Internacional

No primeiro ano da gestão de Evo Morales, o PIB boliviano cresceu mais que o previsto, as exportações dobraram e as reservas internacionais do país foram de US$ 1,5 bilhão para US$ 3,8 bilhões

Depois de muito tempo em que os partidos tradicionais dividiram o poder sobre a base das minorias governantes, em 18 de dezembro de 2005, 54% dos eleitores deram a vitória à candidatura do Movimento para o Socialismo (MAS), liderado por Evo Morales Ayma.

Um mês mais tarde, em 22 de janeiro de 2006, as novas autoridades nacionais e o renovado Congresso Nacional tomaram posse e iniciaram a aplicação do programa defendido durante a campanha. Esse programa não era outra coisa senão a estruturação das demandas acumuladas pelos setores mais carentes e esquecidos da sociedade boliviana. Trata-se de grandes reivindicações gerais que devem se refletir em melhores condições de vida, como bem expressou o lema “para viver bem”

A recuperação da soberania nacional sobre os recursos naturais e a economia nacional, a transparência e a honestidade na gestão da administração pública e, sobretudo, a incorporação dos setores esquecidos à prática da decisão política são os elementos essenciais desse programa. Para o governo do presidente Evo Morales e para o MAS-IPSP, esses são fatores de transformação da Bolívia em condições de promover o desenvolvimento nacional. Tal objetivo não será possível se não for orientado a partir da perspectiva da integração regional.

A recuperação dos recursos

A história da Bolívia, a partir da fundação da República há quase dois séculos, não tem sido outra coisa senão a continuidade do sistema de exploração organizado durante o longo período colonial: importação de insumos e exportação de recursos naturais em estado bruto. Sem dúvida, ao longo desse caminho, houve uma alternância entre políticas de livre-comércio e políticas protecionistas. Tendeu-se com maior freqüência ao comércio liberal, o que impediu o desenvolvimento de uma indústria local – mesmo na época da grande crise dos anos 30 do século passado, as tímidas tentativas de dar forma a indústrias próprias não obtiveram bons resultados. A etapa da Revolução Nacional (1952–1964) procurou dar maior ênfase ao esforço de industrialização, mas durante o longo período seguinte de ditaduras militares retornou-se ao esquema colonial: importação-exportação.

Vicissitudes como a longa luta para manter o controle dos hidrocarbonetos, iniciada em 1937, ou a transformação do oriente boliviano na região de alta produção agroexportadora foram medidas isoladas que não conseguiram superar as condições de país empobrecido e atrasado.

A aplicação do modelo neoliberal, em 1985, iniciou um período de involução produtiva, de entrega da exploração dos recursos naturais a empresas transnacionais e de desarticulação da sociedade. A Bolívia ficou submetida aos ditames das grandes potências e dos organismos internacionais. A tarefa do governo de Evo Morales é a transformação dessa estrutura.

Já em 2004 a bancada do MAS na Câmara dos Deputados iniciou a elaboração de nova lei dos hidrocarbonetos, que, após muitos debates, foi aprovada no ano seguinte. O cumprimento dessa lei impunha que as transnacionais adequassem seus contratos às novas disposições, mas os governos de Carlos Mesa e Eduardo Rodríguez nada fizeram para exigir essa adequação. Em 1º de maio de 2006 estabeleceu-se a regulamentação correspondente e estipulou-se um prazo improrrogável para a assinatura de novos contratos, já que os anteriores, não modificados, não tinham validade. No prazo estabelecido, as empresas firmaram novas contratos e foram assentadas as bases da posse real das nossas riquezas.

Balanço auspicioso

O primeiro ano de administração do presidente Evo Morales terminou com importantes conquistas. O PIB teve crescimento superior ao calculado no início de sua gestão. As exportações dobraram, superando os US$ 4 bilhões. As reservas internacionais do país aumentaram de cerca de US$ 1,5 bilhão para US$ 3,8 bilhões. Os governos departamentais, prefeituras e universidades públicas, beneficiários da maior parte do Imposto Direto sobre os Hidrocarbonetos (IDH), receberam montantes superiores a seus programas de investimento, como foi constatado no balanço do fim de gestão.

Outros indicadores aparecem no orçamento fiscal que, inicialmente, previa um déficit de 4% e terminou com um superávit de 5%. E não foi necessário utilizar uma linha de crédito aberta pela Venezuela para contar com fundos imediatos no caso de diminuição da arrecadação fiscal. A provisão de dinheiro, que normalmente é feita pelo Banco Central ao erário, manteve-se em zero durante todo o ano anterior.

Os governos departamentais e municipais devem orientar seus investimentos para grandes obras de infraestrutura, já que a receita proveniente do petróleo ultrapassou os US$ 600 milhões e, para 2007, deve ser superior a US$ 1,5 bilhão. O governo central deve fazer o mesmo.

Redistribuir a riqueza

Trata-se precisamente de planejar o investimento a fim de ativar a economia do país. Durante vinte anos a implantação do modelo neoliberal reduziu a perspectiva econômica aos níveis mais baixos, aumentou o desemprego, elevou o índice de pobreza e deixou uma atmosfera de incerteza que dura até hoje.

Diariamente, centenas de pessoas saem do país buscando alguma perspectiva de trabalho, muitas vezes do outro lado do oceano. O desespero tomou conta dessas pessoas, apesar dos indícios de progresso já notados.

Na preparação dos planos de recuperação econômica, o governo enfrentou uma situação de desastre provocada pelas inundações em uma extensa região do país, especificamente nas planícies baixas, enquanto a seca e a geada prejudicaram os cultivos das terras altas. A oposição, dirigida por autoridades de alguns departamentos, tentou utilizar tal situação para desprestigiar o governo.

A reação do governo foi avançar, não apenas atendendo às necessidades dos flagelados como também planejando o futuro a médio e a longo prazo. Nos próximos meses será necessário trabalhar na prevenção das doenças que surgem com a descida das águas. Ao mesmo tempo, será iniciado um programa de construção de casas. A médio prazo, os planos apontam para a recuperação da agricultura e da pecuária, com prioridade para os setores mais necessitados. Por último, no longo prazo, trabalha-se para que esse fenômeno, que se repete anualmente, ainda que com menor intensidade, não provoque graves prejuízos.

Assim, os desafios apresentados tanto pela oposição política como pela natureza podem ser enfrentados com planos de curto, médio e longo prazo. Em vez de obstáculos, as adversidades têm se transformado em um ponto de partida para o desenvolvimento.

Tradução Claudia Schilling
Antonio Peredo Leigue é senador na Bolívia pelo MAS