ensaiado, cada um se posicionado para travar o tiroteio! Pois entramos todos correndo no carro, os oito. Tropeçou-se na calçada, caiu revólver... Senti que aquilo ia acabar muito mal! Lembrei da crítica do pessoal da opção não-armada: sai uma turma fazendo luta armada, mas não há nenhuma adesão. E era um pouco verdade. Como é que podia haver insurreição armada sem haver sintomas de adesão de algo mais do que universitário? Acabei indo para os posadistas.

Como você foi recrutado?
Eles me davam textos sobre a luta armada para ler e discutir, diziam que era preciso ter o povo organizado em bases sindicais, em organismos populares. Não se descartava a tal da insurreição armada, mas para um momento em que houvesse acúmulo de forças, uma organização forte, popular. Fiquei com os posadistas até sermos presos, em 1° de maio de 70.

Quando Olavo Hansen é morto?
Ele era o chefe da minha célula. Fomos para uma panfletagem no estádio Maria Zélia, no 1º de Maio. Fizemos um comício e pichação perto de Osasco e depois fomos até o estádio, que era do outro lado da cidade, na zona norte. Chegamos mais ou menos 11 horas da manhã ao estádio, por onde já tinha passado a esquerda brasileira inteira. Era uma festa de sindicatos, com bandinha, crianças, sanduíches e competições esportivas. Todo mundo panfletou. Éramos um grupo razoavelmente grande, mais de nove. Eu estava com uma sacola de feira cheia de panfletos e o jornal da organização, o Frente Operária. No estádio deu para perceber que havia policiais. O Olavo passou por mim e disse: “Vamos embora”. E o grupo saiu junto. Quando estávamos andando por uma avenida, vi gente correndo de tudo quanto era lado, com revólver, gritando “mão na cabeça!”. Foram encostando todo mundo no ponto de ônibus, com as mãos na parede, e depois nos levaram para o 1º Distrito Policial. Não aconteceu muita coisa ali. Em seguida fomos para o QG da PM, onde a barra pesou. Deixaram a gente pelado no chão, com metralhadora na cabeça. E já deram porrada. O Olavo começou a entrar no pau. Aliás, eu também. O cara veio me interrogar. Eu estava com a historinha montada na cabeça: recebi o convite para uma festa de 1º de Maio na porta do cursinho Equipe e fui.
Mas o cara que fez a prisão mostrou a mesa, cheia de panfletos, perguntando: “Qual desses daí você distribuiu?” Eu disse: “Nenhum deles!” Ele retrucou: “Quer dizer que você é estudante de classe média, mora em Pinheiros, acorda às 5 da manhã num feriado prolongado, pega três ou quatro ônibus para ir parar no fim da zona norte, e tudo isso pra ver um jogo de futebol de padeiro contra torneiro mecânico? Você tá pensando que sou palhaço?” E pau! O cara já me pregou uma na cara. Mas o pau estava concentrado no Olavo, que tinha 32, 33 anos e já tinha sido preso.

Ficamos na PM até a tarde. Dali fomos para a Oban, onde estava todo o pessoal que tinha sido preso no Vale do Ribeira, da VPR, da guerrilha. Estava muito cheio. E o pau comendo... Muitos gritos. Lembro que um capitão, comentando com a equipe que estava entrando, disse: “Quem trouxe esses caras?” Um outro respondeu: “Foi o secreta da PM”. Ele retrucou: “Mas isso é hora? Nós, no meio dessa porra, e os caras trazem merda pra cá!” “Merda” éramos nós, e eu fiquei muito contente. Aí fomos para o interrogatório, meio nas coxas. O meu estava ótimo. Era um moleque, devia ser um estagiário.

Tudo ia indo muito bem, até que entrou na saleta aquele miserável Gaeta, ou dr. Mangabeira, um torturador horroroso. “Como é que está aí? O que é que foi pego com ele?”, perguntou ele. E o moleque respondeu: “Ele disse que nada”. O tal do estagiário estava apavorado, e eu pensei: “Quem tem de estar apavorado aqui sou eu, e não ele!” Aí começou o inferno. Esse Mangabeira disse: “Nada, é?” E gritou: “Ô Monteiro!” Eu pensei que ele fosse chamar um gorila, mas entrou um preso que era um trapo humano. As roupas folgadas no corpo, bem magro. Com a mão paralisada, se arrastando, com os olhos arregalados. Ele dizia: “Monteiro, faz o menino falar que vou fazer um acordo”. Pegou uma palmatória. “Você faz o menino falar, e em troca eu te dou um tiro na cabeça hoje à noite. Você pára de sofrer. Você está morrendo um pouquinho por dia, Monteiro. Você não agüenta mais. Eu te torturo todo dia. Estou cansado.” E o pior é que o cara considerava, olhava, olhava... Ele empunhou a palmatória, olhou para mim, me mandou estender a mão. Eu estendi, ele olhava para mim, e não conseguia dar a porrada. Daí virou para o Mangabeira e disse: “Eu não bato em ninguém”. “Olha que bonito, Monteiro! Você não bate em ninguém?! Então bate em mim. Eu, que sou o torturador.” Abaixava a cabeça, punha a mão para trás... Para mostrar o domínio. E o cara não batia. “Vamos fazer outra coisa, Monteiro. Te dou um revólver, pega aqui, vai para a rua e nós vamos caçar você. Aí você morre como herói revolucionário.” E o cara estava em petição de miséria. E o Mangabeira me dizia: “Sabe quem é esse sujeito? Esse aqui é metido a gostoso, terrorista. É o motorista do Lamarca. Olha ele agora. Ele tem crianças, que estão passando fome. A mulher está rodando bolsinha nas esquinas, virou puta por causa desse safado”. E batia no cara! E o cara pedia água... E o Mangabeira: “Você não vai tomar água nada... Você vai para o choque agora”. Aí foi embora, e o outro se arrastando.

Você sabe quem é esse cara? O nome inteiro?
O Marcelo Paiva tem um livro em que fala do Vale do Ribeira e cita um Monteiro. Pelo que entendi, se é o mesmo, ele está vivo.

E aí o que aconteceu?
Ali estava superlotado, e de madrugada nos mandaram para o Dops. O Olavo foi comigo no banco do lado. Quando estávamos chegando lá, ele disse: “Se prepare para o pior”. E eu respondi: “Acho que o pior já foi, a Oban”. Mas ele tinha experiên­cia anterior no Dops, que estava ocioso; a Oban estava pegando a VPR, só mandava os caras bem mastigados no interrogatório, jogava no Dops como depositário. E o pessoal do Dops era o pessoal do Esquadrão da Morte...

A turma do Fleury...
Sim. Nós éramos carne nova para eles. E aí a coisa ficou ruim. Eles pegaram o Olavo e disseram: “Esse aqui já conhece o caminho”. Já o separaram e mandaram para o pau. Ele começou a apanhar logo na entrada.

Foi a última vez que você o viu?
Não. Nós fomos para a cela de madrugada. E o Olavo no pau de novo. Quando fui solto, o Olavo, na carceragem, estava deitado em cima daqueles sacos de campanha, bastante machucado, meio sem forças. Olhei para ele, que viu que eu estava sendo solto, deu um sorrisão e ainda levantou o dedo em sinal de positivo.

E quando você soube da morte dele?
Ele morreu no nono dia. Jogaram seu corpo num terreno baldio no Ipiranga. Tinha sido preso e encontram o corpo envenenado com produto químico. Evidente que era um assassinato.

Quando você saiu da prisão se desligou dos posadistas?
Sim. Primeiro porque eu já tinha algumas divergências, algumas posições posadistas eram um exagero, uma coisa nacionalista, uma esperança no general Albuquerque Lima e uma supervalorização do Posadas – que era o dirigente máximo mundial –, a ponto de dizerem que ele estava dominando coisas avançadas na Física. Além do que tinha uma postura muito religiosa. Acrescente-se a isso tudo o grande cagaço também, tinha acabado de sair da prisão. Resolvi dar um tempo. Aí entrei na universidade.

Você entrou em 1971?
Entrei em 1971 com algum contato, através da Ieda Areias, com a Ação Popular, que também não preconizava a luta armada, pelo menos no momento. Mas a USP estava já meio que “limpa” da liderança anterior, que foi ou para a luta armada, ou para o exílio, ou foi presa. Enfim, a impressão é que tinham levado todo mundo. Fomos nos articulando no que era possível, no conselho de centros acadêmicos, que estavam funcionando. Fazíamos denúncias de prisão, denúncias sobre o ensino pago, que o Passarinho – então ministro da Educação – queria implantar. Fizemos um plebiscito na USP. Em 73, morreu o Alexandre Vanucchi, e nós fizemos a missa na Catedral da Sé. Juntou uns 3 mil estudantes. E foi se acumulando uma tradição de luta e de resistência às torturas, às prisões. Em 74 montou-se o Comitê de Defesa dos Presos Políticos na USP. Havia assembléias grandes. Em 75, com a greve da Escola de Comunicação e Artes, a USP chegou a parar inteira em solidariedade. E em outubro houve a morte do Vladimir Herzog, que resultou noutra missa ainda maior na Sé. E o movimento estudantil foi crescendo muito.

Você era presidente do Centro de Geografia...
Sim, do Centro de Estudos Geográficos Capistrano de Abreu. A movimentação era muito grande e em 76 partimos para reconstruir o DCE.

E como foi nesse período sua relação com a Ação Popular?
A relação com a AP ficou para trás, se deu em 71, 72, com a Cida Serapião, a Stella Goldenstein, você (Ricardo de Azevedo), e o pessoal da AP foi preso no fim de 71. Aí a orfandade foi completa. Tinha muita gente que foi ficando nas escolas, liderança de centro acadêmico que viu a organização com a qual mantinha contato ser desmantelada. A própria situação de repressão muito intensa na época nos obrigava, até por uma questão de sobrevivência, em todos os sentidos, inclusive emocional, a ficar muito dentro da escola. Então, o centro acadêmico caprichava para fazer apostila, para incentivar a convivência. Fazíamos festa junina com 5 mil pessoas. A liderança tinha uma ligação forte com as escolas, até afetiva. Falava-se que a USP era uma aldeia gaulesa, porque fora dela nos sentíamos isolados. Quando entrava na USP, você encontrava todos.

Em 76 houve o salto de qualidade do movimento estudantil, não é?
Em 76 criou-se o DCE. Mas sua reorganização já estava sendo discutida em 75. A Liberdade e Luta – Libelu, como era chamada – achava que tinha de fazer o DCE em 75. Mas nós, da Refazendo, acreditávamos que cada passo tinha de ser dado com muita gente acompanhando. Entendíamos que não devíamos nos descolar muito da grande maioria dos estudantes. Então, era preciso amadurecer um pouco mais. E o pessoal da Refazendo tinha a direção de muito centro acadêmico.

Quais eram as divergências entre as duas principais correntes do movimento estudantil da USP, a Libelu, vinculada à Organização Socialista Internacionalista, e a Refazendo, que tinha muita gente egressa da AP.
A divergência mais clara era uma análise que eles tinham de que a ditadura era débil, não tinha apoio social e estava por um fio, que bastava a mobilização de algum segmento social para colocá-la no chão. Eles achavam que a ditadura não tinha força para reprimir o movimento estudantil e que, inclusive, não precisava de uma grande quantidade de pessoas, que uma vanguarda ativa poderia fazer esse serviço. Claro que estou simplificando muito. É evidente que os discursos eram sofisticados.

Já o pessoal da Refazendo...?
A Refazendo achava que provavelmente prevaleceria a tese do Golbery, da distensão lenta, gradual e segura, que não haveria uma derrubada do regime por uma mobilização social. Mas acreditava que as mobilizações podiam acelerar esse processo de abertura, até porque ele era contraditório, tinha um setor do regime que queria fechar de vez. Entendíamos que o movimento tinha importância na democratização, mas precisaria estar forte e fazer alianças, porque a capacidade de repressão era grande.

Quem eram as principais lideranças da Refazendo?
Eram a Vera Paiva (Filha de Rubens Paiva e irmã de Marcelo Paiva), Marcelo Garcia e Silva (o Bundão), Carlos Eduardo Massafera (o Massa), Aloizio Mercadante, eu...

E da Libelu?
Da Libelu eram o Josimar Melo, o Júlio Turra, a Clara Ant, o Ricardo Melo, o Paulo Moreira Leite...

E como vocês recriaram o DCE?
A própria eleição do DCE virou uma manifestação, porque fizemos uma eleição que teve bom comparecimento, mas as urnas, que ficaram guardadas na Economia, foram roubadas na madrugada. Juntamos todas as chapas e resolvemos fazer uma segunda eleição, convocando também uma mobilização para vigiar as urnas. O comparecimento aumentou. Então, em si, ela já tinha virado uma manifestação. Foi vigília a madrugada inteira, juntos, para defender as urnas.

Quem ganhou a eleição?
A Refazendo ganhou, com a Libelu em segundo. Na composição da diretoria, não definimos cargos porque achávamos que não se devia personificar o movimento estudantil. Tínhamos visto em 68, era o pessoal do Travassos, o pessoal do Zé Dirceu... Pensávamos que tinha de ter um caráter mais coletivo. Não só por ideologia, mas também para não destacar ninguém para a repressão. Então fizemos uma diretoria sem cargos. Eram nove diretores, todos da Refazendo, um colegiado.

E quando foi a primeira manifestação de rua?
Quando termina 76, o clima era de ir para a rua. Em março de 77 houve corte na verba federal para a educação e marcamos uma manifestação em frente à delegacia do MEC, na Avenida São João. No dia, pela manhã, a ponte da Cidade Universitária estava cercada, e o coronel Erasmo Dias dizia: “Ninguém vai fazer manifestação porque não vão chegar no Centro. Pára o trânsito, mas ninguém chega!” Fizemos então uma assembléia grande na Poli e decidimos que, se o trânsito estava parado para não chegarmos, iríamos a pé. Era um eufemismo para passeata. O pessoal da Libelu ficou puto, mas optamos por não escrever ditadura em faixa nenhuma. Não precisava botar uma palavra de ordem ofensiva, o ato em si já era suficiente. E saímos em passeata até o Largo de Pinheiros. Depois voltamos para a USP, era um belo dia de sol, e pulou todo mundo naquela fonte de água que existe na entrada.

Essa foi a primeira fora do campus?
Foi, no dia 30 de março. Depois teve a do Viaduto do Chá, em 5 de maio. Uns militantes da Convergência Socialista tinham sido presos no ABC, convocamos o ato e saímos em passeata pelo Viaduto do Chá.

Teve enfrentamento com a polícia?
Teve. Na Praça Ramos o Erasmo soltou umas bombas e gritou: “Daqui não passa!” Aí sentamos no chão, lemos o manifesto e voltamos. A gente tinha a definição de não ir para o confronto. Sempre que houvesse a tropa, bateríamos em retirada, organizadamente. Depois, entramos em contato com os estudantes do resto do país e fizemos um dia nacional de manifestação, no 19 de junho. Ficamos na Faculdade de Medicina, cercados pela tropa. O Suplicy discursou em nome dos professores, trazendo apoio. Estiveram presentes vários deputados, vereadores, entidades que chamamos para mostrar que não estávamos sós.

Em junho houve a nova eleição do DCE.

Logo depois da manifestação, e a Refazendo ganhou estourado, com mais votos que todas as outras chapas somadas.

Nesse ano a relação com a AP é retomada... E surge a idéia de você ser candidato a deputado. As coisas são concomitantes?
No fim de 77. Eu estava saindo da faculdade e tinha eleição para deputado no ano seguinte, não sei se a proposta veio da AP direto, mas sei que vieram me propor. Eu pensei: “Já que estou saindo do movimento estudantil, nada melhor que uma candidatura...” Mas tinha aquela discussão: MDB? MDB é o “partido do sim”, é uma oposição consentida. “Mas podemos ter uma autonomia de campanha, porque o MDB é um aglomerado, uma frente parlamentar.” Eu pensava: “Pelo menos vou fazer agitação com a candidatura”.

Você gostou da idéia?
Mesmo achando que poderia ser algo limitado, imaginava que a campanha em si poderia ser uma grande agitação. Eu mesmo duvidava que pudesse ser eleito. Só que, quando chegou a campanha, a coisa cresceu, tinha uma demanda reprimida de participação política. Tinha esquerda participando da campanha. Além da AP, o MEP, o FOC... Enfim, tratamos a campanha como se fosse uma plataforma política, bem além de um mandato parlamentar. A tal ponto que saiu em um dos jornais de campanha, colocada pelo pessoal do MEP, a proposta de construção de um Partido dos Trabalhadores. Todos éramos a favor de construir um partido que – independentemente do nome – congregasse os movimentos populares de base.

Não era só a minha campanha, era também a do Sérgio Santos, a da Irma Passoni, do Suplicy, do João Batista Breda, do Aurélio Peres para federal, do Airton Soares, um conjunto de candidatos que expressava a necessidade de manifestação política institucional dos diversos movimentos.

Você assumiu como deputado estadual pelo MDB. Como foi o início do mandato, antes do PT?
Eu era vinculado a um movimento coletivo, o movimento estudantil. No Parlamento não se tem esse contato tão orgânico com o movimento social. E, ao mesmo tempo, a vida partidária do MDB também não ensejava um grande debate entre pessoas irmanadas por um programa. Qual era o papel do Parlamento num contexto de ditadura militar? Tomamos posse junto com Figueiredo, com Maluf no governo do estado, e mandando repressão. O mandato era mais no sentido de dar cobertura ou repercussão para movimentos sociais e denunciar a repressão. Tanto que fui parar no ABC. E eram oposições sindicais que se rearticulavam, movimentos de bairro, e facilmente tudo tomava uma conotação política por falta de liberdade, falta de democracia.

Como você conheceu Lula?
A primeira vez que o vi foi em 78. Eu era candidato e teve um comício em São Bernardo com o Fernando Henrique e esses candidatos populares, e o Lula deu apoio. Acabou o comício na praça, e numa padaria o Lula ficou me provocando: “Mas você trabalha?” “Eu sou bancário.” “Bancário? Bancário é operário de camisinha...” Fez as gozações todas. Mas, pra valer, foi em 79, quando começou a grande greve. Fomos para o sindicato dispostos a participar dos piquetes de madrugada, repercutindo no Parlamento e para a imprensa. Eu era deputado, uma voz que a imprensa escutava.

Era só você que fazia isso?
Não só, mas eu fazia mais que todos. Para mim, aquele era o papel. Tinha mais gente, Almir Pazzianotto, Flávio Bierrenbach, Fernando Moraes, Marco Aurélio Ribeiro, a Irma, Sérgio dos Santos, o Breda, o Suplicy...

Como foi o episódio da prisão do Lula?
Aí já era 80, na segunda grande greve. A maior. Estávamos esperando a intervenção no sindicato, era iminente. O Dops tinha chamado para depor várias lideranças de São Bernardo. Eu e o Luiz Eduardo Greenhalgh fomos acompanhar o depoimento do Djalma Bom, do Expedito Soares e de outros. No meio do depoimento deles, um repórter nos contou que já estava assinada a intervenção no sindicato. Aí o Luiz Eduardo disse: “Esse pessoal tem de sumir daqui rápido, antes que eles resolvam prendê-los”. Encostávamos em cada um que terminava de depor: “Some daqui, porque assinaram a intervenção”. Depois que o último foi embora, descemos e, enquanto estávamos conversando na frente do Dops, veio um investigador e disse: “O dr. Tuma quer falar com vocês”. Ele nos conduziu pela entrada lateral até um local debaixo de uma escada, onde se guardavam vassouras e um monte de jornais velhos, e fechou a porta. Logo entrou o Romeu Tuma, fechou a porta e disse: “Houve uma reunião da comunidade de segurança, e ficou decidida a prisão do Lula. Eu sou contra, acho contraproducente, ele vai sair da prisão como herói, mas fui voto vencido. Como vocês são amigos dele, avisem”. Ficou decidido que eu passaria a morar na casa do Lula, porque era parlamentar, e o frei Betto também, porque era da Igreja. A Igreja e o Parlamento dentro da casa, para dar cobertura. E lá ficamos, jogando baralho, esperando a polícia. Demorou sei lá quantos dias. Já estávamos achando que era blefe quando, numa manhã, eles apareceram. Uns caras com metralhadora, nervosos também, com medo que a massa visse. Lula era uma liderança poderosíssima. Ele tomou café e depois o levaram. Eu já tinha armado um esquema com a Beatriz Tibiriçá, minha assessora, para avisar todo mundo. E a coisa foi se espalhando. Eu sei que, antes de Lula chegar ao Dops, já estava dando no rádio. Corri para a Assembléia para denunciar na tribuna.

E como surgiu para você a idéia do PT?
O PT era essa idéia que a gente acalentava desde a campanha, um partido mais definido, que tivesse essa composição vinda de movimentos sociais, sindical, popular, estudantil, de base da Igreja. Ou da esquerda organizada, que queria um partido com uma plataforma mais definida. Claro que no meio disso um quer mais de um jeito que de outro. Há diferenças, sutilezas. É partido ou é frente?

Lembro do Mário Covas com o Fernando Henrique falando comigo, na Assembléia. Eles eram contra porque diziam que a gente tinha de manter uma frente democrática que se expressava no MDB, e criar um partido era rachar, sendo que a democracia não estava consolidada. O Fernando Henrique dizia mais: que os partidos não eram importantes, que no mundo moderno os partidos perdiam importância diante de várias articulações da sociedade. A mim não convencia, eu via na tal da frente democrática, por exemplo, gente que se bandeava pro Maluf. A bancada do MDB era dois terços da Assembléia, e a gente freqüentemente perdia votação, com compras de votos, fisiologismo. Você ouvia os rumores de que fulano conseguiu um empréstimo no Banespa com juros de 1% ao ano; outro ganhou um apartamento. E, quando eles vinham falar da frente democrática, eu dizia: “Essa frente está sem compromissos, frouxa. Pegando qualquer tipo de gente. Desprezando o movimento popular”.

Vocês formaram um grupo na bancada?
Formamos um grupo mais à esquerda, desde o início. Aliás, o patrono do grupo era o Fernando Henrique. Mas aquilo não funcionava direito, não conseguia definir o que fazer porque tinha uma crise de identidade permanente. Ele se reunia, discutia algumas coisas, mas não conseguia tirar uma linha de ação.

Você estava simultaneamente discutindo o novo partido no MDB, na AP e com o Lula?
É. Havia aquela indefinição dentro da AP, eu tinha a posição de formar o PT, mas não queria fazer isso sem que a base de apoio eleitoral, que tinha sido muito da AP, do MEP, fosse consultada. Discutia-se muito, e não se definia, porque rachava. E a protelação da decisão acabava sendo uma definição do não PT. O Arnaldo Jardim, a Ieda Areias eram a favor de ficar no MDB, um monte de gente. Eu tinha um pouco de dúvida, não quanto à necessidade de fazer o partido, mas se aquela proposta iria adiante, porque realmente havia muita sectarização.

E como foi que você decidiu?
Um dia, na Assembléia, o Vicente Alessi, do Jornal da República, me disse: “O Airton Soares entrou no PT. E você?” Eu dei uma declaração ensaboada. Ele cobrou: “Geraldinho, você está parecendo esses caras aí. Está parecendo o Nabi Abi Chedidd”. Para mim, foi a gota dd’água. Decidido eu já estava, faltava declarar. Eu fui o primeiro, mas o Suplicy dizia que estava considerando. A Irma, quando soube que eu tinha entrado, foi discutir com a base dela. Não lembro em que ordem. Foram seis.

Vamos falar do episódio da Freguesia do Ó?
Foi no dia 21 de junho de 80. O Maluf estava fazendo o governo itinerante, em que recebia a turminha dele. Conforme ele ia nos bairros para fazer a audiência, os movimentos se organizavam para apresentar reivindicação. E a PM reprimia. Foi assim no Butantã e na zona leste. Depois ele ia despachar na Freguesia do Ó. O Sérgio Santos, deputado que era da Freguesia, me procurou e disse: “Vamos lá!” Ele negociou com a PM, o Dops, que não ia ter repressão. A manifestação ia ficar a distância, levar uma pequena comissão com uma lista de reivindicações. No dia, veio um comandante da PM, se apresentou ao Sérgio e afirmou, numa demonstração de que não haveria repressão, que eles iriam retirar todo o contingente da PM. Eu devia ter desconfiado! A manifestação estava cheia de paramilitares infiltrados, que começaram a nos agredir. Todos à paisana.

A manifestação se reorganizou e saiu em direção ao prédio da regional. No meio do caminho, havia um grupo de uns 50 caras numa esquina; no lado oposto, outros 50. Nisso, fomos atacados pela retaguarda. Começou a estourar bomba. Um pandemônio. No que estávamos para ir embora, um cara me segurou no braço e disse: “Deputado, estão matando Zé do Bingo”. E mostrou: estavam segurando o Zé pelas pernas e braços, deitando-o em cima de uma bomba de gás fumegando. Eu pensei: “Tenho que ir lá”. E fui, já acreditando, desolado, que ia ser o próximo Zé do Bingo. No meio do caminho, vi o Kojak, que é irmão do Serginho, aquele ex-jogador do São Paulo e do Santos. Ele me viu, e senti a olhada dele de predador. Encostei no carro e pensei: “Vou deixar o cara passar, que ele está de olho em mim”. Quando ele estava passando por mim, já abrindo os braços, me catou pela perna, me levantou no ar e me baixou na quina do automóvel, na lanterna traseira. Quando levantei, era ele mais um outro, batendo. O Barral (Manoel Filgueira Barral) entrou no meio: “Vão matar ele. Parem!” Eles me largaram no chão e foram em cima do Barral. Tem uma foto dele apanhando, eu já estou no chão. O major Taturana, chefe do serviço reservado, pediu que parassem.

A tropa toda era formada por fiscal da prefeitura, bate-pau, segurança de estatais e tinha um núcleo do Serviço Reservado da PM, que era o comando. Eles todos tinham participado da repressão no ABC. Aliás, tempos depois, um coronel da PM, visitando Sérgio dos Santos quando ele era secretário na Assembléia, disse pra ele que aquele grupo da P2 tinha jurado que ia me pegar de pau. Eu e a Irma Passoni, por causa da greve do ABC.

Esse pessoal foi punido?
Foram condenados, mas, como eram réus primários, lei Fleury...

E aí, em 82, você foi reeleito deputado pelo PT.
Em 82 fomos para a campanha, mas era voto vinculado de vereador a governador, então a gente fazia comícios enormes, um sucesso danado. Metade da cidade ia para a rua. Houve uma que tinha tanta gente... Acho que era Bariri. Fizemos um comício, a multidão vibrava. Quando chegou na urna, cinco votos. Também o candidato a prefeito, na hora de falar, pegou o microfone e disse, com aquela voz de caipira, tímido: “Eu não sou de falar, não, porque não sou de fazer promessa”. E largou o microfone. Cinco mil pessoas! Foi um desastre. Eu estava empolgado, achei que fôssemos arrebentar. Achava que até o Lula poderia ganhar. Tivemos 9% para governador, ficamos em quarto lugar, elegemos uma bancada pequenininha, com uma campanha na base do vende estrelinha...

Com essa trajetória de movimento estudantil, um perfil essencialmente político, como entra a vertente ambientalista?
Já no primeiro mandato. Tinha um pessoal de movimento estudantil que já estava embarcando nisso. Isso sempre me atraiu. Eu não entendia, mas tinha simpatia. E aos pouquinhos fui sendo introduzido, e, como fiz Geografia, também tinha uma interface de preocupação com a natureza. Mas era muito primária, muito fundamentalista. O movimento ambientalista me pegou mais na luta contra a instalação da usina nuclear que queriam fazer em Itanhaém (SP). Estudando, discutindo e vendo os riscos, já entrei mais fundo nessa campanha. Mas o movimento ambientalista era embrionário, muito referenciado na Alemanha, nos verdes. Aqui era preservar a Amazônia, mas não tinha um aprofundamento maior. Tinha o velho Abelar, um espanhol que morreu dois anos atrás. Foi o primeiro cara que andou com máscara no Viaduto do Chá, contra a poluição. Era um anarquista, que aliás morreu sem as homenagens que merecia. Aos poucos, fui entrando no movimento, fui para a Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa.

O que você faz no Ministério do Meio Ambiente?
Sou chefe de gabinete da Secretaria de Qualidade Ambiental. O nome não diz muito, mas é um setor do que a gente chama de Agenda Marrom. Azul é água; a Verde, florestas; e a Marrom é urbano-industrial. É o nuclear, o petróleo, tóxicos, indústria, lixo, resíduos, o processo mais industrial e mais urbano. É bem amplo.

E como você avalia a atuação do governo nessa área?
Acho que se avançou em algumas coisas. Em outras, houve falta de visão do governo.

Por exemplo?
Nos transgênicos. Eu, aliás, tinha pouco contato com essa questão. Mas, quando vi a soja transgênica, deu para perceber que havia alguma manobra econômica. A Monsanto estava enfiando um produto transgênico, completamente desnecessário, porque a nossa soja, natural, adaptada ao clima, com bom rendimento, tem mercado na Europa, que, cautelosa com os transgênicos, prefere para consumo humano a soja natural. Essa é a vantagem. Aí despejam um monte de herbicidas, vendidos pela Monsanto. E o pior é que, dos três grandes produtores – Brasil, Argentina e Estados Unidos –, só o Brasil cultiva soja natural. Se se liquidar com ela aqui, o mercado europeu não tem mais opção. Eu vi pela parte econômica, mas a partir daí também fui entendendo um pouco de precaução, porque você não pode ir colocando no mercado uma espécie sem avaliar o impacto que vai ter.

Em que áreas você acha que houve avanços?
Na questão do desmatamento, em Mato Grosso, no Pará, houve recuo da área desmatada por uma ação mais forte em fiscalização. Existe a proposta para manejo. Não há como fiscalizar a floresta toda. Então há um projeto de fazer concessões para a exploração de madeira dentro de critérios, e isso é uma ocupação legalizada que se pode acompanhar. O WWF, o próprio Greenpeace já aprovaram esse projeto, que está no Congresso. Houve um avanço razoável na questão de licenciamento. Por exemplo, vai-se fazendo uma hidroelétrica e, no meio da obra, decide-se tirar a licença ambiental. Como é que você vai dar uma licença ambiental se já está consumada a destruição? Houve uma conversa muito boa com o pessoal de Minas e Energia sobre isso. Antes de começar um projeto, já se deve avaliar, por exemplo, dentro de uma bacia, se se fizer uma barragem, quais são os impactos. Ou seja, já se avalia tudo e se tira a licença antes. Depois se faz a licitação para a obra.
Hoje outros ministérios levam em consideração a questão ambiental, porque não adianta só o Ministério do Meio Ambiente tratar de meio ambiente – os outros também têm de tratar. Se não houver essa preocupação em todas as áreas, não tem jeito. Também nessa questão, outra frente em que estamos avançando, em termos institucionais, é na definição do papel do que seja nível federal, estadual e municipal. Está se discutindo com a associação de municípios quais são as competências e divisões de responsabilidades.

E o governo Lula, é o governo dos seus sonhos?
O governo dos meus sonhos, não. Acho que fez concessões demais do ponto de vista político, com alianças com partidos fisiológicos – PTB, PP. Isso também decorre muito de um certo momento de interrupção da discussão política dentro do PT. Para mim, isso é muito nítido e acho que houve um temor da direção de enfrentar a discussão política com a base. A direção fazia o discurso que a base gostava de ouvir, mais radicalizado. A impressão é que a direção raciocinava uma coisa e discursava outra, e num determinado momento isso ficou inconciliável. E quem toma as decisões sem passar por um processo de discussão pública tende a cometer erros com mais facilidade e com mais gravidade.

Voltando ao governo, que avaliação você faz? Você diz que tem problemas na política de alianças e não é o governo dos seus sonhos. Mas...
Com todos os problemas, existe um se voltar ao social, ao combate à pobreza, maior que em qualquer outro governo. A política do Bolsa-Família, de apoio à agricultura familiar, de microcrédito, de empréstimo consignado, as cisternas na área do Nordeste. Existe uma série de esforços, houve um direcionamento para o social, mesmo que difuso e simbolizado no próprio Lula, que encarna isso. Houve um olhar para os setores mais pobres. E nisso se realiza um pouco daquele governo que a gente sonhava.

E eu vejo a reação. Pode ser um maniqueísmo completamente idiota, mas a primeira vez em que fui ao plenário da Assembléia tinha um projeto dificílimo de entender que entrou em votação. E o pessoal mais ligado ao setor popular discute daqui, discute dali. Quando começou a votação, vi a Arena inteira votando por um lado, e eu votei para o outro.

E a violência com que se ataca o governo do Lula! O tratamento que a mídia dá! O linchamento do governo que se vê em vários setores, a bronca, a raiva. Por mais que se diga que o governo do Lula está fazendo a política financeira ortodoxa e os caras estão ganhando. Mas, gozado, ao mesmo tempo o Bornhausen, que é banqueiro, está pedindo para acabar com essa raça. Dá para perceber que existe ódio ao Lula. Aplicando um pouco de raciocínio maniqueísta também, a direita querendo destroçar este governo. Por mais que ele tenha feito uma política macroeconômica ortodoxa, é nítido que os caras, se puderem, se livram deste governo, do PT e da esquerda.

E o PT? É a maior crise da sua história?
Não há a menor dúvida. É complicado, primeiro porque a crise da esquerda é mundial também. Segundo, houve esse distanciamento da discussão política da cúpula com a base. A falta do debate franco e aberto. Mas ser atingido pelo lado moral complica muito. Você fica confrontado com uma questão maniqueísta, do bem e do mal, de moral e amoral, que encobre todas as questões políticas. E existe um esforço da direita, expresso em grande parte da mídia, de colar a idéia do partido que rouba, mente e mata. Enfim, estão criando uma maldição para nos isolar. E nos pegou no fígado. Na verdade, não consigo ter a dimensão do que realmente aconteceu. Que dinheiro é esse? De onde veio? A impressão que me dá é que é financiamento de campanha, caixa dois. O que para mim incomoda menos do ponto de vista moral, porque todos têm caixa dois. O que me incomoda mais é a que preço foi feita essa captação. Porque, quando é feita em alto segredo por grupos fechados dentro da própria direção do PT, não se sabe que compromissos estão sendo transacionados. Então, é uma insegurança absoluta e total. Você não consegue explicar para a base, não consegue explicar para seu vizinho, para seu parente. Você não sabe o que está acontecendo. O que atrapalha o essencial, que seria a retomada da política dentro do PT.

Qual o futuro do PT?
Não sei, mas também não estou vendo nenhuma saída fora do PT. Então, é melhor esgotar aqui. Não acho simples pegar toda essa experiência histórica, política, desses movimentos todos, que deu no PT e jogar fora. Eu não vejo onde essas pessoas vão se encontrar. Ou temos essa composição social, dos movimentos de base – MST, sindicais, movimentos populares, de bairro – ou não temos. Se não temos, não faz sentido continuar. Se temos, é bom botar as coisas no seu lugar, ver como é que se relaciona com o governo. Por exemplo, eu gosto muito do Genoino, mas ele me parecia mais um porta-voz do governo do que presidente do partido. Essa confusão já houve. Tem muita coisa fora do lugar. Então, vamos ver se é possível o PT, primeiro, ser partido. Partido integrante de um governo. Partido que não se confunde com o governo. Vamos ver se o PT consegue retomar as energias e o clamor que vêm dos movimentos sociais. Ele nasceu assim. Não estou dizendo voltar às raízes. O PT tem de evoluir, mas não pode perder a interlocução com os movimentos sociais. Do contrário, começa a virar elucubração de iluminados, de grupos fechados. E aí vai terminar na política tradicional, de caciques sem índios, o que a gente criticou nos outros. Não sei se é uma doença senil dos partidos de esquerda, que com o tempo acabam se desvinculando.
Mas em 85, quando o Paulo Frateschi deu uma saída para o PSB, correu um boato de que eu estava saindo também. Disse ao Lula e ao Luiz Eduardo: “Não só não estou saindo como, no dia em que sair, vou jogar a chave debaixo da porta”. Ou seja, seria o último. Isso vale para hoje também.

Ricardo de Azevedo é coordenador editorial de Teoria e Debate