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Entrevista com Ana Júlia Carepa

Ana Júlia Vasconcelos Carepa, 48 anos, mão de Júlio, de 21 anos e de Juliana, de  13. Vinte e cinco anos de militância, seis eleições, eleita governadora do Pará com  1,7 milhão de votos, ou 55% dos votos. Primeira mulher a governar o estado, interrompendo doze anos de mandato tucano, ao derrotar o ex-governador Almir Gabriel.

Qual a principal lição que ficou desta campanha?
O povo brasileiro ficou feliz de ter assumido o comando de sua própria história quando elegeu Lula presidente, e sentiu o efeito positivo das políticas públicas do governo federal. O aprendizado é que o poderio econômico é grande, influencia uma eleição, mas o povo, se quiser, consegue ser mais forte.

Em que situação a senhora espera encontrar o governo do Pará?
Não esperamos encontrar uma situação fácil, mas teremos o apoio do governo federal. Queremos fazer parcerias com o governo federal e espero contar com os deputados e a sociedade. E procuraremos renegociar as dívidas de forma responsável, para o Pará crescer, distribuir renda, sem ficar amarrado às dívidas.

Como será a composição do governo e a conciliação das alianças com o programa?
As alianças são com aqueles que acataram nosso programa de governo e, a partir dele, vamos buscar aliados, para que governem junto, para toda a sociedade. Vamos dialogar inclusive com aqueles que não fizeram parte da nossa aliança, procurar o diálogo defendendo os interesses do Pará. Não tenho dúvida de que deputados que se elegeram defendendo o Pará também poderão estar ao nosso lado no governo.

A composição da Assembléia será favorável ou a oposição é mais forte do que antes?
A oposição ao meu governo é maioria. Mas, em política, a matemática não funciona da mesma forma. Já estamos dialogando e há muitos parlamentares que querem ajudar o Pará e, por isso, respeitando a vontade da maioria do povo, querem fazer parte do governo e querem que dê certo. É possível construir maioria a partir dos interesses da sociedade, do interesse público do estado. Como sempre disse o governador do PSDB, “o Pará é maior do que qualquer partido político”, e, como ele mesmo repetiu, não dirá isso apenas como governo, se empenhará para que seja a prática de quem está na oposição.

Quais serão os principais parâmetros para o desenvolvimento do Pará?
O Pará é um estado rico, tem o 11º PIB do país. Por outro lado, é o 21º na renda média, ou seja, a população é pobre e não está se apropriando dessa riqueza. O caminho para o desenvolvimento tem de ser feito de várias formas, investindo em infra-estrutura, em assistência técnica, na re-tecnologia para qualificar nossos produtos. As frutas, as ervas, as fibras, os produtos cerâmicos, temos uma diversidade imensa de produtos naturais e isso é valorizado no mundo inteiro. Para garantir que a cadeia produtiva dos minerais seja estendida, é necessário investimento em energia elétrica, para que não fiquemos apenas no produto semi-elaborado. Também podemos agregar tecnologia e valor aos produtos madeireiros, investir em design. Um sonho que queremos transformar em realidade. Vamos trabalhar para pôr em prática esse processo, aquilo que chamamos de fábrica sustentável, incentivá-las a partir da riqueza de cada região, para poder – talvez não no primeiro ano, mas no segundo – colher seus frutos.

Quando Lula tomou posse disse que um dos objetivos centrais era fazer com que o brasileiro tivesse, pelo menos, três refeições por dia. Qual seu objetivo central em qualidade de vida?
O primeiro será a paz no campo, que o povo paraense possa ter paz, que possamos investir para que a riqueza seja distribuída − e assim a população possa comer e morar melhor, ter a saúde mais perto. O povo com mais qualidade vida, é esse o meu desejo. Temos um programa que é porta de saída do Bolsa-Família.

O Bolsa-Trabalho tem como prioridade as famílias que recebem o Bolsa-Família, mas, entre elas, jovens, mulheres e pessoas desempregadas.

Nosso objetivo é a capacitação profissional, que une o Bolsa-Trabalho com a ajuda financeira. Criaremos uma rede em que, ao final de quatro anos, as pessoas sintam em cada localidade, mesmo que eu não esteja lá ou que elas nunca tenham me visto, a presença do nosso governo.

E o combate à corrupção?
Será uma ação constante, mas preciso da sociedade, porque, se um cidadão vai lá e dá dinheiro a um servidor público para facilitar algum processo, ele está incentivando a corrupção.

Precisamos acabar com a cultura de agradar a alguém para que cumpra suas funções. Queremos um diálogo transparente com o servidor público, em que plano de cargos e salários seja pauta, uma mesa permanente de negociação, mas também avaliar o serviço prestado à população como parte da sua ascensão profissional.

Não basta que ele seja eficiente, tem de tratar bem o povo, e isso se faz oferecendo um bom serviço. O combate à corrupção tem de ser feito dentro do governo e também de fora dele, com a sociedade. Não posso dizer que vou exterminar a corrupção porque sabemos que ela está entranhada, é uma coisa cultural. Vamos trabalhar, vai haver uma mudança de cultura, e isso se faz com tempo, com educação e com práticas diferenciadas, que é o que nós pretendemos estabelecer.

Quais os principais investimentos esperados do governo federal?
Faremos muitas parcerias com o governo federal. Além das grandes obras, como a BR-63, a Transamazônica, obras estruturais importantes não só para o Pará, mas para o país, como as eclusas de Tucuruí, a hidrelétrica. Parceria na área da pesca, do saneamento (programa Água para Todos), na agricultura, na segurança pública. Já nos reunimos com a presidente da Caixa Econômica Federal, marcamos um seminário de técnicos para examinar as possibilidades rapidamente e logo no primeiro momento do governo ter acesso a recursos. Onze ministérios estão nos ajudando na transição, para que possamos começar o governo dando passos concretos na direção de mudar o Pará para melhor.

Na experiência do PT na Prefeitura de Belém, o Orçamento Participativo (OP) foi uma política de governo, mas, quando mudou o prefeito, não houve continuidade porque não se enraizou na cultura da sociedade. Como é possível que as políticas de governo sejam absorvidas pela cultura política da sociedade?

Um compromisso nosso é fazer um governo com participação popular e descentralizado, equilibrado em todas as regiões. Não é simples mudar a cultura da corrupção, da vantagem, mas precisamos trabalhar com a sociedade para que a pessoa se sinta incluída, faça parte de um projeto. O papel de cada um tem de ser respeitado e o papel do cidadão comum é também opinar a partir de sua região.

Como a sociedade organizada, seja no sindicato patronal, de trabalhadores, em ONGs, vai participar?
Queremos, a partir dessa reunião regional, ouvir todos esses setores, ouvir o que é prioridade para tomarmos decisões. Fui eleita legitimamente, mas não irei impor todas as minhas idéias. Ao contrário, tenho de ouvir aqueles que estão nas regiões, que fazem parte da construção da riqueza e, com sua experiência, possam contribuir para a otimização do investimento do governo, na área de educação, de saneamento, de infra-estrutura, junto ao governo federal. Pretendemos, por exemplo, investir R$ 1 a cada R$ 10 gastos pelo governo federal em estradas. Assim, vamos otimizar toda uma região. Posso investir esses 10% tanto em rodovias estaduais que cruzam a rodovia federal quanto no melhoramento do entorno da rodovia. Atingiremos, de forma positiva, toda uma área, discutindo em cada região. Assim enraizaremos o cidadão como um agente também transformador, construtor de um governo novo.

O Orçamento Participativo voltará?
Não sei se o nome será esse, mas a participação popular vai acontecer pela primeira vez no estado.

João Cláudio Arroyo é professor universitário e coordenador da ONG Instituto Saber Ser Amazônia Ribeirinha (ISSAR).