Nacional

É preciso criar condições para realizar uma transição "pós-neoliberalismo"

Vivemos um período de avanço da esquerda política e social em nosso continente. Um forte sinal disso é a presença simultânea dos presidentes Lula, Chávez, Evo Morales, Michelle Bachelet e Tabaré Vázquez no governo de seu respectivo país. Aos quais se deve somar Fidel, óbvio.

Esse avanço poderá ser aprofundado em 2006, principalmente com o resultado das eleições no Peru, no México, na Nicarágua, em El Salvador e na Colômbia, entre outras. Mas também poderá ser retardado ou revertido, em especial se perdermos as posições conquistadas no Brasil e na Venezuela (eleições em dezembro de 2006).

Aprofundar a “esquerdização” continental é um dos motivos pelos quais devemos lutar por um segundo mandato presidencial. Há outros: o que fizemos no governo; o que deixamos de fazer, mas poderemos realizar num segundo mandato; a onda reacionária que resultaria de uma eventual vitória dos partidos neoliberais. As declarações fascistas e racistas do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), as ameaças da deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP) contra a CUT e os ataques da direita na CPMI da Terra revelam o que nos espera, se algo sair errado.

Em 2006 precisamos mais do que reeleger Lula: necessitamos criar as condições políticas, institucionais e sociais que nos permitam realizar um segundo mandato superior ao primeiro. Um mandato que faça a transição rumo ao “pós-neoliberalismo”.

Vivemos um período de avanço da esquerda política e social em nosso continente. Um forte sinal disso é a presença simultânea dos presidentes Lula, Chávez, Evo Morales, Michelle Bachelet e Tabaré Vázquez no governo de seu respectivo país. Aos quais se deve somar Fidel, óbvio.

Esse avanço poderá ser aprofundado em 2006, principalmente com o resultado das eleições no Peru, no México, na Nicarágua, em El Salvador e na Colômbia, entre outras. Mas também poderá ser retardado ou revertido, em especial se perdermos as posições conquistadas no Brasil e na Venezuela (eleições em dezembro de 2006).

Aprofundar a “esquerdização” continental é um dos motivos pelos quais devemos lutar por um segundo mandato presidencial. Há outros: o que fizemos no governo; o que deixamos de fazer, mas poderemos realizar num segundo mandato; a onda reacionária que resultaria de uma eventual vitória dos partidos neoliberais. As declarações fascistas e racistas do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), as ameaças da deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP) contra a CUT e os ataques da direita na CPMI da Terra revelam o que nos espera, se algo sair errado.

Em 2006 precisamos mais do que reeleger Lula: necessitamos criar as condições políticas, institucionais e sociais que nos permitam realizar um segundo mandato superior ao primeiro. Um mandato que faça a transição rumo ao “pós-neoliberalismo”.

Isso exigirá mais força institucional, através da eleição de senadores, deputados federais, governadores e deputados estaduais de esquerda, em particular petistas. Exigirá combinar alianças institucionais com uma sólida aliança com os movimentos sociais e com a intelectualidade progressista. Exigirá organizar os setores populares que se identificam com nosso governo e com o presidente Lula.

Por fim, mas não por último, exigirá uma campanha que aposte na polarização social, política e programática entre o campo democrático e popular e as forças neoliberais. Uma campanha que trate da herança deixada pelos governos tucanos e conservadores, que ataque as alternativas programáticas apresentadas pelo PSDB-PFL, que reconheça as realizações e os limites do governo Lula. Por motivos de espaço, trataremos neste texto apenas deste último aspecto.

O balanço

Um balanço completo do governo Lula é uma tarefa para o futuro, seja porque o governo ainda não concluiu seu mandato, seja porque o viés desse balanço dependerá em parte do resultado da eleição de 2006, seja ainda porque um balanço completo envolverá a reconstituição sistemática da ação do governo e uma análise comparada com outros governos similares ao nosso.

Esse balanço deverá levar em conta o contexto histórico em que atuamos, marcado pela hegemonia neoliberal, pela crise do socialismo, por uma brutal dívida social & democrática, bem como pelo refluxo das organizações e da luta da classe trabalhadora, inclusive do ponto de vista ideológico.

O balanço que podemos e devemos fazer agora tem, portanto, um caráter instrumental, a saber, servir de insumo para a elaboração das diretrizes do programa de governo 2007-2010 e, também, como elemento de coesão da militância, para que abrace com vontade a missão de vencer nas eleições de 2006.

Nosso desafio é apresentar um balanço crítico (sem o qual não haverá como avançar, como fazer algo melhor), mas ao mesmo tempo capaz de sustentar a defesa do voto em Lula e nos demais candidatos do PT.

Defender o governo Lula não é apresentar um rol de suas realizações, embora estas possam constituir um elemento da defesa do governo.

Defender o governo Lula também não é exagerar no balanço positivo das ações da administração federal.

Claro que há os que pensam que, frente a um balanço negativo ou simplesmente realista, só restaria como alternativa fazer oposição. Nesse sentido e paradoxalmente, compartilham com o esquerdismo do PSTU e PSOL um pressuposto básico: acreditar que a defesa do voto em Lula, em 2006, decorre única ou principalmente de realizações positivas de seu governo. É como se dissessem: “Se o governo não for o máximo, não merece ser defendido”. Não percebem que a necessidade de derrotar a direita e a possibilidade de construir um futuro diferente também são fatores de motivação.

Trata-se de algo óbvio: num país e num mundo que seguem sob a hegemonia do capital financeiro, do imperialismo e das idéias neoliberais, nossa presença no governo, mesmo com todas as limitações, é objetivamente positiva, seja porque deslocamos forças políticas e sociais que ocupavam o governo durante o tucanato, seja porque detivemos ou retardamos processos que estavam em curso no governo anterior (o programa de privatizações, a repressão aos movimentos sociais, a adesão acelerada à Alca).

Por outro lado, faltou ao governo Lula ter e seguir um plano estratégico cujo objetivo fosse superar a hegemonia neoliberal. Esse objetivo estava nas resoluções do 12º Encontro Nacional do PT, que falava em ruptura com o neoliberalismo. Estava presente nas posições que, em 2003, falavam de uma transição de modelo. Mas nunca chegou a fazer parte da política, além de desaparecer rapidamente do discurso da “área econômica”, que, ao invés de ruptura e transição, passou a praticar um ajuste fiscal permanente e falar em déficit zero.

Para agravar, desde 2004 até o final de 2005, a Fazenda e o Banco Central ocuparam (ou fizeram com que ocupassem) a condição de “pilares” do governo, competindo inclusive com o presidente eleito. E, como a política monetária desenvolvida pela Fazenda resulta em medidas impopulares (altas taxas de juros e superávit primário, cortes e contingenciamentos de verbas orçamentárias, redução nos investimentos etc.), isso contaminou o conjunto do governo com um discurso e uma prática que conflitavam pesadamente com as expectativas das bases partidárias, eleitorais e sociais do campo democrático e popular.

Esse conflito (que se tentava minimizar falando dos efeitos positivos da contenção da inflação) veio num crescendo, devido ao enorme êxito com que a Fazenda e o BC transferem recursos da sociedade brasileira, através da taxa de juros e do superávit primário, em direção ao capital financeiro.

Tal transferência é tão intensa que confere à política do BC e da Fazenda total predomínio sobre o conjunto do que podemos denominar de “política econômica do governo”. Como resultado, não se rompe a hegemonia do capital financeiro sobre a economia nacional.

É claro que há componentes contraditórios na política econômica, que permitem a aventura de tentar defendê-la “pela esquerda”, citando as medidas de reconstrução do Estado e sua capacidade de planejamento, a interrupção do programa de privatizações, a política energética, a recuperação e a política de crédito barato dos bancos públicos, os saldos na balança comercial, a relação dívida–PIB, o pagamento antecipado de parcelas da dívida com o FMI. É muito presente, também, o argumento segundo o qual os “fundamentos” da política econômica estariam corretos, havendo problemas e exageros na “operação”.

Em tudo isso há verdade e efeitos positivos, mas tomados no todo não conseguem quebrar a lógica imposta pelo capital financeiro ao conjunto da sociedade brasileira.

As medidas de reconstrução da capacidade de intervenção e planejamento do Estado são lentas e não conseguiram alterar qualitativamente a situação armada pelo governo FHC. Uma aceleração dependeria de investimentos que foram contidos pelo endividamento, pelo superávit primário, pela taxa de juros, pelo contingenciamento orçamentário e pela matriz tributária.

É verdade que o programa de privatizações de estatais foi interrompido, com algumas exceções e sem auditoria nem reversão das privatizações feitas. As “agências” seguiram funcionando e algumas ex-estatais, agora privatizadas, mantiveram enorme autonomia, por exemplo, na definição de tarifas, que têm impacto na taxa de inflação. Além disso, o governo manteve a política das “concessões” e busca institucionalizar as chamadas “parcerias público-privadas”, revelando uma ilusão nas possibilidades do setor privado de alavancar um novo ciclo de investimentos.

Os comemorados saldos na balança comercial são oriundos de um conjunto de variáveis, desde um cenário internacional favorável, passando pela precariedade do mercado interno, incluindo aí a baixa remuneração da força de trabalho. A existência de saldos positivos não configura, de per si, algo necessariamente ou apenas positivo do ponto de vista macroeconômico. Basta lembrar os efeitos causados pelo excesso de dólares na economia, com a conseqüente valorização do real. Ademais, o que é feito com as divisas obtidas? Qual o impacto do “sucesso exportador” na estrutura socioprodutiva? Qual a pauta de exportações e como isso localiza o país na “divisão internacional do trabalho”?

Quanto à redução na relação dívida–PIB, custou um enorme esforço social, mas não nos tirou do patamar herdado do governo anterior. O serviço dessa dívida faz a festa, dizem, de umas 20 mil famílias, naquilo que críticos sérios denunciam como uma ”política social” regressiva.

Sobre a estabilidade monetária (pois não se pode falar em “estabilidade econômica” num país cuja taxa de juros é das maiores do mundo), dizer que ela é um “fundamento” não significa absolutamente nada. O governo soviético, logo após a revolução de 1917, defendia a importância de manter estável o valor do rublo. A busca da estabilidade do valor da moeda pouco informa acerca do conteúdo da política estatal em vigor. Salvo, é claro, se estivermos diante da mitomania monomaníaca monetarista e agora neoliberal, que faz do combate à inflação uma obsessão a ser satisfeita em detrimento de todas as outras variáveis, exceto o serviço das dívidas financeiras.

Outra orientação

A tarefa central de nosso governo era e continua sendo servir de ponto de apoio para a construção de um Brasil pós-neoliberal. Essa não é uma tarefa “econômica”, ao contrário: derrotar a hegemonia neoliberal exige construir uma contra-hegemonia política e cultural, sem o que não se conseguirá destronar a ditadura do capital financeiro. Por isso mesmo, não se poderia ter deixado o governo ficar prisioneiro dos limites do discurso, muito menos da ação, assumidamente continuísta da Fazenda e do BC.

As melhores áreas do governo são exatamente aquelas, como a política externa, em que se conseguiu manter algum nível de autonomia pelo menos frente ao discurso economicista.

Nosso segundo mandato necessita, portanto, muito mais do que de outra política econômica. Precisamos de uma nova orientação política global, que parta de alguns pressupostos:

a) No Brasil e em toda a América Latina, continua posta a tarefa de superar a hegemonia neoliberal, nas suas três dimensões: o domínio imperial norte-americano, a ditadura do capital financeiro e a tara do Estado mínimo, cujo enfrentamento exige aprofundar e radicalizar as iniciativas de integração latino-americana e caribenha;

b) Duas décadas perdidas, uma delas de hegemonia neoliberal, produziram uma tragédia que está longe de ser debelada e só o será através de reformas estruturais e de políticas sociais universalizantes;

c) É imperioso democratizar radicalmente o país, o que inclui mudanças no modelo de Estado, mecanismos de controle social, reforma política, combate ao monopólio dos meios de comunicação, fortes políticas de cultura e educação;

d) Precisamos de um desenvolvimento centrado na ampliação do público e do social, da produção e do mercado interno de massas, o que exige vultosos investimentos estatais em infraestrutura, políticas sociais e reformas estruturais (com destaque para a reforma agrária e a urbana). O PPA deve apontar, desde já, para o crescimento do orçamento dessas áreas, em detrimento dos encargos da dívida financeira;

e) O Banco Central deve perseguir metas de inflação, crescimento e emprego. As taxas de juros devem ser compatíveis com as metas de crescimento e emprego. A redução da relação dívida–PIB será buscada não na manutenção de altas taxas de superávit primário, mas sim através do crescimento do Produto Interno Bruto.

Os limites

Amplos setores do partido gostariam de aproveitar o 13º Encontro para fazer um balanço profundo, seja da crise que vivemos em 2005, seja da nossa experiência de governo. Outros gostariam, também, de travar um debate sobre a concepção, o funcionamento e a estratégia do PT.

Todas essas questões são relevantes e é fundamental que o partido as enfrente. Mas o espaço para fazê-lo, na profundidade necessária, será o III Congresso do Partido, que deve ser realizado em 2007. No 13º Encontro, aquelas e outras questões serão tratadas, mas de maneira coerente com nosso objetivo central em 2006: vencer as eleições presidenciais.

Falando claro: não será agora que faremos o necessário acerto de contas com as concepções estratégicas que vigoraram no PT entre 1995-2005. Essa é uma tarefa a ser perseguida depois da vitória. A tarefa da hora é impedir que a coligação neoliberal (PSDB-PFL) reconquiste o governo.

Valter Pomar é secretário de Relações Internacionais do PT