Nacional

Entrevista com José Dirceu

Advogado e militante do PT, é assim que se define o ex-ministro-chefe da Casa Civil,  nesta entrevista em que faz um balanço do governo Lula e de sua relação com o PT, colocando-se à disposição para trabalhar pela reeleição do presidente.

Que leitura você faz do processo que culminou na sua cassação?
Nada como um dia após o outro. Cada acontecimento político vai desmascarando o comportamento do PSDB e do PFL e de grande parte da mídia. Basta ver o que está acontecendo com o processo de cassação do Roberto Brant. Os dois partidos tiraram membros do Conselho de Ética e votaram pela absolvição do deputado. Imagine se o PT tivesse feito isso! Caía o mundo. Não há fato mais grave do que esse. Não estou entrando no mérito se o Roberto Brant tem de ser cassado ou não. Nunca foi objetivo do PSDB, do PFL e de grande parte da mídia combater a corrupção ou o caixa dois no Brasil. Eu, como chefe da Casa Civil, petista, deputado licenciado, jamais autorizei, fui conivente, prevariquei em relação a qualquer ação ilícita de qualquer cidadão, deputado, presidente de partido, ministro ou funcionário público. Também não há nenhuma prova de que o governo e ministros teriam participado de qualquer ação que possa ser capitulada como corrupção. A questão do caixa dois do PT está resolvida. O partido está respondendo por isso na Justiça comum e eleitoral. O problema é que isso só vale para o PT, e não para os outros partidos. Evidentemente houve e há uma tentativa de desestabilizar e inviabilizar o governo do Lula, impedir sua reeleição e carimbar o PT como um partido corrupto. Mais do que isso, como organização criminosa.

Tudo o que estão fazendo em torno do caso do assassinato do Celso Daniel e muitas vezes do Toninho (Antonio da Costa Santos, prefeito de Campinas assassinado em setembro de 2001) é para passar à opinião pública a imagem do partido envolvido com crime e corrupção – sendo que o PT foi vítima de ambos os assassinatos. O caso de Santo André é escandaloso. Faz cinco anos que investigam corrupção no município. Porque não processam e condenam os corruptos? Porque não há prova de corrupção. A morte do Celso Daniel fez quatro anos. Já foi feito o inquérito, foram denunciados, processados e estão presos os réus. E não há indícios e provas de que o crime tenha tido outra motivação...

Depois da imagem e da história do PT e do presidente Lula, fui a principal vítima desse processo. A oposição sempre trabalhou para a minha saída do governo e pela minha cassação. Por ocasião do caso Waldomiro Diniz, já falavam que eu ia ser demitido e cassado. Houve articulista da Folha de S.Paulo que escreveu isso. Agora está acabando a CPI dos Bingos, está acabando o inquérito da Polícia Federal e eu não sou sequer citado. O caso Waldomiro aconteceu no Rio de Janeiro no governo Garotinho, o Lula não era presidente e eu não era ministro.

No governo do presidente Lula não há nada que prove que eu tenha qualquer tipo de relação por omissão ou participação em qualquer ação do Waldomiro Diniz que possa ser denunciada como ilícita. Os tucanos agem assim: o que diz respeito ao PT e ao governo, já está tudo transitado em julgado e estamos condenados, mas, quando se refere a eles, o senhor Alberto Goldman sobe na tribuna da Câmara e declara que não houve processo legal, não transitou em julgado, portanto não se pode acusar o deputado Eduardo Azeredo nem o PSDB de nada. Vivemos uma grande hipocrisia. A leitura da direita é que o PT é corrupto, eu sou o chefe do mensalão e o governo do Lula é o mais corrupto da história. Quem de fato construiu uma leitura de esquerda dessa crise foram Wanderley Guilherme dos Santos, Marilena Chaui, Emir Sader, Dalmo Dallari, Paul Singer, Wagner Tiso... Precisou um músico dizer ao país o que estava acontecendo com o PT, com o governo e comigo.

Que autoridade moral têm o PFL, o PSDB e grande parte da mídia? É só ver como a mídia se construiu no Brasil: à sombra do poder econômico e da ditadura militar. Para mim isso não terminou. Posso levar dez, quinze, vinte anos, mas provo minha inocência. A mim não foi dado o direito nem de presunção de inocência, nem de que o ônus da prova cabe ao acusador. Não me foi dado o direito de defesa, tive de conquistar meu direito de defesa na Câmara primeiro e no Supremo Tribunal Federal depois. Fui prejulgado, condenado, depois procuraram construir um processo com provas e não conseguiram – e me cassaram. Minha cassação é totalmente ilegal e inconstitucional, pois não há crime político na Constituição. Não há provas contra mim. Tanto que está acabando o inquérito sobre o mensalão na PF e a Folha faz uma matéria que me inocenta no título e no texto reafirma que sou o pai intelectual do mensalão e agora também da corrupção nos fundos de pensão. Não está provado que os recursos tenham outra origem que não os empréstimos no Banco Rural e no BMG. Toda vez que se chega a IRB, Correios, Gtech, volta para o governo Fernando Henrique. Lá que estão as denúncias de perdas do erário.

Então, ao que parece, PT e governo foram tímidos ao enfrentar a crise e quem a promoveu?
Tem uma atenuante para o PT e o governo porque foi uma tragédia que se abateu sobre nós, envolveu toda a militância, a opinião pública petista, e houve um estado de choque, perplexidade e decepção. O filiado e o eleitor do PT têm o direito de cobrar. E tomar as decisões que foram tomadas. Eu votei contra a expulsão do Delúbio porque queria que primeiro fossem concluídos os processos, por isso optei por uma suspensão de três anos. Mas a maioria decidiu pela expulsão, e o Silvio Pereira decidiu se desfiliar.

Não vejo nenhum inconveniente que se faça comissão de ética, comissão de sindicância. Ninguém neste país está sendo mais investigado do que eu. Se o PT quiser enveredar por esse caminho, é uma decisão. O Diretório Nacional do partido por três vezes se negou a isso. O que eu acho correto. A não ser que queiram fazer processo político, processo de Moscou, julgar politicamente os erros que foram cometidos no PT. Se for isso, eu aceito e participo. É só convocar um congresso extraordinário.

No dia 19 de setembro, o PT fez a primeira nota depois de setenta dias da renúncia do Genoino, na qual denuncia o processo que ocorria no país, que a pretexto de combater a corrupção no governo federal e a pretexto de denunciar caixa dois no PT – somente dele, dos outros, não – iniciou-se uma campanha para destruir o partido, inviabilizar o governo e promover o impeachment do Lula. O que não fizeram porque não tiveram força, nem na sociedade, nem base legal.

Eu convoquei o partido para mobilizar suas bases e a opinião pública petista para enfrentar o que vinha. Não foi a estratégia assumida. A estratégia foi desmobilizar o partido e a base social e não enfrentar o debate político-ideológico. Eu enfrentei, fiz da maneira que pude, nas duas vezes que fui ao Conselho de Ética, nos programas de televisão e também nas entrevistas e na coletiva que dei depois de cassado. E na minha defesa na Justiça e no plenário da Câmara, travei a disputa político-ideológica, a disputa jurídica-constitucional. Para tanto tive o apoio de artistas, intelectuais, escritores do país. Tive o apoio do PSB, do PCdoB. O Diretório e a Executiva Nacional do PT não me apoiaram oficialmente, mas o Diretório Regional de São Paulo e as bancadas municipal e estadual e os prefeitos o fizeram. O presidente do partido, Ricardo Berzoini, foi solidário e também uma parcela importante do governo me apoiou. Não cobro nada de ninguém, desde o início deixei claro que eles tinham de cuidar da defesa do governo e do partido. Eu mesmo estabeleci para mim a estratégia que considerava mais adequada. Sabia que tanto a mídia quanto a direita iriam jogar com as contradições e os problemas, jogar a mim contra o PT e contra o governo... A militância do PT nos dois meses antes da minha cassação me apoiou quase por unanimidade no país todo. Isso eu sentia aonde ia. Se eu tivesse mais trinta dias, o PT todo ia se mobilizar em defesa do meu mandato. Esse movimento já se iniciava. Por isso a pressão da mídia sobre o Supremo.

O importante agora é olhar para o futuro, e o PT evidentemente tem de se reorganizar, se reconstruir e se preparar para reeleger Lula, deputados, senadores e governadores e estar em condições de desempenhar o papel que teve nos últimos dez anos no Brasil. O PT é que vai decidir qual é o programa, a política de alianças, a estratégia. Tem instrumentos e instâncias para isso.

Do ponto de vista do projeto, que estrago essa crise causou ao governo?
O governo não deixou de fazer nada fundamental. Pelo tamanho da crise, eu diria que teve funcionamento regular. O presidente reconstituiu o núcleo do governo com a minha saída e a entrada da Dilma Rousseff mudou o caráter da Casa Civil. A política do governo com Jacques Wagner, Aloizio Mercadante e o Arlindo Chinaglia aprovou questões fundamentais, como a Super-Receita, o Fundeb, o estatuto da micro e pequena empresa. Os problemas do governo não estão localizados aí.

Onde estão localizados os problemas do governo, então?
O maior problema é como fazer a devida articulação entre estabilidade e desenvolvimento, entre governabilidade institucional e social e o papel do PT na coalizão na atuação do governo. Fora que nós não fizemos a reforma política e administrativa, e pagamos muito caro por isso. Hoje, depois de três anos, fica evidente que sem uma reforma político-administrativa é difícil ter governabilidade no Brasil que não passe por alianças com seis, sete partidos. É a natureza do sistema político institucional brasileiro, o pluripartidarismo exacerbado...

Então, fale sobre o primeiro ponto, que tem relação direta com a política econômica adotada.
Só tem razão a nossa passagem e permanência no governo se formos capazes de fazer transformações econômicas e políticas no Brasil. O governo Lula, nestes três anos, fez transformações sociais e econômicas importantes. Primeiro, superamos a crise que o país vivia. Isso terá de ser repetido à exaustão. O país voltou a ter um projeto de desenvolvimento nacional, de política industrial de inovação, passou a articular política externa com projeto de desenvolvimento nacional. Essas questões precisam ser consolidadas e ganhar prioridade. O governo precisa ter recursos para infraestrutura, educação, inovação para além do social, que evidentemente é importantíssimo. Combinar estabilidade e desenvolvimento passa pela definição de qual é a política de juros e a meta de inflação do país. Estamos apostando num crescimento espontâneo a partir da redução da inflação, da estabilização e de uma relação dívida interna-PIB decrescente. Isso, com reformas microeconômicas, traz para o país um crescimento nos próximos cinco, dez anos. O serviço da dívida interna com juro real de 10%, 12% inviabiliza qualquer mudança real social, na renda e na política de desenvolvimento para o país. Essa equação precisa ser resolvida. Ela não tem solução a curto prazo. No primeiro mandato foi feito algo inacreditável.

Desdolarizamos mais de um terço da dívida, prefixamos mais de um quinto dela e estamos mudando o caráter dos títulos e o índice (taxa Selic). Mas o problema real é a dívida interna. O problema grave não é só pagar US$ 15 bilhões de juros. É tirar da sociedade US$ 15 bilhões e entregar para 12 mil, 15 mil pessoas físicas e jurídicas, que ficam com 70% disso, enquanto os outros 30% ficam com 6 milhões de famílias. Então você está produzindo uma concentração de renda no país e, apesar de 37% do PIB em tributos, não há recursos para investir em inovação, educação, infraestrutura.Sem uma revolução educacional, uma mudança radical na infraestrutura e uma modernização tecnológica maior o país não se desenvolve, não pode crescer. Evidentemente é uma vitória extraordinária criar 5 milhões de empregos formais em quatro anos – mais ou menos o que o Lula vai criar. O ideal é criar 2 milhões de empregos por ano. Temos de reduzir a taxa de desemprego no Brasil para 4% ou 4,5% nos próximos quatro ou cinco anos. É preciso reduzir a pobreza do país nos próximos dez anos para um terço do que é hoje. E esse um terço tem de ter amparo público. Precisamos acabar com essa chaga, essa vergonha no Brasil. Como também acabar com o analfabetismo. Esse é o desafio, que passa por decisões políticas.

Quando se estabelece uma meta de inflação como estabelecemos significa uma política de juro ultraconservadora, mais do que o necessário, elimina-se qualquer possibilidade de investimento maciço para combater a pobreza, desenvolver infraestrutura e fazer uma revolução educacional e tecnológica no país. Essa é uma posição que o presidente adotou, a segurança, que trouxe crescimento econômico, câmbio e inflação baixos e tem muito reflexo popular. Câmbio em R$ 2,20 e inflação a 5,5% significam tarifas públicas e comida a custo baixo, salário valorizado e emprego... Se tivéssemos tido uma política de investimento em infraestrutura, saneamento e educação e viabilizado o crescimento da construção civil poderíamos ter criado mais 1,5 milhão ou 2 milhões de empregos. Pecamos pelo conservadorismo. Isso é unanimidade no país. Da mesma maneira que pecamos – e aí eu tenho responsabilidade – ao não fazer a reforma político-administrativa e ao não enfrentar – isso eu sempre fiz – o debate político-ideológico com o PSDB e o PFL, com a direita, ao não mobilizar a sociedade, nossa base social, para esse enfrentamento. Deu no que deu.

Como grande defensor da política de alianças que elegeu Lula, mesmo depois da crise você não a reveria?
Não. Se você fez uma aliança e depois, dentro dela, surgiram problemas de corrupção, éticos, e não de programa ou de governo, não quer dizer que a aliança foi errada. Não fizemos a aliança com base em nada ilícito. A discussão com o PL, da qual eu participei, foi sobre programa e participação no governo. Não compramos a legenda do PL.

Mas o PL é de direita...
Mas isso não teve nenhuma influência na política do governo. Não foi por causa do PL, do PP e do PTB que tivemos uma política mais ou menos avançada. Mas por causa da correlação de forças na Câmara e no país. Quando tentamos aprovar na Câmara imposto sobre heranças e doações ou mudanças estruturais, perdemos a votação. A realidade na Câmara é outra história. Uma coisa é ter maioria para determinados pontos do programa do Lula, outra coisa é fazer o embate esquerda e direita. Basta ver os relatórios da CPI da Terra. Fizeram um relatório absurdo e surrealista e o aprovaram na comissão. Não temos maioria de esquerda na Câmara, temos maioria para o Lula governar com determinado programa.

Fizemos uma aliança no primeiro turno ultra-restrita, PT, PCdoB, PCB, PMN e PL. Quem se aliou com o PTB, o PDT foi o PPS do Roberto Freire. O PP, que não teve candidato a presidente da República, nos apoiou no segundo turno e só veio a participar do governo em junho de 2005. Para um partido que sempre deu 35, 40 votos em todas as votações, nunca tinha tido uma participação à altura. A verdade é que tivemos mais problemas nas votações com o PCdoB, o PSB e o PT do que com partidos de centro-direita. Se o PT quer governar o país com uma aliança de centro esquerda, não tem maioria na Câmara e no Senado. Mas isso é uma decisão, fazer um governo minoritário. Aliás, é o que o Lula está fazendo agora. Não tem maioria desde novembro de 2004. Na minha avaliação o nosso erro foi não consolidar uma aliança com o PMDB, desde o começo.

É bom que fique claro: não acho que o PT tenha de fazer aliança com PTB, PL e PP. No quadro de 2002, e depois para governar, com quem poderia o PT fazer aliança, com o PSDB e o PFL? Parte do PSDB e do PFL apoiou algumas medidas por causa de suas contradições internas e de seus governadores que tinham interesses comuns com o governo federal para resolver problemas da Previdência e da estrutura tributária. Eles fizeram de tudo para desestabilizar o governo.

Qual a razão para o PDT e o PPS não apoiarem o governo do Lula? Como podem se aliar ao PFL, ao PSDB, a pretexto de combater a corrupção? Vão desestabilizar o governo Lula e pôr o que no lugar? Geraldo Alckmin, José Serra? Eles governaram oito anos o país e foram um exemplo de ética... O único programa de governo do PSDB e do PFL é governar, usufruir do poder. O Alckmin diz que vai fazer reforma tributária. Duvido, eles não deixam fazer. Diz que vai fazer reforma trabalhista. Que nada. Não há consenso para isso nem entre empresários e trabalhadores, nem no Congresso.

Então, o processo sucessório tende a acirrar ainda mais essa polarização...
Tudo indica que sim.

Vamos falar um pouco sobre sucessão.Teme-se num momento de crise o crescimento de uma candidatura populista, como, por exemplo, Garotinho...
Se o PMDB apoiar, Garotinho tem condições... O problema é que o PMDB não apóia um candidato, seja Germano Rigotto, seja Garotinho. Na hora H um terço apóia o candidato do PSDB-PFL, um terço apóia o candidato do PT-PCdoB-PSB e um terço pode em tese apoiar o candidato do partido que ganhar a prévia. E este terá condições de ir para o segundo turno – quem achar que não corre o risco de ser desmentido logo, pois esse candidato tem mais de 15% de votos. O PMDB é um grande partido, o problema são os muitos interesses regionais e municipais e há correntes claras que apóiam o PSDB e o PFL. Mas acho que não podemos descartar a hipótese de uma parcela do eleitorado buscar alternativa, tanto que em São Paulo, quando se fez pesquisa – aliás, não sei por que não se faz mais –, deu Quércia em primeiro lugar, Marta e/ou Mercadante em segundo e Fernando Henrique em terceiro. A não ser que o Serra seja candidato ao governo do estado, Fernando Henrique é o único candidato que os tucanos têm, porque o Alckmin não pode. Eles não têm candidato competitivo. Não sei se todo mundo se dá conta da grande mentira que é o fato de que a maioria da opinião pública e da sociedade estava a favor da campanha que eles promoveram contra nós. Faz-se uma pesquisa em São Paulo e dá Orestes Quércia em primeiro lugar – brincadeira! Tanto que agora as pesquisas repõem o Lula no patamar que ele estava antes de junho.

Não podemos descartar a hipótese de surgir um terceiro nome capaz de polarizar com os candidatos do PT e do PSDB. Precisa ver o que vão fazer o PDT, o PPS e o PV. O PV oscila muito, os outros dois tendem a ter candidatura própria para garantir os 5% da cláusula de barreira, ou vão fazer aliança que garanta.

Primeiro, o PT e o presidente Lula têm de chegar a um ponto comum sobre programa, política de aliança, campanha, coordenação, discurso. Segundo, é preciso transformar a aliança com o PSB e o PCdoB numa forte coalizão. O ideal seria que o PMDB fosse nosso principal aliado. PT, PMDB, PCdoB e PSB seria uma aliança para realmente mudar o Brasil nos próximos anos.

Mesmo dividido do jeito que é o PMDB?
Vai ter uma disputa interna, o Rigotto e o Garotinho querem ser candidatos. Quem acredita que os fernandistas dentro do PMDB querem o Rigotto candidato? Só se for para poder apoiar o Serra ou o Alckmin. Podem querer porque já desistiram do primeiro turno da eleição presidencial, querem negociar no segundo turno participação no governo. Isso é da natureza do PMDB. Já o Rigotto acha que o partido tem de ter um candidato. Ele defende uma estratégia mais coerente. O PDT, o PPS e o PSOL também querem ter candidato. Depois teremos os candidatos nanicos, que não têm base eleitoral.

Quais as chances de reeleição do Lula?
Eles têm de ganhar do Lula. O PT não sofreu nenhuma queda na preferência do voto proporcional. A votação não é na legenda, o voto é nominal. É preciso ver se quem se mobilizou contra o PT já não é o eleitorado do PSDB e do PFL. O que eu senti contra mim foi um terço de rejeição, nunca maioria. Nunca tive problema em cinema, shopping, restaurante... De cem pessoas num restaurante, em uma mesa alguém pode se manifestar, mas muitas vêm se solidarizar, me abraçar... Isso a imprensa não publica. Para mim as manifestações contra são de 15% do eleitorado radicalizado do PSDB e do PFL, como temos 15% de petistas que fazem isso com eles também. Claro que o PT não vai ter a votação de 2002, por N razões, não por problemas com o partido ou com o governo. Dificuldades de eleger governador também não há. A Marta e o Mercadante têm a votação que teriam em outras circunstâncias, 20%, 25% de votos.

O governo Lula é o melhor que o Brasil teve depois da redemocratização, fez e pode fazer muito mais. É evidente que tem de repensar, pois não poderá ser igual ao primeiro nem tampouco fazer o que o Fernando Henrique fez do segundo mandato. Terá de retomar uma série de questões que estavam colocadas no primeiro mandato. Ele fez o suficiente para merecer um segundo mandato e o eleitorado sabe. Por isso que ele tem 35%, 40% de votos e o PT tem 15% – apesar de tudo o que fizeram contra o partido –, e não é pouca coisa para começar uma eleição. Esse é o piso do Lula; dos outros pode ser o teto. O governo tem muitas realizações importantes que particularmente o povo se dá conta. Crescer, estabilizar, não ter inflação, isso é muito importante. Ter Bolsa-Família, realizar as mudanças que estão sendo feitas na educação, voltar a ter investimento em infraestrutrura. O projeto de integração da América do Sul e a política externa do governo e os avanços do comércio exterior são de uma importância estratégica para o país... A oposição quer ganhar de nós no grito.

Gostaria que você retomasse sua avaliação sobre a relação do partido com o governo.
Não é simples o partido manter relação com o governo, principalmente um partido que deu tantos ministros para o governo. A maioria dos dirigentes do PT foi para o governo ou ser governador, prefeito, deputado, ou mesmo ministro etc. Considero um erro termos saído do PT como saímos, em um número grande de dirigentes. Houve uma descontinuidade na relação e na produção política. Deveríamos ter equilibrado e discutido melhor e com mais profundidade isso. Acredito que o fundamental agora é conformar um núcleo de dirigentes do governo, do partido e das bancadas para dirigir o processo político-eleitoral e para conduzir o governo nesses próximos meses. Essa é a questão mais importante hoje. É preciso estabelecer uma relação do governo com o partido de repactuar, reavaliar e de ter negociações mais concretas para que o partido possa atender às expectativas de seus filiados, da sua base social e de seus aliados, principalmente no movimento social. O governo tem de ter abertura, flexibilidade para consolidar uma aliança estratégica com os movimentos sociais.

Parece que o possível ao governo não tem ido ao encontro das expectativas dos movimentos sociais...
Apesar de o governo abrir um diálogo, por meio da Secretaria-Geral, não houve um pacto político. As divergências foram se aprofundando por causa da política econômica ou por falta de recurso. Essa é uma fragilidade do governo. Por isso também o governo sentiu que não tinha chão na hora da ofensiva da direita e da mídia, que virou partido político. É preciso saber como repactuar com as forças político-sociais que historicamente estão no mesmo campo que nós, as organizações político-sociais do campo da esquerda. O PT no governo e o governo do PT têm de repensar isso. Talvez devêssemos ter constituído desde o começo uma federação com o PSB, o PCdoB, uma coalizão, ter dado uma participação maior para eles nas decisões do governo. E tentado puxar o PMDB, porque é o partido que historicamente ainda tem raízes desenvolvimentistas, populares, nacionais.

Você tem viajado muito, principalmente pela América Latina, participou do Fórum Social Mundial em Caracas. Qual sua avaliação das recentes vitórias da esquerda em países sul-americanos?
Parte dessa ascensão da esquerda é por influência da vitória do Lula e da consolidação democrática na Venezuela, na qual o presidente brasileiro e o Itamaraty tiveram papel fundamental por ocasião do referendo que deu legitimidade a Chávez. Tanto a vitória de Evo Morales como de Tabaré Vázquez e o avanço na Argentina com Nestor Kirchner estão consolidando um quadro na América Latina que favorece a integração. Não há como o Brasil e cada país sul-americano viabilizarem seu desenvolvimento sem essa integração. O Mercosul é a base dessa integração. Os avanços a que estamos assistindo no Parlamento do Mercosul, a integração da Venezuela e a eleição de Michelle Bachelet no Chile criam uma situação nova historicamente na América do Sul. Isso nós vimos no FSM, que corretamente foi realizado na sua versão regional em Caracas. Os principais temas foram a integração da América Sul e como repensar o socialismo no século 21. Além da expectativa dos participantes com a reeleição do Lula. Para todas as forças políticas de esquerda esta é uma questão essencial: dar continuidade a esse projeto de integração. Minha avaliação sobre o FSM é que é o acontecimento político mais importante da virada do século. No mundo com essa concentração de poder midático, militar, político, econômico, um espaço onde centenas de milhares de entidades de centenas de países se manifestam, se expressam, se organizam é um fato inédito na História.

Como você pretende contribuir para a reeleição do Lula?
Estou à disposição tanto do partido como do governo. Tenho minhas limitações, porque não tenho mandato, sou um advogado. Dentro das minhas possibilidades, o que pedirem eu faço. Estou disposto a apoiar deputado federal, governador... Se o presidente pedir que eu apóie, eu apóio. Minha vida está planejada para dez, quinze anos, e não para alguns meses. Sei que nos próximos dois anos vou ter de reconstruir minha participação política no país. Tenho de trabalhar no escritório, tenho de dar consultoria, tenho de escrever artigos para a imprensa, estou trabalhando no livro com o Fernando Morais, tenho palestras para fazer...

E esse livro sai mesmo?
Estou analisando com o Fernando Morais e com alguns companheiros e companheiras. Porque eu também não vou dar pretexto para a direita e parte da mídia transformarem meu livro em instrumento para prejudicar ou combater a candidatura do Lula. Isso não é da minha natureza, mas o livro está praticamente pronto. Não tenho pressa. Vou atuar na política fazendo palestras, mas não sou dirigente. É preciso dar tempo ao tempo. E por incrível que pareça eu já passei por coisa pior. É preciso deixar a vida levar um pouco também. Não estou ansioso.

O que significa a frase que repercutiu muito, principalmente no PT, que o partido era “página virada”?
Não se refere ao PT. Participei durante 25 anos da direção do PT. É preciso ter gente nova. O partido tem quadros para exercer cargo de direção – esse papel eu já cumpri. Não tem sentido eu voltar a ser dirigente do PT. Sou filiado ao PT e sou petista.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate