Nacional

Retomar a idéia presente desde 1989: elaborar um projeto nacional de desenvolvimento

Sete meses antes da realização do primeiro turno, quando estas notas são escritas, o quadro da eleição presidencial ainda se apresenta incerto. Não estão claramente configuradas as candidaturas, ainda que seja previsível a aliança PSDB-PFL, aglutinando as forças de centro-direita, como principal expressão oposicionista. O próprio presidente Lula não anunciou sua disposição de disputar a reeleição. Todas essas indefinições aparecem também na pouca nitidez do debate programático, sobretudo no campo das oposições, mais preocupadas em atacar o governo do que em apresentar propostas concretas. Essa situação se explica em boa medida pela ambigüidade do discurso oposicionista que procura combinar um programa conservador – retomada e radicalização das privatizações, Estado mínimo, mão dura com os movimentos sociais –, anunciado pelo PFL, com acenos desenvolvimentistas, feitos sobretudo pelos partidários de José Serra.

Para o PT a eleição de 2006 tem algumas especificidades.

Primeiro – diferentemente de 1989, 1994, 1998 e 2002 –, o Partido dos Trabalhadores disputará a Presidência da República não mais como força de oposição, mas como partido de situação. Isso lhe exigirá não só uma proposta programática consistente como um balanço do governo Lula que permita definir as relações de continuidade entre este mandato e o próximo.

Em segundo lugar, o impacto nacional e internacional que teve a eleição de Lula em 2002 coloca sobre a coalizão de forças hoje governante – e especialmente sobre o PT – enormes responsabilidades, que vão além de dar continuidade ao trabalho até agora feito. São necessárias mudanças qualitativamente diferentes. Na América Latina, mas não só nela, as atenções de milhões estarão concentradas no desdobramento da situação política brasileira. Ainda que o Partido dos Trabalhadores não tenha buscado transformar sua experiência em exemplo, modelo ou paradigma, é evidente que os resultados eleitorais de outubro terão fortes repercussões sobre as forças de esquerda no continente e em outras partes do mundo, da mesma forma que incidirão profundamente sobre a evolução política da América Latina.

Sete meses antes da realização do primeiro turno, quando estas notas são escritas, o quadro da eleição presidencial ainda se apresenta incerto. Não estão claramente configuradas as candidaturas, ainda que seja previsível a aliança PSDB-PFL, aglutinando as forças de centro-direita, como principal expressão oposicionista. O próprio presidente Lula não anunciou sua disposição de disputar a reeleição. Todas essas indefinições aparecem também na pouca nitidez do debate programático, sobretudo no campo das oposições, mais preocupadas em atacar o governo do que em apresentar propostas concretas. Essa situação se explica em boa medida pela ambigüidade do discurso oposicionista que procura combinar um programa conservador – retomada e radicalização das privatizações, Estado mínimo, mão dura com os movimentos sociais –, anunciado pelo PFL, com acenos desenvolvimentistas, feitos sobretudo pelos partidários de José Serra.

Para o PT a eleição de 2006 tem algumas especificidades.

Primeiro – diferentemente de 1989, 1994, 1998 e 2002 –, o Partido dos Trabalhadores disputará a Presidência da República não mais como força de oposição, mas como partido de situação. Isso lhe exigirá não só uma proposta programática consistente como um balanço do governo Lula que permita definir as relações de continuidade entre este mandato e o próximo.

Em segundo lugar, o impacto nacional e internacional que teve a eleição de Lula em 2002 coloca sobre a coalizão de forças hoje governante – e especialmente sobre o PT – enormes responsabilidades, que vão além de dar continuidade ao trabalho até agora feito. São necessárias mudanças qualitativamente diferentes. Na América Latina, mas não só nela, as atenções de milhões estarão concentradas no desdobramento da situação política brasileira. Ainda que o Partido dos Trabalhadores não tenha buscado transformar sua experiência em exemplo, modelo ou paradigma, é evidente que os resultados eleitorais de outubro terão fortes repercussões sobre as forças de esquerda no continente e em outras partes do mundo, da mesma forma que incidirão profundamente sobre a evolução política da América Latina.

O papel que o programa de governo terá na campanha eleitoral é fundamental, mas não elimina outros fatores de grande importância.

O PT viveu uma grave crise em 2005 – a pior de toda a sua história –, que teve conseqüências negativas sobre o governo. Ainda que a crise não tenha tido o desfecho que a maioria das oposições e parte da mídia esperavam – o impeachment do presidente e/ou a cassação do registro do PT –, é indiscutível que a imagem partidária foi fortemente afetada.

O partido soube enfrentar internamente os difíceis meses que viveu no ano passado. Com a participação maciça da militância, renovou suas direções e abriu um debate – ainda não concluído – para apurar responsabilidades e sobretudo analisar as raízes mais profundas de sua crise. A despeito do impacto público que essas iniciativas tiveram, há ainda amplos setores da sociedade brasileira, incluindo alguns muito próximos do partido, que estão à espera de uma explicação mais cabal do acontecido. Essa satisfação à sociedade é um imperativo democrático e, ao mesmo tempo, uma forma de contra-atacar a ação insolente de uma direita reacionária e corrupta que tratou de aproveitar-se da conjuntura para buscar varrer o PT e as esquerdas da política brasileira.

A crise de 2005 se fez mais intensa na medida em que governo e PT não foram capazes de expor à sociedade brasileira o conjunto importantíssimo de realizações da administração Lula, o que será fundamental fazer para construir o programa do período 2007-2010.

Falhas de comunicação e de coordenação política impediram que as conquistas do governo, que o singularizam na história republicana recente, fossem conhecidas e valorizadas. Não fomos capazes de mostrar a situação real em que se encontrava o país – a herança recebida – quando Lula assumiu a Presidência, seja do ponto de vista estrutural, seja no que se refere à gravíssima conjuntura macroeconômica de 2002.

Essa omissão em parte se explica pela necessidade de não agravar mais a situação econômica em que se encontrava o país em 2002-2003.

Quando o governo teve de lançar mão de medidas amargas para impedir um novo surto inflacionário, que se ocorresse seria fatal para o novo governo, não fomos capazes de explicar que essa política correspondia a um período de transição, necessário para poder cumprir os grandes objetivos que levaram dezenas de milhões a votar em Lula para presidente.

Por “transição” não se deve entender que, uma vez debeladas as principais ameaças que pesavam sobre a economia brasileira, o governo negligenciaria no controle das principais variáveis macroeconômicas.

Na virada de 2004 para 2005, quando o país já celebrava um crescimento apreciável do PIB, decorrente da política econômica aplicada, o presidente anunciou a seus ministros que o país precisava acelerar seu crescimento, que este devia ser resultante do incremento da distribuição de renda, que devia dar-se sem desequilíbrios macroeconômicos, perseguindo a diminuição da vulnerabilidade externa e buscando a integração regional.

Essa fala foi mais tarde muitas vezes ofuscada por um discurso que privilegiava o ajuste econômico, ao lado dos pronunciamentos conservadores do Copom, que entendeu só poder controlar a inflação por meio de uma política monetária ortodoxa, que teve a oposição de todas as centrais sindicais, dos setores produtivos do empresariado, das universidades, e o aplauso da Febraban.

O enfrentamento desses desafios é central para a formulação do Programa de 2006. Será necessário expor a situação estrutural e conjuntural em que se encontrava o país em 2002, quando Lula venceu as eleições, para dar conta das opções políticas adotadas e valorizar o trabalho feito em três anos, mostrando como, ao lado de realizações concretas, imediatamente tangíveis, foram criadas bases para dar um grande salto no segundo mandato, que corresponda cada vez mais às esperanças depositadas em Lula por dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros. Um governo que foi capaz de evitar a catástrofe que nos ameaçava e ainda desenvolver um substancioso projeto de realizações em condições tão difíceis está apto a aprofundar e radicalizar o até aqui conquistado.

Não houve continuidade entre o governo atual e seu antecessor.

A política econômica atual conseguiu resolver os gravíssimos problemas deixados pela administração FHC. Reduziu a inflação, que crescia em forma exponencial. Diminuiu a relação dívida internaa–PIB. Através da expansão sem precedentes do comércio exterior e de outras medidas, logrou uma drástica redução na vulnerabilidade externa do país. Isso se traduziu não só em elevados saldos comerciais como em importantes superávits nas contas externas. Desdolarizou-se a dívida interna. Reduziu-se a dívida externa e melhorou-se substancialmente seu perfil. O país saldou seus compromissos com o FMI e hoje não sofre mais o constrangimento de seu monitoramento. Tudo isso derrubou o risco país de 2.400 pontos, em 2002, para 200 pontos, em março de 2006.

Essas conquistas macroeconômicas, importantes para dar sustentabilidade a um novo e prolongado período de desenvolvimento, não impediram que o país crescesse no curto prazo, ainda que aquém de nossos desejos e possibilidades. Ao fim de 2006 a comparação com o governo anterior deixará claro que Lula pôs o país de novo no caminho do crescimento, depois de mais de duas décadas de marasmo de nossa economia.

Mais importantes são, no entanto, as conseqüências sociais dessa orientação de governo. Cresceu o emprego, e um emprego formal, a um ritmo mensal dez vezes superior ao período precedente. Houve importantes aumentos reais de salários, sobretudo do salário mínimo. Aumentou o poder aquisitivo do trabalhador em relação à cesta básica. O crédito consignado e o microcrédito tiveram forte expansão, o que explica em parte o dinamismo da economia, apesar do forte arrocho monetário. A agricultura familiar recebeu quatro vezes mais recursos que no passado. Agora se pode falar efetivamente em reforma agrária, não só porque as metas de assentamento de famílias serão cumpridas, mas porque se prestou aos assentados o apoio necessário para seu desenvolvimento. Medidas fiscais recentes contribuirão para uma expansão dos programas de moradia.

Um gigantesco programa de transferência de renda – o Bolsa-Família, carro-chefe do Fome Zero – dá cobertura a 9 milhões de famílias, ao mesmo tempo que reforça a proteção em matéria de educação e saúde. Não pode ser desqualificado como “assistencialismo”. Deve ser entendido como medida transitória, mas necessária, pois nenhuma outra política poderia atenuar em curto e médio prazo a enorme dívida social deste país, responsável pela exclusão de cerca de 40 milhões de homens, mulheres e crianças.

É inegável que o Bolsa-Família, associado aos demais efeitos da política econômica em matéria de emprego e renda, está na base das transformações que a última Pnad apontou em nossa sociedade: diminuiu o número de pobres e reduziram-se as desigualdades sociais, a maior chaga de nosso país.

O Luz para Todos contribuiu para a inclusão social de 2 milhões de famílias que viviam à margem dos benefícios da eletricidade. Ele é uma pequena amostra da grande revolução por que vem passando o setor energético brasileiro, vítima, no passado, da irresponsabilidade e imprevisão dos governantes. Há visão estratégica, própria de um Estado que assumiu plenamente suas funções e se ocupa em dar sentido estratégico à sua intervenção na economia. Reconstrói-se a infra-estrutura e criou-se, com a Lei de PPP, a possibilidade de acelerar sua reconstrução. As grandes estatais – Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Infraero, BNDES, para citar só algumas – cumprem plenamente suas funções no desenvolvimento nacional e exibem uma rentabilidade incomparável.

Os programas Saúde Bucal, Médico de Família, Farmácia Popular, Samu representam uma inflexão significativa na área da saúde.

Na educação está ocorrendo a mudança que, por suas implicações futuras, terá o maior impacto no desenvolvimento do país. O Fundeb, recentemente aprovado, garantirá qualidade ao ensino público, constituindo-se, assim, em um importante instrumento de correção de desigualdades. A universidade passa por um novo momento: amplia-se, com a criação de novas unidades e a expansão de campi e com novos recursos para salários e pesquisa. O ProUni está mudando a composição social e étnica da universidade brasileira, junto com as outras medidas de democratização do ensino. As políticas industrial e de ciência e tecnologia reforçam a vocação de pesquisa das universidades e outras instituições científicas e preparam o Brasil para uma inserção competitiva no mundo de hoje.

No plano ambiental, colhem-se grandes resultados, como demonstram a redução dos índices de desmatamento e as novas políticas sobre florestas e recursos hídricos. Prossegue a política de demarcação de terras que garante 12% do território às populações indígenas. O incentivo à produção e pesquisa sobre combustíveis renováveis – hoje reconhecido internacionalmente – contribui para nossa soberania energética e para a redução do efeito estufa.

No plano político, este governo estabeleceu nova relação com os movimentos sociais, que têm sido interlocutores na definição das políticas agrária, salarial, sindical, orçamentária e de todas as políticas públicas que foram objeto de conferências nacionais. Inverteu-se a tendência de reprimir os movimentos que marcou o governo anterior.

A Ouvidoria, a Polícia Federal, o Ministério Público desenvolveram trabalho incansável no combate à corrupção. Quando integrantes do Executivo foram acusados de atos ilícitos e investigados pelo Legislativo e pelo Judiciário, os órgãos do governo subministraram regular e abertamente as informações necessárias para que a justiça fosse feita.

Finalmente, o Brasil passou a ocupar o lugar que merece no mundo. Uma política externa independente, sem ranços ideológicos, mas com profundo sentido de soberania nacional, lançou um consistente programa de integração continental, de que são prova a expansão do Mercosul e a constituição da Comunidade Sul-Americana de Nações. O Brasil reaproximou-se da África, estabeleceu parcerias com o mundo árabe, fortaleceu os laços Sul-Sul, sobretudo com China, Índia, África do Sul e Rússia. Manteve relações fluidas com os Estados Unidos e com a União Européia e interveio nas grandes instâncias multilaterais – OMC, FMI, ONU –, defendendo sempre um mundo de paz, mais equilibrado econômica e socialmente, respeitoso dos direitos humanos e da lei internacional e multilateral.

Este balanço, ainda que incompleto, dá a exata dimensão da imensa obra realizada pelo governo Lula, em meio a dificuldades econômicas, sociais e institucionais sabidas.

Isso não significa, no entanto, que não devamos reconhecer as limitações objetivas e subjetivas que marcam esses pouco mais de três anos de governo. Não se pode propor programaticamente apenas a continuidade do governo a partir de 2007.

O trabalho realizado no primeiro mandato, além dos resultados tangíveis antes resumidos, cria condições para enfrentar os grandes desafios que estiveram na origem do PT e, sobretudo, nas grandes jornadas de 2002 que levaram Lula à Presidência.

Sob o signo da esperança, Lula recebeu a mais consagradora votação que um brasileiro obteve em nossa história. Nos momentos mais agudos da crise de 2005, as oposições tentaram colar no governo o estigma da “decepção”, sentimento que teria sucedido à frustração da esperança passada.

Meses depois, quando as pesquisas passaram a indicar de novo o favoritismo de Lula, as mesmas oposições não hesitaram em desqualificar essa preferência como fruto da “falta de memória do povo”, do “populismo” do governo que manipula programas sociais.

Não lhes ocorreu atribuir à maioria da sociedade, sobretudo às classes trabalhadoras, em primeiro lugar uma racionalidade política que lhe permitisse entender as dificuldades que cercam um governo popular no Brasil. Tampouco foram capazes de compreender a solidariedade que liga os iguais, a capacidade dos trabalhadores de reconhecer quem são os “seus”. E não se lhes acuse de “falta de memória”. Eles a têm muito boa. Sobre a história do Brasil e, em especial, sobre as últimas décadas. Por isso estão fazendo sua opção, que é a de reencontro com a esperança de 2002.

Há base para tanto. O governo tem credibilidade para renovar seu contrato com a sociedade. Tem de explicitá-lo, retomando uma idéia que esteve presente desde a campanha de 1989: a necessidade de um grande projeto nacional de desenvolvimento, que ponha fim à ainda persistente tragédia social brasileira.

Os elementos fundamentais desse projeto devem ser:
• A retomada acelerada do crescimento, em sintonia com as enormes demandas de inclusão social, de construção de uma grande infra-estrutura e de um moderno setor produtivo.

• A distribuição de renda como fator essencial do crescimento, o que implica avançar na constituição de um grande mercado de bens de consumo de massas e nas reformas sociais.

• O equilíbrio macroeconômico, que dê sustentabilidade a um crescimento livre de inflação, grandes desequilíbrios fiscais ou endividamentos externos.

• A redução da vulnerabilidade externa, que permita diminuir ao máximo os constrangimentos internacionais nesta era de globalização. Só com soberania nacional se alcança a plena soberania popular.
• Uma política externa independente, de paz, respeitosa do multilateralismo, centrada sobretudo na integração sul-americana e na solidariedade com os países do Sul.

• O fortalecimento da democracia, seja pela conclusão de reformas político-institucionais que dêem ao Estado representatividade, transparência e eficácia, seja pela multiplicação de mecanismos de seu controle social, o que exige um espaço público onde se criem novos direitos.

Arriscaria dizer que o próximo governo Lula deveria eleger uma meta que fosse capaz de sintetizar todos esses pontos. Essa meta pode ser a da educação. Educação entendida em sentido lato. Como instrumento de inclusão e igualdade socioeconômica. Como forma de acesso à plena cidadania. Como elemento capaz de garantir a soberania e a construção da identidade nacional. Como atividade ligada à ciência, à tecnologia, ao mundo das artes e da cultura, elementos essenciais de um projeto de um outro Brasil.

Finalmente, um programa não pode ser o resultado apenas de um racional mergulho na realidade do país, em busca de diagnósticos e soluções. Deve ser uma construção coletiva, em que a paixão conduz ao voluntarismo, inseparável da ação política, ampliando limites, colocando sempre novos desafios.

Marco Aurélio Garcia é primeiro-vice-presidente do PT, assessor Especial de Política Externa do presidente da República e professor licenciado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)