Economia

O PAC é uma nova forma de pensar a relação entre duas instituições, o Estado e o mercado

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) representa, depois de quatro anos, uma mudança de concepção do governo Lula: é uma nova forma de pensar a relação entre duas instituições essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade – o Estado e o mercado. Tais instituições devem interagir por meio de ações de governo para estimular o crescimento econômico e promover justiça e segurança social. Em caminho oposto, os últimos governos de FHC e Lula construíram suas estratégias de crescimento e desenvolvimento social baseadas em lendas, que são conhecidas e antigas, são do século 18: “Para governar melhor, é preciso governar menos” (marquês d’Argenson) ou “A regra geral é que nada deve ser feito ou tentado pelo governo; o lema do governo (...) deveria ser: ficar quieto. (...) A exigência feita pela agricultura, indústria e comércio aos governos é tão modesta e razoável quanto a que Diógenes fez a Alexandre: – Saia da minha frente” (J. Bentham).

Por meio do PAC, o governo tenta retomar o controle da nau Brasil, que estava à deriva. O PAC não aceita a idéia de que o Estado ocupa o lugar da iniciava privada, que o investimento público expulsa da economia o investimento privado – fenômeno conhecido na academia como crowding-out. Ao contrário. O PAC adota a concepção do crowding-in: o investimento público atrai para a economia o investimento privado real. A idéia do crowding-out é que a economia somente pode crescer a uma determinada taxa que é natural dada uma série de condições estruturais e legais que são conhecidas, mas não podem ser alteradas no curto prazo, ou seja, o PIB potencial está dado pelas condições passadas que são tratadas como perenes. A idéia do crowding-in está baseada exatamente na possibilidade de alteração do PIB potencial. Assim, o investimento público não expulsaria o investimento privado, mas, ao contrário, abriria espaço para sua expansão. Na concepção do crowding-out, o investimento público expulsaria o investimento privado e/ou causaria inflação devido ao excesso de demanda. Na alternativa crowding-in, não haverá excesso de demanda porque a taxa potencial de crescimento anual do PIB da economia brasileira será superior a 5% se o conjunto de investimentos públicos proposto no PAC for realizado.

A última grande iniciativa econômica de governo no país foi o Plano Real. Quem derrotou a alta inflação no Brasil foi o governo. Não foram as forças de mercado que se movimentavam livremente. O governo Lula retomou a iniciativa, através do PAC, depois de quatro anos esperando o “espetáculo do crescimento” que seria oferecido exclusivamente pelo “mercado”, uma entidade considerada por muitos como: vidente, suprema e infalível. Mas o Deus mercado falhou: o crescimento econômico médio no período 2003-2006 foi de 2,6% (nos anos 1995-1998, correspondentes ao primeiro governo de FHC, foi de 2,6 e, nos anos 1999-2002, no segundo mandato, foi de 2,1% ao ano). Então, o governo desistiu de esperar o dia em que o paraíso chegaria como resultado dos sacrifícios cotidianos. Na prática, a iniciativa de lançar um programa desconstitui a idéia de que a soma de sacrifícios de curto prazo resultaria, de forma espontânea, no paraíso, alcançável somente lá... lá... lá longe, no longo prazo.

De um lado o PAC é criticado porque não se propôs a realizar corte de gastos correntes, não reduziu a carga tributária de forma generalizada e significativa, não apresentou regras de garantia para os negócios privados de grande porte e não desburocratizou a economia. Por outro lado, é criticado por sua timidez: o montante previsto de investimento público seria considerado insuficiente. Em 1994, o Plano Real também foi criticado porque não continha medidas para promover o crescimento e melhorar o perfil distributivo da renda. Seu objetivo era somente um: extinguir o regime de alta inflação. Só faltou gente para dizer que o Plano Real não continha um programa de reforma agrária. Aliás, em relação ao PAC, até isso já foi alardeado.

De fato, os montantes indicados no PAC para o investimento público não são absolutamente notáveis. Contudo, são muito superiores àqueles realizados nos últimos anos: poderá saltar do patamar de aproximadamente 0,5% para 1% do PIB. As desejadas regras de garantia dos negócios de grande porte e a desburocratização podem até se mostrar necessárias, mas não são essenciais nem determinantes: mais do que reformas e marcos legais, o que os empresários desejam é lucro, uma palavra que é quase sinônimo de crescimento sustentado. A China é um caso exemplar. País de bandeira vermelha, com partido único, sem eleições diretas e sem democracia, com alfabeto ininteligível, mas cresce por mais de duas décadas a 10% ao ano – além disso, tem uma taxa de câmbio que garante exportações a preços altamente competitivos. Esse é o país que mais recebe investimento direto americano no mundo.

A redução da sucção fiscal será de R$ 6,6 bilhões no ano de 2007, ou seja, aproximadamente 0,7% do PIB. Foi uma medida correta para aumentar a lucratividade esperada dos segmentos selecionados pelo programa. A escolha desses segmentos está relacionada com os objetivos mais gerais do PAC. Contudo, muitos afirmam que a carga tributária no Brasil deveria ser reduzida de forma significativa e generalizada já que países com igual grau de desenvolvimento possuem cargas bem menores. É verdade. Mas por que a carga tributária é alta no Brasil? Ela foi aumentada exatamente durante os últimos governos de FHC e Lula com o objetivo de reduzir o déficit nominal que cresceria de forma explosiva por conta das elevadas despesas financeiras do governo, decorrentes das altas taxas de juros praticadas durante esse período. A causa da elevação da carga tributária foi a elevação da taxa de juros básica da economia. Esqueceram de dizer que países com grau de desenvolvimento assemelhado ao do Brasil possuem uma taxa de juros bem menor que a nossa e não têm a dívida pública indexada à taxa básica de juros, o que, portanto, lhes permite ter uma carga tributária menor.

Um ponto crucial do programa foi a ampliação do escopo da política fiscal, cujo objetivo era tão-somente reduzir a relação dívida–PIB. A política fiscal do PAC contém também o objetivo de promover o crescimento, um aspecto consagrado pelas políticas fiscais keynesianas nos anos de ouro do capitalismo durante o século passado. Dentro desse quesito, é fundamental – tal como foi proposto no PAC – que o investimento público seja financiado pela redução do superávit primário e/ou pela redução das despesas financeiras do governo. A redução de gastos correntes como fonte de financiamento dos gastos com investimentos públicos é uma medida que poderia ser inócua. Por exemplo, uma pessoa empregada que recebe um benefício do programa Bolsa-Família, de forma indevida, gera gastos, gera empregos nas fábricas de bens de consumo. Cortar esse benefício (o que é uma medida correta) para transformá-lo em gasto de investimento é o mesmo que desempregar nas fábricas de bens de consumo para empregar na construção de estradas.

É correta a adoção da responsabilidade fiscal expressa na busca de um déficit zero para o orçamento do governo federal, e isso está no PAC. Os déficits orçamentários são sinais de fraqueza de uma economia. Uma economia não alcança o pleno emprego porque tem déficit orçamentário. A leitura correta é inversa: não equilibra o orçamento porque não atingiu o pleno emprego. Portanto, é correta a visão de que, se a economia crescer de forma continuada a taxas superiores a 5% ao ano, alcançará o equilíbrio orçamentário. Com pleno emprego, haverá aumento substancial da arrecadação e redução de alguns tipos específicos de gastos sociais, tais como aqueles referentes aos pagamentos de seguro-desemprego e do Bolsa-Família.

O crescimento econômico, idealmente, deve ser impulsionado pelo conjunto de políticas macroeconômicas: fiscal, monetária e cambial. Um crescimento impulsionado por essas políticas, acionadas de forma coordenada, aumenta a probabilidade de se tornar sustentável, duradouro. A política monetária deve se tornar compatível com o PAC. No entanto, as taxas de juros sugeridas no PAC são incompatíveis com o objetivo do crescimento porque: mantêm a atratividade dos ativos financeiros vis-à-vis o investimento produtivo, não reduzem significativamente as despesas do governo federal que devem financiar o investimento público e podem gerar um clima de desânimo generalizado – uma taxa de juros de 10% ao ano seria alcançada somente em 2010! Se a taxa básica de juros permanecer elevada, o país manterá o modelo estagnacionista do stop-and-go, que tem sido muito mais stop do que go.

A política cambial compatível com o crescimento é aquela que traz uma taxa de câmbio estável e desvalorizada, isto é, uma taxa que garante às exportações de manufaturados preços competitivos no mercado internacional. No Brasil, a taxa de câmbio está sobremaneira valorizada. Duas variáveis, quando combinadas, tornam as importações explosivas: taxa de câmbio valorizada e crescimento econômico. Então, pode-se afirmar que, se a política monetária se tornar compatível com o PAC e a economia iniciar um processo vigoroso de crescimento, haverá um aumento drástico das importações, que ameaçará o saldo em transações correntes com o exterior do balanço de pagamentos brasileiro.

Sendo assim, será preciso iniciar um processo de compatibilização, desde já, da política cambial com o PAC. Será necessário implementar um processo de desvalorização controlado da taxa de câmbio para que em aproximadamente 18 a 24 meses a taxa de câmbio esteja em um patamar capaz de garantir o equilíbrio das contas externas em um ambiente de crescimento econômico. Uma política agressiva de aquisição de reservas por parte do Banco Central, associada a uma política de esterilização, é o caminho óbvio. Há, contudo, uma barreira a ser observada. O custo para o carregamento de reservas por parte do setor público é a diferença entre a taxa de juros doméstica e a internacional – que é muito alta no Brasil –, e isso reforça a necessidade de uma redução mais acelerada da taxa de juros básica, a taxa Selic.

Enfim, o PAC é um ponto de inflexão na trajetória das políticas econômicas do governo Lula. É necessário, contudo, adequar a política monetária e a cambial ao objetivo do crescimento. O objetivo do crescimento tem de se tornar uma obsessão nacional. Afinal, um país que verdadeiramente quer se desenvolver deve pensar grande e, portanto, buscar compatibilizar objetivos múltiplos: estabilidade monetária, crescimento econômico, equilíbrio do balanço de pagamentos, equilíbrio das contas públicas e justiça e segurança social. O crescimento econômico e a conseqüente solidez orçamentária da União são as condições básicas e necessárias para a viabilização da transformação social de que o Brasil precisa. Sem crescimento econômico não há espaço para a viabilização de programas sociais de profundidade e abrangentes, capazes de promover justiça e segurança social para todos.

João Sicsú é professor do Instituto de Economia da UFRJ, autor de Emprego, Juros e Câmbio (Campus-Elsevier, 2007) (www.ie.ufrj/moeda/sicsu)