Nacional

Entrevista com Fernando Haddad

O que mudou em termos de concepção no Ministério da Educação em relação aos ministros anteriores?
É preciso destacar que fui secretário executivo do ministro Tarso Genro desde sua posse e foi sua saída, por razões não afeitas ao ministério, que me conduziu à posição de ministro da Educação. Há, portanto, uma continuidade dos programas e dos conceitos elaborados durante sua gestão. A pergunta que se coloca é o seguinte: O que diferencia a gestão a partir de 2004 da que existia antes?

Penso que poderíamos resumidamente responder da seguinte maneira: procuramos adotar, desde o início, o que passamos a chamar de visão sistêmica da educação. O que parecia a regra no passado era o aguçamento de contradições que foram se revelando falsas e precisam ser superadas na prática. Vou citar algumas que, em nossa opinião, provocaram efeitos nocivos ao sistema educacional brasileiro.

A primeira, e a mais importante delas, é a oposição entre educação básica e educação superior. O discurso, mesmo no primeiro ano de nosso governo, era de que tínhamos de optar por um nível de ensino. Isso, de saída, é uma refutação da obra de nossos principais educadores. Nenhum deles, a começar pelo grande Anísio Teixeira, jamais concebeu algo desta natureza: opor níveis de ensino. Outro dia me vali de uma metáfora para ilustrar o paradoxo: pergunte a um médico se ele é favor de atendimento básico ou de alta complexidade. Para um médico, a pergunta não faz sentido. Afinal, "o que se pretende curar?", ele replicaria.

Essa visão fragmentada da educação permeou os anos 80, 90 e chegou até nosso primeiro ano de governo. O equívoco dessa concepção é não perceber que não só toda a formação de professores depende da educação superior - cito sempre o exemplo da Coréia, onde o professor de educação básica tem de ter título de mestre para exercer sua profissão - como também depende da educação superior o alargamento do horizonte do estudante que se forma na educação básica. Quanto mais amplo o horizonte do estudante, mais ele se dedica a seus estudos.

Essa concepção já vinha desde o governo Fernando Henrique?
Sim, eu diria que no governo Fernando Henrique ela atinge seu apogeu. O argumento que a legitima é o mesmo: o de que, sendo o cobertor curto, tínhamos de adotar uma política de foco. Jamais se especulou, e por razões ideológicas, que era o caso de aportar mais recursos aos dois níveis de ensino, e não a um em detrimento do outro, sendo que nem isso se fez. A educação nos países tradicionais teve uma evolução ao longo de décadas, porém em todos os casos de sucesso de aceleração da educação - o que aconteceu em pouquíssimos países, diga-se de passagem, como Japão, Coréia, Chile - o que se verifica é que o aporte de recursos se deu nos dois níveis de ensino, com prioridade na educação básica, mas nunca em detrimento da educação superior. Como se vê, há uma grande distância entre priorizar e focar.

Essa ideologia, de certa forma, é reflexo do que alguns organismos internacionais receitavam para países com as características do Brasil. O que partia também de um diagnóstico prévio sobre qual era o papel que cabia ao país no concerto das nações. Há toda uma concepção por trás disso que tem a ver com o papel reservado ao Brasil na divisão internacional do trabalho.

Mas você dizia que essa não é a única questão que diferencia...
Não, porque outras falsas oposições foram cultivadas. Vou citar outra. A educação básica, como se sabe, compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que são elos de uma cadeia que se reforçam mutuamente. Também aí houve uma compartimentalização da visão de educação básica. Tanto é verdade que, já no início dos anos 90, o Partido dos Trabalhadores defendia um fundo para toda a educação básica. A proposta, apresentada pelo governo FHC e que foi vitoriosa, foi de um fundo exclusivo para o ensino fundamental, o Fundef, que só hoje vem a ser superado por um fundo único, da creche ao ensino médio. Uma moldura, portanto, que reforça o mesmo conceito de visão sistêmica, pois parte do pressuposto de que para que haja um ensino fundamental de qualidade é necessário, em primeiro lugar, preparar o aluno, o que se dá na pré-escola. Da mesma maneira que o horizonte do ensino médio é essencial para aquele que está para concluir o ensino fundamental.

Uma terceira oposição importante foi estabelecida entre educação profissional e ensino médio. Um decreto de 1997 e uma lei de 1998 em si mesmos esclarecem o conceito que prevalecia à época. A União foi proibida de expandir as escolas técnicas por lei e o ensino médio integrado à educação profissional foi retirado de nosso ordenamento jurídico por decreto. A educação profissional passa a ser não só uma atribuição de organizações comunitárias ou dos estados, no caso da educação profissional pública, como também algo destacado do aumento de escolaridade. Um equívoco à luz das experiências bem-sucedidas no mundo, de acoplamento da educação profissional à educação formal, sobretudo, no nível médio.

E uma quarta oposição, que é tratar a alfabetização como algo também desconectado do ensino formal. E a expressão mais evidente dessa concepção é o fato, em minha opinião, marcante de que o programa de alfabetização não estava sob a alçada do Ministério da Educação, e sim do Comunidade Solidária, uma ONG que atuava fora da jurisdição do MEC. Isso impedia que o recém-alfabetizado tivesse uma progressão no âmbito da educação continuada, única maneira de promover o aumento de escolaridade.

O que se pretendeu, logo no início de 2004, quando chegamos, Tarso e eu, foi criar as condições institucionais de superação do que nos pareciam falsas contradições. No caso da educação continuada, o Brasil Alfabetizado, ainda na gestão Cristovam Buarque, foi trazido, felizmente, para a órbita do Ministério da Educação, mas não havia sido integrado à educação de jovens e adultos. Para sanar essa debilidade, criamos a Secretaria de Educação Continuada, que cuida dos dois programas: Brasil Alfabetizado e Educação de Jovens e Adultos (EJA), que estão sendo integrados paulatinamente.

Uma segunda iniciativa foi a criação do Fundeb, para toda a educação básica, garantindo, sobretudo às crianças de famílias de baixa renda, chegar à escola mais cedo. Porque, tomando uma criança que chega aos 7 anos à escola sem nunca ter tido contato com as letras, como é o caso das crianças de famílias de mães e pais trabalhadores, que ficam trancafiadas em casa, cuidando dos irmãos mais novos, não se pode pretender que ela aos 10 anos consiga fazer uma prova típica da 4ª série e ter um bom desempenho. Além disso, destaca-se o ensino fundamental obrigatório de nove anos, a partir dos 6 anos de idade.

No capítulo da educação profissional, restabelecemos, não como obrigatoriedade, como no passado, mas como possibilidade a ser estimulada pela União, a integração do ensino médio à educação profissional. As escolas técnicas federais, que haviam sido proibidas de oferecer o ensino técnico integrado, agora vão resgatando sua capacidade de oferta dessa modalidade.

Por que isso é tão importante? Porque mesmo nos países muito desenvolvidos, na melhor das hipóteses, metade dos jovens chegará à educação superior. No caso do Brasil, um sexto provavelmente chega à educação superior. Se ampliarmos muito o acesso à educação superior, metade chegará. Significa dizer que se deve oferecer oportunidades de profissionalização durante o ensino médio, caso contrário o jovem perde o estímulo para estudar, como está acontecendo no Brasil, por não ver conexão entre sua permanência na escola e sua situação no mundo do trabalho.

E também não tem a perspectiva de chegar à universidade...
Exatamente. Então, são quatro contradições: educação superior × educação básica; as etapas da própria educação básica: educação infantil × ensino fundamental × ensino médio; educação profissional × ensino médio; e alfabetização × educação continuada. Nós reestruturamos o ministério para responder a essas falsas oposições e hoje estamos colhendo os frutos.

<--break->No caso do ensino superior, como está se dando sua expansão?
Foram criadas quatro universidades novas e seis faculdades foram transformadas em universidades. A transformação de faculdade em universidade não é uma operação meramente formal, porque para isso é preciso ampliar o número de cursos ofertados, contratar docentes etc. Trata-se, portanto, da consolidação de uma instituição de nova natureza. E, além disso, foram criadas 48 extensões de instituições já consolidadas.

Isso significa contratação de quantos professores?
Entre 6 mil e 6.500 novos professores, fora a reposição e ampliação do corpo docente das instituições atuais.

E em termos de oferta de vagas?
Ampliação da ordem de 25%. Vamos sair de um patamar de 120 mil vagas de ingresso ao ano para 153 mil. Algo substancial.
O ProUni, muito comentado, é outra possibilidade de acesso. Ele oferece bolsas de estudos em instituições particulares para jovens de baixa renda egressos da escola pública. Esse programa de bolsas está atendendo cerca de 100 mil jovens ao ano.

Há setores mesmo dentro do PT que criticam o ProUni com o argumento básico de que o Estado está fazendo uma renúncia fiscal a um dinheiro que poderia ser investido na universidade pública. Como você vê essa crítica?

Em 1991 o Supremo Tribunal Federal acordou que as instituições de ensino superior gozariam das isenções fiscais previstas na Constituição sem oferecer contrapartida enquanto o Poder Executivo federal não regulamentasse essas isenções. Durante 13 anos essas instituições gozaram das isenções sem oferecer nenhuma contrapartida. Eu não vi ninguém reclamar. Quando se regulamentam as isenções que as obrigam a oferecer essa contrapartida, e da forma mais republicana possível, porque a seleção é feita por um exame nacional de ensino médio, o Enem, aí vem a crítica.

Além disso, imaginar que todo jovem de baixa renda vai entrar numa universidade pública não é razoável. Vedar seu acesso à educação superior simplesmente porque ele não teve o desempenho para chegar a uma universidade pública é inaceitável para países com as características do Brasil.

Outra alternativa seria revogar essas isenções fiscais. A conseqüência imediata seria um aumento das mensalidades cobradas dos alunos das escolas particulares. Arrecadaríamos mais sem nenhuma garantia de que o dinheiro adicional viesse para os cofres do Ministério da Educação. Suponhamos que fosse possível obter tal garantia. Expandir a universidade pública às custas do aluno da escola particular me parece um total contra-senso.

Portanto, não me parece contraditório ampliar o acesso à educação superior pela conjugação de três ações: a expansão da universidade pública, um programa de bolsas - aliás, previsto no programa de governo de 2002 - e o financiamento estudantil.

Além disso, nós reconstruímos o sistema de avaliação da educação superior, o que foi um grande avanço. Com a criação do Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior), há um controle muito maior sobre a qualidade da oferta de educação superior. Isso vai ter repercussões muito importantes para o sistema.

Há um problema sério, que é o baixo salário dos professores universitários. Qual é a política?

Nós herdamos uma situação de achatamento salarial. Podemos hoje dizer que, durante o governo Lula, nenhum professor de universidade pública ou mesmo de escola técnica teve um reajuste inferior à inflação. Todos tiveram ganho real, que em alguns casos chegou a 20%. Agora, são tantos penduricalhos na folha dos docentes que é um trabalho de relojoeiro ir alterando o quadro e transformando essa realidade. Não será feito em um ano ou dois, é algo que vai ter de ser construído junto com a categoria.
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E no que toca ao ensino fundamental?
Na área da educação básica, com a substituição do Fundef pelo Fundeb, a União passa a investir R$ 5 bilhões. Destes, R$ 4,5 bilhões de dinheiro novo, uma vez que os investimentos do Fundef eram da ordem de R$ 500 milhões. O ensino obrigatório de nove anos colocou também o país num patamar de igualdade com seus vizinhos sul-americanos, para não falar dos países desenvolvidos, que têm ensino obrigatório de doze anos - nove do fundamental e três do médio.

No campo da avaliação, a Prova Brasil é uma experiência inovadora. Consiste em aplicar uma prova universal a todos os alunos de 4ª e 8ª série e mandar para o diretor da escola, pais e professores o boletim da escola, para que seja possível planejar melhorias no ensino à luz do diagnóstico que a prova oferece. A mobilização em torno dos resultados pode ser constatada em qualquer cidade. A extensão do direito à merenda para a educação infantil e a extensão do direito ao livro didático para o ensino médio também estruturam a educação básica no seu conjunto.
Também há a grande transformação ocorrida no FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), que deixou de ser um balcão e passou a ser uma agência de fomento da educação. Para se ter uma idéia, até 2002 o FNDE atendia, por transferências voluntárias, 497 municípios; em 2005 atendeu 1.625 municípios. Isso significa que estamos fazendo chegar programas de capacitação de professores, de reforma de escolas, de infra-estrutura - sobretudo de inclusão digital - ao triplo de municípios. Hoje o FNDE é visto pelos prefeitos como uma agência de fomento da educação; suas resoluções são todas universalistas, para atendimento do maior número possível de pedidos.

Além disso, houve uma grande mobilização em torno do salário-educação. O salário-educação é um tributo destinado exclusivamente ao ensino fundamental e sua arrecadação, feita pelo FNDE, vai fechar 2006 em R$ 6,8 bilhões - em 2002 era de R$ 3,7 bilhões. Havia um verdadeiro descaso com a arrecadação do salário-educação. Não se sensibilizavam as empresas para seu recolhimento, os grandes bancos não recolhiam. Foi feito todo um trabalho de sensibilização. Anteriormente, o acesso ao FNDE geralmente era mediado por relações políticas. Hoje, prefeitos e governadores têm acesso direto. Há uma sala de atendimento, os dirigentes da educação recebem treinamento para compreender como apresentar seus projetos. A cultura do FNDE foi completamente alterada.

E quanto à educação profissional?
A educação profissional é algo de que a grande imprensa pouco fala. O presidente Lula terá sido o presidente que mais autorizou a abertura de novas escolas técnicas no país. Nós vamos chegar em dezembro com cerca de 50 novas escolas técnicas autorizadas. Em 2002 havia 109. Em termos de expansão, o governo Lula está fazendo até mais pela rede de educação profissional do que pela rede de educação superior, mas, como há setores da sociedade contra a expansão da universidade pública, no caso das escolas técnicas o assunto nem sequer vem à baila.

A expansão da oferta de educação profissional está se dando em novos moldes, não só por estar integrada ao ensino médio, mas porque as escolas técnicas federais, pela primeira vez na história, estão atendendo à educação de jovens e adultos, o que significa dizer que aquele jovem que concluiu o ensino fundamental com algum atraso pode agora fazer o "supletivo" numa escola técnica federal, que jamais havia sido aberta para essa camada social. Eram escolas elitizadas. Agora elas atendem seu público tradicional de classe média, mas também atendem um público diferenciado: aquele jovem que com muita dificuldade terminou o ensino fundamental, quer continuar seus estudos, quer se profissionalizar, mas com aumento de escolaridade.

Isso por si só é uma revolução na oferta de educação profissional e está chamando a atenção dos estados, que passam a ser parceiros do Ministério da Educação na ampliação do chamado EJA Profissionalizante de Ensino Médio (Proeja), e também do Sistema S - Sesi, Sesc, Senai etc. -, que se sensibilizou com a experiência e passa a encarar a educação profissional com essa nova visão. Ou seja, não podemos ver mais a educação profissional como algo descasado do aumento da escolaridade. Essa integração promove o reforço mútuo que a propedêutica e a educação profissional exercem uma sobre a outra. Isso é uma mudança de cultura no país muito importante.

E o analfabetismo? É utopia colocar como meta, em algum momento, erradicar o analfabetismo no país?
O Brasil Alfabetizado, como já disse, foi integrado ao EJA . Hoje um grande percentual dos atendidos pelo EJA é egresso do Brasil Alfabetizado. As metas do Brasil Alfabetizado estão sendo atingidas, que é o atendimento de 2 milhões de brasileiros ao ano. Mas por que as taxas de analfabetismo não estão caindo rapidamente? É que o Brasil Alfabetizado custa a chegar ao analfabeto absoluto. Nós estamos atendendo o semi-analfabeto.

Quantos são os analfabetos no Brasil?
Cerca de 14 milhões de analfabetos absolutos. O problema é que essa população está pelo território, sem acesso aos sistemas públicos de ensino, e o ministério vai ter de, no futuro, redesenhar o Brasil Alfabetizado. O Brasil Alfabetizado tem seus méritos, estamos produzindo neoleitores, porque muitos cidadãos que só conseguiam ler uma placa, um nome, hoje conseguem ler um texto. Esse cidadão não era computado nas estatísticas de analfabetismo, mas não podia ser considerado um leitor.

Muito se tem falado da educação como a grande prioridade num segundo governo Lula. No Programa de Governo está sendo trabalhado o conceito de meta síntese. Como você vê isso?

Eu penso que o início do governo Lula foi marcado por duas preocupações substantivas: a primeira foi o controle da inflação, conjugado com o controle da dívida pública, o que não era preocupação no governo anterior, tanto que a dívida pública salta de 28% do PIB para 56% no período FHC. Isso foi feito sem recorrer a dois expedientes que, por razões políticas e práticas, não estão mais disponíveis: aumento da carga tributária e privatizações. Sem contar com esses dois expedientes, o governo Lula corajosamente assimilou a idéia de que a dívida pública precisava ser controlada e precisava ter uma trajetória declinante para o país poder pensar em desenvolvimento sustentável.

A segunda foi a questão do combate à pobreza. Uma obsessão do presidente. Eu lembro que em 1996 o presidente Fernando Henrique Cardoso declarou numa entrevista à Folha de S.Paulo o seguinte: "Pela dinâmica do capitalismo atual não é possível incorporar a todos". Isso causou uma comoção no país. Como um presidente podia declarar isso? Pois bem, o presidente Lula, assim que tomou posse, determinou que todas as famílias situadas abaixo da linha da pobreza tinham de ter uma relação de cidadania com o Estado, e foi escolhido o Bolsa-Família para estabelecer essa conexão, numa perspectiva de direito universal. Muito diferente, portanto, do que ocorria com os programas de transferência de renda do período anterior, fragmentados pelos ministérios e clientelistas, dado que não eram universais. Hoje o Bolsa-Família é universal e centralizado num único ministério.

O que os críticos do governo não perceberam, até por conta da crise política, foi que, a partir do segundo semestre de 2004, o presidente Lula começa a promover inflexões na sua agenda política, voltadas principalmente para a ciência e tecnologia e para a educação. O Fundeb vai para o Congresso nesse período, a expansão das universidades públicas foi decidida nesse período, a expansão das escolas técnicas federais também, a questão do biodiesel, do programa espacial, a liberação dos fundos setoriais para ciência e tecnologia, tudo isso começa a ocorrer no final de 2004 e mais fortemente em 2005, o que revela uma inflexão que não foi notada pela grande imprensa. Portanto, dentro desse contexto eu penso que o presidente tem total legitimidade para colocar a questão da educação, da ciência e tecnologia como prioridade num segundo mandato.

Qual a importância estratégica da educação no processo de desenvolvimento do país e no mundo atual?

O problema da educação tem a ver com o estágio que o capitalismo vive hoje, o da mundialização. A segunda grande revolução tecnológica veio acompanhada da redução drástica da jornada de trabalho, de 3.200 para 1.600 horas ao ano. Com a entrada em cena do keynesianismo, adotaram- se, em muitos países, políticas de pleno emprego. A terceira revolução tecnológica, pela forma como a tal globalização está sendo politicamente engendrada, não favorece uma nova onda de redução da jornada de trabalho. Na verdade, o que existe hoje é uma tensão permanente entre competitividade e direitos. E, o que vale para a jornada de trabalho, para o emprego etc., vale também para a educação.

A acumulação de capital mediana prescinde do conceito de educação como direito universal. No capitalismo moderno, a tensão entre competitividade e direitos só se resolve com taxas elevadíssimas de crescimento. Hoje se pensa educação, de um ponto de vista, para conter os efeitos deletérios da própria globalização, como a banalização da violência. O que torna o debate mais interessante é que, de outro ponto de vista, o investimento maciço em educação é tomado como variável-chave para alcançar as altas taxas de crescimento que diluem aquela tensão provocada pela globalização. A educação atenua o círculo vicioso ou engendra o virtuoso? Embora os dois raciocínios sugiram o aumento dos investimentos em educação, eles me parecem reducionistas. Penso que todo o potencial da educação só se faz notar no interior de um plano de desenvolvimento que compreenda, mais do que nunca, o conceito de desenvolvimento humano.

Como é o caso, até meio emblemático, da Coréia do Sul, onde é a educação é apontada como fator fundamental do salto que o país deu?

Tomando casos exemplares como o da Coréia, ou o do Japão de uma década antes, pode-se perceber como essa tensão pode ser superada. A educação é condição da acumulação acelerada de capital, sobretudo quando se tem em mira a emancipação nacional quanto à ciência e tecnologia, cuja incorporação à função de produção criou uma espécie de capitalismo superindustrial. Até por conta disso, volto à questão inicial da política de foco em educação. Focar a educação básica em detrimento da educação superior, ao invés de priorizá-la ao mesmo tempo em que se reforça a educação superior, não apenas se revela uma política nociva para a própria educação básica como também corresponde a uma visão absolutamente provinciana de educação, sobretudo na sociedade do conhecimento.
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E as perspectivas para um segundo governo Lula?

Há um visível salto de qualidade na gestão da máquina pública durante o governo Lula. Os novos quadros que chegaram ao governo federal aprenderam a lidar com a máquina, que flui melhor. Há novos quadros que foram incorporados nesse percurso, o que já revela a grande vantagem da alternância de poder, com a conseqüente formação de novos quadros dirigentes para o país. O governo Lula está muito mais habilitado a responder a novos desafios do que estava quatro anos atrás. Contudo, isso só vai se desdobrar num governo efetivamente melhor se repensarmos a relação do Executivo com o Legislativo, o que só se dará no contexto da discussão da reforma política.

No campo da educação, quais seriam os desafios?
Pretendemos continuar o que estamos fazendo, mas há três questões que vão merecer uma atenção maior. A primeira, tornar a questão da formação dos professores da educação básica um assunto federal. Temos de superar a LDB, que prevê a atuação apenas supletiva da União quanto à formação de professores, e inserir essa questão na disciplina do regime de colaboração. Daí a importância da proposta de Universidade Aberta do Brasil, levar a universidade federal a pólos municipais para formação de professores.

O segundo ponto: tivemos várias experiências bem-sucedidas na área de juventude, mas de pequena escala. O Projovem foi uma experiência bem-sucedida que ganhou corpo dentro do governo, mas atende 100 mil jovens, o Soldado-Cidadão, o Proeja, o Consórcio da Juventude, a Escola de Fábrica, o Agente Jovem são programas bem-sucedidos. Precisamos fazer o que fizemos com os programas de transferência de renda: centralizá-los sob um mesmo rótulo e buscar escala para atender pelo menos parte dos 2 milhões de jovens de 15 a 17 anos que estão fora da escola. Temos massa crítica para dar esse passo.

Por fim, a inclusão digital. Concluiremos o ano de 2006 com todas as escolas de ensino médio equipadas com laboratório de informática. É preciso alcançar as de ensino fundamental e conectá las todas à rede mundial de computadores.

Ricardo de Azevedo é coordenador editorial de Teoria e Debate