Cultura

Foram necessários 20 anos de pesquisa para finalizar a obra

A figura de Olga, que já tem a seu crédito dois livros, um documentário de cinema e um filme de ficção, chega ao palco do Teatro Municipal de São Paulo na forma dessa raridade que é uma  ópera brasileira e  moderna. Seu autor é o carioca Jorge Antunes, veterano compositor de música de vanguarda, em particular a eletroacústica, que hoje ensina na Universidade de Brasília, onde coordena um laboratório. O libreto tem a assinatura de Gerson Valle. Vinte anos levou o trabalho, permitindo que o  próprio Luís Carlos Prestes e sua filha Anita Leocádia acompanhassem o andamento, fazendo reparos, oferecendo sugestões e ajustes.

Conhece-se o percurso de Olga Benario, judia alemã e membro do serviço secreto militar soviético, emissária do Komintern para atuar no Brasil e mulher de nosso maior líder comunista, Luís Carlos Prestes. Olga foi entregue, depois de presa pela polícia política do ditador Vargas, e grávida, aos nazistas, em 1936. Na prisão, daria à luz a filha, que hoje reside no Brasil. Morreria na câmara de gás de Bernburg, em 1942.

Entre nós, esses eventos, que duas ditaduras omitiram, seriam revelados por Fernando Morais, quando publicou Olga (1984). Na Alemanha Oriental fora lançado em 1961 o livro Olga Benario, de Ruth Werner, reeditado em 1984, coincidindo com uma exposição sobre sua vida e respectivo catálogo na Galerie Olga Benario, em Berlim, à Richardstrasse 104. Heroína dos fastos comunistas há tempos, é nome de rua, completo, “Olga Benario Prestes”, na capital. Conta-se no mínimo uma centena de escolas, creches, ruas e praças assim batizadas por todo o leste do país. Sua beleza de olhos transparentes aparece em efígie em moedas e selos. As crianças ouvem falar dela nas aulas de História.

O docudrama Olga Benario – Uma Vida pela Revolução (Olga Benario – Ein Leben für die Revolution, 2003), dirigido por Galip Iyitanir, apresenta depoimentos de suas companheiras de cativeiro sobre ela e seu  bebê. O acervo de documentos é opulento, incluindo fotografias antigas e trechos de filmes, além de imagens atuais dos lugares e das edificações. Ficamos sabendo da origem de seu sobrenome, tão pouco germânico: Ben Arieh, Filho de Leões. Renegada pela própria família, que também morreria em campo de concentração (salvo o pai, cedo falecido), deu à filha o nome que homenageia, juntamente com a mãe de Prestes, outra guerreira brasileira. Não é dos menores trunfos do filme começar por uma dupla de cantadores nordestinos entoando o enredo de Olga, como se fosse um romance de cordel. Essa crônica acabaria por ser filmada por Jayme Monjardim (Olga, 2004).

Com abundância de recitativos, a ópera vai da música experimental com trechos eletroacústicos às referências a Tristão e Isolda, de Wagner. Entremeados, balés, filmes e imagens de jornal. A encenação é  movimentada, incluindo um desfile de carnaval. A comparsaria, numerosa, beira a centena de figurantes, em final apoteótico cantando a Internacional e desfraldando a bandeira vermelha. É de arrepiar os cabelos ouvir o velho hino revolucionário atroando os ares nesse espaço simbólico − monopólio de classe − que é o Municipal. Certamente é a primeira vez na história do Brasil. Sem contar que boa parte da platéia, arrebatada, engrossa o coro.

Foi assim que ocupou o palco da pompa e da circunstância um lance, de âmbito mais que meramente brasileiro, da saga da esquerda.

Walnice Nogueira Galvão é crítica literária, integra o Conselho de Redação de Teoria e Debate