Nacional

Entrevista com Marco Aurélio Garcia

Pela primeira vez, o PT se apresenta nas eleições gerais sendo governo federal. Qual a perspectiva de um provável segundo mandato de Lula em relação ao que transcorre? Simples continuidade? Algo qualitativamente novo? Aprofundamento de políticas com transformações? Quais os eixos do novo programa de governo?

Coordenador do Programa de Governo do PT e assessor especial de Política Externa da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia responde nesta entrevista a essas questões.

Como foi concebida a elaboração do Programa de Governo do PT, dado que pela primeira vez o partido é governo no país?

Isso foi abordado já no documento de Diretrizes do Programa de Governo, quando sinalizamos que a especificidade desta eleição é que a disputaremos na condição de partido de governo. Por um lado, isso nos cria uma obrigação e, por outro, nos dá um trunfo. A obrigação é fazer uma reconstituição da ação governamental desse período, coisa em que tivemos certa dificuldade, pois o partido durante um bom tempo não foi capaz de reconhecer os êxitos do governo e de fazer a crítica a alguns problemas. Vivemos o pior dos mundos, sem exercer uma ação crítica, sempre necessária na relação partido–governo, nem mobilizar a sociedade em torno das transformações que estavam ocorrendo no país, agora mais visíveis, passados três anos.

Por outro lado, a vantagem que temos e estamos explorando na elaboração do programa é a credibilidade que o governo desfruta para apresentar uma proposta de segundo mandato, exatamente em função do que realizou e da percepção de nossos limites. Temos um acervo de realizações econômicas, políticas e sociais, o que nos permite dizer que o programa que se está apresentando para o segundo mandato tem credibilidade.

Qual é a avaliação que você faz do governo Lula?
Todo o discurso que fizemos sobre o Programa de Governo envolveu uma percepção, suficientemente consistente, das dificuldades enfrentadas quando o governo Lula se estabeleceu. Algumas dificuldades de caráter estrutural do país, sua profunda desigualdade, herança de décadas, se não de séculos. Mesmo nos períodos de crescimento, a desigualdade não foi equacionada, às vezes foi até agravada. Com relação à democracia, mesmo os períodos de expansão do país se fi zeram com forte concentração não só de renda, mas de poder também. Esses problemas todos foram potencializados por uma crise nos dois mandatos anteriores ao governo Lula. Essa guinada de caráter neoliberal acarretou o enfraquecimento da capacidade do Estado como agente regulador da economia. O mandato de Fernando Henrique terminou com o país à beira de um novo surto inflacionário e com forte endividamento. Eles próprios diziam que poderia deslizar para uma situação do tipo Argentina no plano econômico e Venezuela do ponto de vista político.

O terceiro elemento é que o governo se constituiu a partir de uma enorme expectativa da sociedade. A eleição de Lula provocou um deslocamento significativo da sociedade em direção a um movimento por mudanças fortes no país. E nós, entre outras coisas, subestimamos um pouco não só as dificuldades estruturais – essas a gente sabia –, mas as dificuldades de natureza conjuntural, legadas pela crise recente do governo FHC, e também as alavancas concretas das quais dispúnhamos para mudar o país. Tudo isso complicou enormemente nossa ação governamental e introduziu uma questão importante: o governo se viu confrontado com algumas tarefas de transição. Era preciso transitar de um modelo caduco para outro tipo de modelo.

E houve um problema do discurso governamental, especificamente na área da economia. Não fomos capazes de caracterizar uma série de medidas da política econômica adotadas naquele momento, algumas delas amargas e impopulares, que inclusive freavam as expectativas de crescimento imediato da economia, como medidas de transição e necessárias. Muitas vezes fizemos dessas necessidades uma virtude, muitas vezes as celebramos e retiramos o discurso de esquerda, de desenvolvimento do país, e ficamos quase que todo o tempo insistindo apenas em torno de temas de política fiscal, controle da inflação etc. Não que essas questões não sejam importantes, em determinados momentos são indispensáveis, mas são meios. Claro que manter a economia equilibrada é um dos objetivos a serem perseguidos, mas para dar sustentação ao processo de desenvolvimento. A equipe econômica perdeu essa dimensão fundamental no discurso.

Não acredito que a política econômica tenha comprometido, ao contrário, ela assegurou, em certos momentos, as possibilidades de que viéssemos a obter os excelentes resultados no âmbito social que estamos tendo. Pode parecer exagero, pois o espetáculo da pobreza no país continua existindo, as desigualdades são muito grandes, não devemos ter ilusão de que esses problemas vão se resolver no curto prazo. Mas é indiscutível que houve transformações significativas quando tomamos conhecimento do número de pessoas que ascenderam socialmente nos últimos anos no país, da redução do desemprego, da expansão da renda. Constatamos que se desencadeou uma nova dinâmica que não se via fazia décadas.

Então, o programa de governo tem de partir justamente dessas conquistas, revesti-las de uma linguagem de esquerda e que corresponda às expectativas que estavam na primeira eleição de Lula. Não para enganar o eleitorado, mas para dizer “nós tivemos um ritmo importante de mudanças no país que não foi exatamente aquilo que desejávamos, mas foi muito significativo e é ele que nos assegura que num segundo mandato venhamos a ter efetivamente uma aceleração do processo de transformações do país”.

Quais são os eixos do programa para um segundo mandato?
Vamos precisar de um processo de crescimento maior porque há desafios enormes, de reconstrução da economia, da infra-estrutura, que está defasada por três décadas e meia perdidas, e, sobretudo, um desafio para reduzir o déficit social. Isso se faz com uma política de crescimento mais acelerada que a que tivemos até agora. Aquela idéia que circulava, inclusive entre algumas pessoas no governo, de que “precisamos ter um crescimento de 3% no máximo porque senão desequilibra”, é bobagem. Temos de ter um crescimento muito mais acelerado, que pareça muito mais com o que tivemos por quase 50 anos, a partir da década de 30.

Em segundo lugar, esse crescimento tem de se fazer, em grande medida, a partir da acentuação do processo de distribuição de renda no país. Não é mais a equação “crescer para distribuir”, mas é distribuir para crescer também, e perseguindo um dos objetivos sempre presentes no nosso discurso, que de certa forma foi esvaziado ultimamente: a constituição de um grande mercado de bens de consumo que tivesse a capacidade de criar um círculo virtuoso de desenvolvimento. As condições estão dadas para crescer mais aceleradamente, distribuir renda como fator de crescimento, fazê-lo num marco de equilíbrio macroeconômico. Vamos continuar perseguindo índices de inflação baixos, reduzindo também aceleradamente a taxa de juros, o que contribui para a melhora da situação fiscal. Hoje em dia, grande parte do dinheiro que arrecadamos é canalizada para o pagamento da rolagem da dívida interna, e temos de reduzir essa dívida interna e sua relação com o PIB.

Vamos dar também grande ênfase aos temas democráticos, até para contrastar com nosso passado, em que, mesmo nos períodos de desenvolvimento, a democracia não vicejava muito. O Brasil teve avanços democráticos nas duas últimas décadas, mas é evidente que há questões pendentes ainda – uma sólida reforma do Estado, uma reforma política –, que o governo negligenciou em alguns aspectos. É preciso fazer essa autocrítica, mas fazê-la não se açoitando, e sim encaminhando transformações que nos garantam um sistema de representação que seja efetivamente uma vacina contra qualquer processo espúrio de corrupção, de falseamento da vontade popular. Isso inclui algumas transformações no processo eleitoral, como a adoção de um sistema de listas, a fidelidade partidária, o financiamento público das campanhas, enfim, a agenda é amplamente conhecida. O Instituto Cidadania fez um trabalho interessante sobre isso e outros partidos também têm propostas.

No que diz respeito à reforma do Estado, temos de reforçar os mecanismos de transparência, de controle da sociedade sobre o Estado e de desburocratização. Uma das experiências negativas que tivemos no governo é que muitas vezes decisões governamentais se perdem nos labirintos da burocracia; porque a administração não se organiza de forma a que as coisas se façam com a rapidez necessária. Nós estamos num país com enormes defasagens sociais, então fazer mudanças rápidas é importante.

O governo atual encontrou o Estado sucateado, com mecanismos de terceirização extremamente acentuados. Conseguimos avançar muito, por meio de concursos públicos, licitações via internet, pregões eletrônicos, mas ainda há muita coisa para fazer. E um dos elementos importantes é que o governo acentue aquilo que fez em relação a mecanismos de controle social do Estado. Várias políticas públicas implementadas foram fortemente discutidas na base da sociedade, mas esse esforço muitas vezes foi desigual. No orçamento plurianual, por exemplo, cerca de 2 mil instituições da sociedade participaram. Isso tem de ser mais pronunciado, inclusive com participação mais intensa da sociedade no controle da implementação das políticas públicas.

E com relação à política externa?

Outro objetivo muito importante é prosseguir na nossa política externa e, sobretudo, na política de integração da América do Sul. Queremos cada vez mais associar o destino do desenvolvimento brasileiro ao do crescimento do Mercosul, da Comunidade Sul-Americana de Nações etc.

O Brasil tem forte presença internacional, pensada como uma dimensão de nosso projeto nacional de desenvolvimento. A política externa não só projetou o país no mundo, mas também teve o papel de elemento consubstancial da política interna, do projeto nacional de desenvolvimento, e isso tem particular importância no que diz respeito à integração sul-americana. Além disso, hoje temos o diálogo Sul-Sul com a África, com os países árabes, com a China, a Rússia, a Índia, e também há questões vitais que estão sendo enfrentadas no âmbito multilateral.

Tivemos uma derrota previsível na batalha na OMC, mas vamos continuar insistindo no sentido de dar um curso distinto às negociações comerciais. Já tivemos mais êxitos em outros aspectos, mudanças da ordem econômica, vitórias no que diz respeito a políticas do FMI, no combate à fome em âmbito internacional, com a iniciativa Lula-Chirac-Lagos mais o governo da Alemanha etc. Tivemos a batalha pela reforma das Nações Unidas, cada vez mais na ordem do dia em função inclusive daquilo a que estamos assistindo – o risco hoje que o mundo vive de uma nova conflagração a partir da situação do Oriente Médio.

A mídia tem insistido muito na idéia de que o Mercosul está à beira de um fracasso. Qual sua opinião?

Que o Mercosul tem problemas, isso nunca negamos e o discurso que o presidente Lula fez em Córdoba, na reunião do Mercosul, saudado como um discurso de grande densidade, de um estadista que de fato está pensando estrategicamente as tarefas de integração, aponta isso. O Mercosul tem muitas questões a resolver, mas talvez duas delas devam ser prioritárias, inclusive para nós, que assumimos sua presidência pro tempore.

Uma delas são as assimetrias. Os avanços que obtivemos no plano comercial não nos permitiram reduzir completamente as assimetrias na região, em alguns casos até tiveram efeito contrário. Temos de enfrentar o problema das diferenças que existem entre as economias mais consistentes, como é o caso da brasileira e da argentina, de um lado, e da paraguaia e da uruguaia, de outro. Vamos ter de tomar uma série de iniciativas, que podem ser políticas tendentes a construir uma infra-estrutura física e energética. São coisas que estão avançando e onde queremos avançar.

Para que isso possa se realizar plenamente, precisamos construir, entre outras coisas, mecanismos de financiamento regional próprio. Há várias idéias, se chama genericamente de Banco do Sul, ou pode ser a conversão da Corporação Andina de Fomento no Banco Sul, enfi m, nisso vai se trabalhar. Temos também a idéia de constituição de fundos. Já foi aprovada a constituição de um fundo muito pequeno, de US$ 100 milhões, que vai ser composto com recursos maiores dos países grandes e destinado fundamentalmente aos países menores, embora todos devam receber uma parte. Nós podemos vir a ampliar consideravelmente esses fundos com os recursos alfandegários, uma vez que se decidiu terminar com a dupla tributação.

Pode haver também certa flexibilização na questão das regras de origem, o que permitiria estimular os processos de industrialização de países como Uruguai e Paraguai. E também se está discutindo muito a criação de estímulos aos investimentos brasileiros nesses países, através de créditos do BNDES, para empresas de capital misto que venham a se estabelecer, coisa que já está havendo, mas se aceleraria. É claro que medidas de política industrial comum também podem ajudar, como processos produtivos que possam ser compartilhados por vários países da região.

O segundo grande problema que o processo de integração da comunidade sul-americana enfrenta é que temos um déficit institucional muito forte. Essa é uma questão complexa, que sofre resistências, porque melhorar as instituições significa, entre outras coisas, cessões de soberania. Cedermos soberania a organismos que vão de certa maneira se ocupar da gestão do processo de integração, isso não é fácil. É evidente que o Mercosul tal como está hoje administrativamente instalado não tem força. Há progressos, o Parlamento do Mercosul que até 2010 estará plenamente instalado, com eleições inclusive. Está previsto um período de transição que está muito bem controlado, mas é necessário reforçar mais as instituições. Uma fórmula que estamos usando é transformar Montevidéu na nossa Bruxelas, mas a infraestrutura que temos lá é muito pequena, insuficiente para dar conta de tudo.

Uma tendência positiva que o Mercosul vem revelando se expressa na multiplicação de acordos externos, no ingresso da Venezuela, no fato de que outros países se aproximem do Mercosul. Por isso, uma parte das inquietações que existem são nossas, mas é preciso distinguir isso de setores da direita brasileira que são contra o Mercosul, que são a favor de um tratado de livre comércio com os Estados Unidos, que são a favor de nosso ingresso na Alca tal como se colocou no passado.

No que toca ao comércio internacional, houve aumento significativo da presença brasileira, não é

Houve uma extraordinária expansão do comércio exterior, que duplicou nesse período. Tínhamos menos de 0,5% e hoje temos pouco mais de 1% de participação, e uma fronteira enorme para expandir.

Nosso comércio se multiplicou e diversificou, no mundo árabe, na África, com os Estados Unidos, a Europa, a América Latina, a Índia, a China, em toda parte. Estamos numa expansão extraordinária, com grandes saldos, o que nos permite hoje enfrentar outra meta, que é o problema da vulnerabilidade externa do país. Mas hoje é a América Latina nosso primeiro parceiro comercial.

Educação é a prioridade do programa de governo?

Tivemos toda uma discussão que era em que medida a educação deveria ser apresentada – se usou a expressão – como meta síntese. Não queremos fazer uma discussão nominal em torno de se é meta síntese ou não. O que queremos incluir no programa de governo são algumas ações fortes em um segundo mandato e, sem dúvida nenhuma, nessas ações fortes há uma que é fortíssima: educação, cultura, ciência e tecnologia. Por quê? Em primeiro lugar porque temos base para fazer isso.

Os êxitos que o governo teve no âmbito da educação são respeitáveis – ProUni, ampliação das universidades públicas, todo o processo de democratização da universidade, a aprovação do Fundeb, que vai viabilizar a educação de qualidade. Nos governos anteriores houve expansão da educação, mas sabemos que tipo de expansão: era puramente quantitativa e condena os brasileiros pobres, e às vezes nem tão pobres assim, a uma escola pública extremamente desqualificada, que produz esta situação absurda e contraditória que é “se eu quero entrar numa universidade pública, que é a melhor, tenho de fazer uma escola privada, que é a melhor também”. Por que a educação é uma meta central, talvez a mais importante? Porque ela, de certa forma, reúne um conjunto de idéias de democratização política, econômica e social do Brasil. Em muitos países, uma das formas para alcançar uma democracia político-econômica e social foi exatamente a generalização de uma escola pública de qualidade. Um exemplo disso é a França.

Tem-se de reconhecer que por meio de um sistema de qualidade de ensino acessível a todos se pode futuramente produzir um processo de reequilíbrio social importante, e sobretudo oferecer às pessoas oportunidades iguais. Os rumos que a economia mundial tomou fazem com que a qualificação da força de trabalho seja um instrumento fundamental. Essa qualificação não pode ser pensada exclusivamente do ponto de vista técnico, isto é, formação de escolas técnicas – a isso o governo também está dando uma importância muito grande –, mas ela tem de ser pensada de um ponto de vista mais universal. Um bom trabalhador, seja braçal, seja intelectual, precisa ter uma cabeça capaz de construir determinados raciocínios lógicos. A matemática ajuda, mas ao mesmo tempo ele precisa ter um domínio da sua língua, que o permitirá, inclusive, acessar outras línguas. Então, a qualificação no mundo do trabalho está muito ligada ao tema da educação, e aí nós temos um déficit brutal. Essa batalha da educação, da cultura, da ciência e tecnologia envolve também a batalha pela informação. Precisamos ter uma sociedade informada democraticamente, de forma livre e diversificada, que no Brasil não existe.

O outro elemento central da ênfase na educação, na ciência e tecnologia, na cultura e na informação é a questão política, porque evidentemente todos são iguais perante a lei, mas os mais informados, os que têm maior escolaridade, maior acesso ao mundo da cultura, aqueles que podem dominar determinados aspectos da atividade científica e tecnológica são mais cidadãos, são cidadãos de primeira classe. Precisamos criar mais cidadania, e a educação, com esses elementos que citei, tem uma função cidadã.

As pesquisas todas indicam que hoje a base forte de intenção de voto em Lula está nos setores mais pobres da sociedade, mas há um problema sério com as classes médias. O programa de governo contempla, de alguma forma, medidas que visem atender aos interesses desses setores?

Não só o programa de governo. Acho que o próprio governo Lula atendeu muitos setores das classes médias. Quando se democratiza o setor educacional, evidentemente se está atendendo esses setores. O que chamam classes médias no Brasil é um conceito ainda muito impressionista. Tendemos a ver a classe média como intelectuais, profissionais liberais, professores universitários, pessoas ligadas às comunicações e às artes. Esse é um setor das classes médias. Nesse segmento tivemos certo retrocesso, que deve estar ligado a fatores de ordem político-cultural. Tem um pouco a ver com o que mencionei no começo: o fato de que muitas vezes não fomos capazes de construir um discurso coerente para explicar as transformações que estamos levando a cabo e, entre outras coisas, para enfrentar o debate sobre o que deixamos de fazer. Houve uma posição ou de omissão do governo, ou de tergiversação no sentido real das transformações, ou até de temor de enfrentar certo tipo de discussão. Isso nos colocou na defensiva frente a alguns setores de classe média. Por outro lado, ampliamos as classes médias no país. O deslizamento que houve de setores que estavam nos chamados D e E para as classes médias é um elemento muito claro disso.

Estamos falando do programa do PT, mas o governo será mais amplo, e também resta a vontade do presidente da República. Como é vista a relação entre o Programa do PT e o que será o programa efetivo de governo?
Em primeiro lugar, eu dei aqui algumas linhas do programa. Provavelmente quando esta entrevista for publicada o programa já terá sido difundido na sua versão mais completa, não só as grandes diretrizes, mas as ações principais que estamos pretendendo. Você tem razão numa coisa: este programa não é só do PT, é um programa dos partidos coligados. Até agora estamos fazendo o trabalho conjunto.

Este programa é dos três partidos?
Dos três partidos ao quais queremos associar, entre outros, o Partido Socialista Brasileiro. Por exemplo, Sérgio Rezende, que é um prócer do PSB, é uma das figuras centrais da elaboração do programa de ciência e tecnologia. Queremos atrair outros setores político-partidários. O que é importante definir, no entanto, e ainda não está perfeitamente configurado, é o problema da coligação.

Precisamos fazer uma coligação governamental, entre outras coisas, para evitar os problemas que tivemos no primeiro governo, que deram origem à grande crise do ano passado. Queremos governar com uma grande parte do PMDB com base em um programa, não em troca de cargos. Se você está apoiando um governo, é normal designar pessoas para participar dele, mas não pode ser um toma-lá dá-cá, tem de haver basicamente um acordo governamental que esteja ancorado não só em partidos políticos, mas em setores sociais. Eu gostaria que o empresariado produtivo brasileiro, junto com os sindicatos, tivesse um nível de acordo em torno de um programa de governo e, portanto, desse sustentabilidade social e política à nova administração. É claro que a vontade do presidente e sua ação são decisivas, isso é próprio do regime presidencialista, em que a figura do presidente é muito marcante, e vai, obviamente, continuar existindo.

Você acredita que um segundo governo Lula será melhor que o primeiro?
O grande problema que enfrentamos é que o espetáculo da desigualdade ainda é muito forte no país. Não tenhamos a ilusão de que ele vai se resolver em quatro anos e nem mesmo em oito. Esse é um processo que vai envolver uma ou duas gerações. Mas temos indicadores claros de que as transformações estão em curso, com todos os problemas que esse processo possa ter tido. O importante é que o governo seja atento à crítica da sociedade, se ele quer fazer um governo substancialmente melhor. Não somente às críticas daqueles que, mesmo criticando, vão votar em Lula, mas às críticas daqueles que não vão votar em Lula. É claro que saberemos diferenciar uma crítica vinda de uma perspectiva conservadora, que democraticamente tem de ser ouvida, mas sobretudo aquelas críticas que provêm de setores que não estão de acordo conosco, mas no fundo perseguem objetivos semelhantes aos que Lula está perseguindo.

Ricardo de Azevedo é coordenador editorial de Teoria e Debate